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Miguel Villagran - 27.jan.03/France Presse
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O presidente Lula é recebido em Berlim por Johannes Rau, presidente da Alemanha |
A nova esperança que vem da América do Sul
por Alain Touraine
O caráter maciço da vitória eleitoral do novo presidente reforça consideravelmente sua capacidade de ação; mas também
lhe dá uma força inequívoca no plano internacional. É sobre esse ponto que se
deve insistir hoje, pois nem os brasileiros
nem os observadores estrangeiros, na
minha opinião, têm plena consciência da
extrema importância para o Brasil e para
o mundo do que acaba de acontecer, isto
é, o êxito espetacular da transição democrática que acaba de ocorrer em Brasília.
Vemos por todo o mundo triunfar a
guerra ou aumentarem os riscos de guerra, ressurgirem regimes populistas ou
consolidarem-se regimes autoritários;
também vemos em diversos pontos o
caos dominar, e o futuro até de países
importantes tornar-se incerto.
Dupla vitória
O Brasil é quase o único país onde a democracia obteve uma
vitória que é na verdade uma dupla vitória: vitória das instituições democráticas
e vitória do espírito de transformação social. O resultado dessa transição perfeitamente consumada é que o Brasil aparece
hoje como um lugar de estabilidade e de
progresso social e político em um mundo que parece dominado pelo medo da
guerra, da violência e das crises.
O Brasil torna-se assim, de repente, um
dos elementos mais sólidos do sistema
político internacional, ao mesmo tempo
em que desenvolve sua produção interna, num momento em que o conjunto da
América Latina, assim como o conjunto
da África, mostra fraquezas tão grandes
que podemos temer uma incapacidade
duradoura do continente para resolver
seus problemas internos e externos mais
graves. E o próprio Brasil tem a mais urgente necessidade de utilizar o prestígio e
a influência que acaba de adquirir, pois
sua solidez depende em grande parte do
futuro da Argentina e do papel positivo
que o Brasil pode ter na recuperação desse país ameaçado pelos maiores perigos.
O futuro da Argentina
Lula afirmou que a recuperação da Argentina é
uma prioridade sua. É uma declaração
da maior importância, pois o futuro da
Argentina está muito menos nas mãos
das diversas forças políticas e sociais, que
se desenvolvem em grande desordem,
do que nas intenções a longo prazo dos
grupos financeiros que se apóiam na
longa tradição de internacionalização da
economia argentina -que, de geração
em geração, conduziu esse país a uma
crise que parece insolúvel.
Tanto a Argentina parece escrava das
decisões tomadas pelos centros financeiros externos, quanto o Brasil é um país
amplamente dono de seu futuro, pois
desenvolveu novos ramos de sua economia, os Estados do interior manifestam
um dinamismo econômico considerável
e, enfim e principalmente, repito, o sucesso da transição democrática demonstra a maturidade desse país que depende
de si mesmo em todos os campos, mais
que de potências estrangeiras. Ninguém
espera que o Brasil assuma a frente de
uma coalizão nacionalista ou populista,
mas podemos esperar que ele seja um
exemplo e que também ajude diretamente os países que querem escapar da
desorganização e da queda.
O Brasil se afirma como um dos países mais importantes
do mundo neste início de século
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De volta à realidade
Fomos de tal
modo influenciados por todas as propagandas e as ideologias a serviço da globalização que acabamos perdendo de vista,
em todo o mundo, as realidades mais
elementares, a saber, que o sucesso econômico de um país depende de sua vontade de se gerir, isto é, de levar em consideração todas as dimensões, sociais, culturais e políticas, assim como econômicas, de sua atividade.
O Brasil me parece hoje mais do que
nunca senhor de si mesmo e de sua perspectiva de futuro, e utilizo propositalmente as expressões mais fortes para definir a situação do Brasil, de tal modo
considero indispensável reconhecer a
importância mundial do que acaba de
ocorrer nesse país e como ele pode e deve
representar um exemplo para o conjunto do mundo, o que não deixará de dar
ao Brasil uma influência internacional
que não pôde gozar até hoje, mesmo
quando a mereceu.
Ações de longo prazo
Haverá dias
e meses em que a ação do governo brasileiro deverá ser julgada por determinados atos, mas seria um erro de julgamento não se deter sobre o momento atual da
história do Brasil, pois é quando ele se
afirma incontestavelmente como um
dos países mais importantes do mundo
neste início de século. Podemos lamentar que tenha aumentado tão rapidamente a distância entre o Brasil e a maior
parte dos países do continente, com a exceção do Chile, mas também se deve notar que os atuais sucessos do Brasil são o
resultado de ações de longo prazo, tanto
da criação de um partido moderno, o PT,
quanto do combate ao analfabetismo ou
aos piores aspectos da saúde pública.
É preciso que, em outros países, se renuncie aos discursos simplistas que insistiam nos elementos de fraqueza ou de
crise do Brasil. Esses elementos não desapareceram, mas o que está mais claro
hoje é a capacidade de o Brasil enfrentar
seus problemas, propor soluções, ou seja, antes de tudo acabar com a separação
entre as exigências da economia e as necessidades da sociedade, sobre a qual
tantas vozes nos disseram que era a condição do sucesso, ao passo que só pode
levar à catástrofe. Que meus leitores brasileiros permitam a um estrangeiro salientar, talvez com mais veemência do
que eles mesmos gostariam, a força de
seu país, a confiança que ele merece e as
esperanças que desperta.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de, entre outros, "A Crítica da Modernidade" (ed. Vozes).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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