São Paulo, domingo, 09 de janeiro de 2005

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+ filosofia

O pensador Edgar Morin fala do sexto volume de sua série "O Método", que acaba de ser lançado na França

Harmonia dos extremos

DA REDAÇÃO

Um dos mais influentes pensadores franceses, o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1921) é autor de uma vasta obra que vai da antropologia à comunicação. Na entrevista abaixo, ao jornal "Le Monde", o diretor emérito do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS) fala do recente lançamento, no país, de "Éthique - La Méthode 6" [Ética - O Método 6, ed. Seuil, 240 págs., 20 euros], sexto e último volume de seu trabalho mais abrangente: "O Método" [os cinco primeiros volumes foram lançados no Brasil pela ed. Sulina].


O espírito é a qualidade que nasce da relação entre cérebro e cultura


Trata-se de um conjunto de obras que começaram a ser pensadas em 1972 e que formam "um anel recorrente: do humano ao natural, e do natural ao humano", unindo as ciências exatas e as humanidades.
 

Pergunta - Como começou a aventura intelectual de "O Método"?
Edgar Morin -
A agitação intelectual de onde emergiu esse conjunto de livros teve seu epicentro durante minha estadia no Instituto Salk de Pesquisas, na Califórnia, em 1969-70. Para que a idéia desse trabalho me viesse à cabeça, foi preciso que eu descobrisse a teoria dos sistemas e uma série de obras (Von Foerster, Von Neumann, Wiener, Bateson, entre outros) que eram -e, em muitos casos, continuam a ser- ignoradas pelas ciências humanas, filósofos e também cientistas.
Ao assimilar esses conhecimentos, descobri a complexidade. Concebi a esta idéia-chave: o que faz a originalidade da matéria viva não é uma diferença de substância, mas de organização: esta, muito mais complexa, dotada de autonomia, fez emergir as qualidades próprias à vida.
Concluí que a organização era um conceito-chave que era preciso questionar, mas que, ao mesmo tempo, eu não podia isolar. Pois a derrocada da concepção exclusivamente determinista do universo me levava a questionar a relação ordem-desordem-organização. Enfim, refletindo sobre a relação entre espírito e cérebro, concebi a idéia de que o espírito é não uma superestrutura, mas a qualidade emergente que nasce da relação entre cérebro e cultura.

Pergunta - Quer dizer então que o projeto inicial data de 1970?
Morin -
Sim. Inspirado no "Espírito do Vale", [capítulo] do Tao [Te Tching, de Lao Tzu], queria me tornar o vale para onde confluem todas essas idéias novas. Desejava que elas se conjugassem com minha cultura antiga, histórica, filosófica e literária, para discernir de que maneira é possível pensar em nossa época. Queria encontrar os instrumentos que permitissem interligar conhecimentos dispersos e distintos.

Pergunta - O sr. menciona também sua "Autocrítica", de 1959, em que analisa os mecanismos de seu engajamento no Partido Comunista como pano de fundo de "O Método". Qual a ligação?
Morin -
É uma fonte psicológica profunda de minha proposta. Em "Autocrítica", eu procuro discernir como pude me enganar. Na minha adolescência, lera Trótski e Boris Souvarine e conhecia os aspectos negativos da União Soviética. Aderi ao final de 1941, em plena guerra, num momento em que, pela primeira vez, se sentia que havia uma força que poderia resistir à Alemanha nazista.
Armei-me com argumentos como: "Todas as características negativas da União Soviética vêm do atraso da Rússia czarista, cujo peso ela carrega". Com o pós-guerra, quando me dei conta de que argumentos assim eram viciados, um dos problemas que me preocuparam foi: como evitar o erro e a ilusão?

Pergunta - Como o sr. vê seu percurso hoje?
Morin -
No início, muitas idéias podiam parecer insólitas ao leitor, e corri o risco de ser rejeitado. Hoje, algumas de minhas idéias já estão difundidas e começam a ser utilizadas. Mas, como não sou catedrático de uma cadeira que produza discípulos, minhas idéias se multiplicam à moda vegetal, por disseminação, sem que se possa prever onde as sementes vão cair e germinar. No fim das contas, completei meu anel. Desde o início, "O Método" desenhou um anel recorrente: do humano ao natural, e do natural ao humano.


Tradução de Clara Allain.


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