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+ filosofia
O pensador Edgar Morin fala do sexto volume de sua série "O Método", que acaba de ser lançado na França
Harmonia dos extremos
DA REDAÇÃO
Um dos mais influentes
pensadores franceses, o sociólogo e filósofo francês
Edgar Morin (1921) é autor
de uma vasta obra que vai da antropologia à comunicação. Na entrevista abaixo, ao jornal "Le Monde", o
diretor emérito do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França
(CNRS) fala do recente lançamento,
no país, de "Éthique - La Méthode 6"
[Ética - O Método 6, ed. Seuil, 240
págs., 20 euros], sexto e último volume de seu trabalho mais abrangente:
"O Método" [os cinco primeiros volumes foram lançados no Brasil pela
ed. Sulina].
O espírito é a qualidade que nasce da relação entre cérebro e cultura
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Trata-se de um conjunto de obras
que começaram a ser pensadas em
1972 e que formam "um anel recorrente: do humano ao natural, e do
natural ao humano", unindo as
ciências exatas e as humanidades.
Pergunta - Como começou a aventura intelectual de "O Método"?
Edgar Morin - A agitação intelectual
de onde emergiu esse conjunto de livros teve seu epicentro durante minha estadia no Instituto Salk de Pesquisas, na Califórnia, em 1969-70.
Para que a idéia desse trabalho me
viesse à cabeça, foi preciso que eu
descobrisse a teoria dos sistemas e
uma série de obras (Von Foerster,
Von Neumann, Wiener, Bateson,
entre outros) que eram -e, em
muitos casos, continuam a ser- ignoradas pelas ciências humanas, filósofos e também cientistas.
Ao assimilar esses conhecimentos,
descobri a complexidade. Concebi a
esta idéia-chave: o que faz a originalidade da matéria viva não é uma diferença de substância, mas de organização: esta, muito mais complexa,
dotada de autonomia, fez emergir as
qualidades próprias à vida.
Concluí que a organização era um
conceito-chave que era preciso
questionar, mas que, ao mesmo
tempo, eu não podia isolar. Pois a
derrocada da concepção exclusivamente determinista do universo me
levava a questionar a relação ordem-desordem-organização. Enfim, refletindo sobre a relação entre espírito e cérebro, concebi a idéia de que o
espírito é não uma superestrutura,
mas a qualidade emergente que nasce da relação entre cérebro e cultura.
Pergunta - Quer dizer então que o
projeto inicial data de 1970?
Morin - Sim. Inspirado no "Espírito
do Vale", [capítulo] do Tao [Te
Tching, de Lao Tzu], queria me tornar o vale para onde confluem todas
essas idéias novas. Desejava que elas
se conjugassem com minha cultura
antiga, histórica, filosófica e literária,
para discernir de que maneira é possível pensar em nossa época. Queria
encontrar os instrumentos que permitissem interligar conhecimentos
dispersos e distintos.
Pergunta - O sr. menciona também
sua "Autocrítica", de 1959, em que
analisa os mecanismos de seu engajamento no Partido Comunista como
pano de fundo de "O Método". Qual a
ligação?
Morin - É uma fonte psicológica
profunda de minha proposta. Em
"Autocrítica", eu procuro discernir
como pude me enganar. Na minha
adolescência, lera Trótski e Boris
Souvarine e conhecia os aspectos negativos da União Soviética. Aderi ao
final de 1941, em plena guerra, num
momento em que, pela primeira vez,
se sentia que havia uma força que
poderia resistir à Alemanha nazista.
Armei-me com argumentos como: "Todas as características negativas da União Soviética vêm do atraso da Rússia czarista, cujo peso ela
carrega". Com o pós-guerra, quando
me dei conta de que argumentos assim eram viciados, um dos problemas que me preocuparam foi: como
evitar o erro e a ilusão?
Pergunta - Como o sr. vê seu percurso hoje?
Morin - No início, muitas idéias podiam parecer insólitas ao leitor, e
corri o risco de ser rejeitado. Hoje,
algumas de minhas idéias já estão difundidas e começam a ser utilizadas.
Mas, como não sou catedrático de
uma cadeira que produza discípulos, minhas idéias se multiplicam à
moda vegetal, por disseminação,
sem que se possa prever onde as sementes vão cair e germinar. No fim
das contas, completei meu anel. Desde o início, "O Método" desenhou
um anel recorrente: do humano ao
natural, e do natural ao humano.
Tradução de Clara Allain.
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