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Ponto de fuga
O vampiro e o sultão
Reprodução
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À esquerda, "Nu Rosa" (1935), tela de Henri Matisse; à direita, "Nu Deitado" (1942), reconstrução cubista que Pablo Picasso fez da obra |
Jorge Coli
especial para a Folha
Picasso e Matisse, os grandes rivais. Quando os dois
eram vivos, galerias, marchands, críticos, mostras atiçaram a oposição. Matisse, o sereno, o voluptuoso, o hedonista que amava o luxo das cores e a fluência das curvas femininas. Picasso, o inquieto, o insaciável, o brutal,
que pintava a sexualidade como um estupro. Matisse, o
reflexivo, o artesão que construía imagens com lentidão
pensada. Picasso, o inspirado, o possuído que inventava
quadros em transes e acessos. Matisse, o burguês indiferente; Picasso, o militante comunista. São contrastes
verdadeiros, que o paralelismo das duas carreiras exasperou. Havia entre ambas, no entanto, cruzamentos
sub-reptícios, estímulos e emulações, fascínios e cumplicidades. "Tudo o que Matisse e eu fizemos", disse Picasso, "deveria ser posto lado a lado algum dia. Nunca
ninguém olhou a pintura de Matisse melhor do que eu.
E ele a minha". A mais completa exposição sobre esse
duplo percurso foi enfim realizada. Esteve em Londres,
primeiro; encerrou-se há pouco em Paris; abre-se agora, dia 13, em Nova York. É um esplendor. É também a
melhor prova de que, para compreender as artes, nada
substitui a experiência da comparação, que faz ir além
da linguagem, da palavra, do conceito. A mostra revela
formas ou soluções que, de um artista ao outro, se
transferem e se transmutam. Uma obra de Picasso, uma
obra de Matisse e, entre elas, aquilo que é invisível aos
olhos, mas muito claro para o espírito.
Transfusões - "Vi Picasso chegar com uma jovem muito bonita. Ele foi caloroso ao extremo. Prometeu voltar para me contar um monte de coisas. Não voltou. Tinha
visto o que queria: meus recortes de papel, meus novos
quadros (...) Isso vai fermentar no seu espírito, em seu
benefício. Ele não precisa de mais nada." Esta passagem
de Matisse, escrita em 1945, indica o sentido mais profundo contido na célebre afirmação de Picasso: "Eu não
procuro, acho". É uma gênese criadora que não parte
nunca de uma busca interior, nem persegue novas soluções formais. Em vez disso, Picasso capta descobertas
ou sugestões vindas de outros artistas para modificá-las
e, muitas vezes, levá-las a uma direção extrema, inesperada. Não é um desbravador; nele opera-se uma síntese
intuitiva e fulgurante, a partir do observado. Tudo o que
apreende se transforma em Picasso. Vem daí seu incessante retomar de obras produzidas pelos mestres do
passado, como Goya, Velázquez, Ingres ou Delacroix.
Poucos dias depois da morte de Matisse, em 1954, Picasso começou a trabalhar em sua série de variações sobre
as "Mulheres da Argélia", de Delacroix. Era um tema
caro a Matisse, que o retomara nos anos de 1920, com
suas "Odaliscas". "Matisse me deixou suas "Odaliscas"
em herança", disse Picasso.
Frases de Matisse - 1ª) "Encaixem as partes umas nas
outras e construam a figura como um carpinteiro constrói uma casa. Tudo deve ser construído -composto
por partes que formam um todo: uma árvore como um
corpo humano, um corpo humano como uma catedral." 2ª) "Eu poderia me contentar com uma obra feita
no primeiro gesto, mas ela me cansaria logo, e eu prefiro retocá-la para poder reconhecê-la, mais tarde, como
uma representação de meu espírito." 3ª) "Apenas o todo é nosso ideal." 4ª) "Se eu não fizesse o que faço, gostaria de pintar como Picasso."
Frases de Picasso - 1ª) "Todo mundo sabe que uma superfície branca parecerá sempre maior que uma superfície negra de mesma dimensão. É elementar, é mesmo pueril. No entanto, isso não impede os imbecis de quererem deduzir daí, imediatamente, leis e regras gerais,
para virem me explicar a arte de pintar. Para mim, um
quadro nunca é um fim, nem uma conclusão, mas antes
um acaso feliz e uma experiência." 2ª) "Um quadro é
um assunto. Ninguém mais ousa dizer isso." 3ª) "Dou,
arranco, torço e mato; atravesso, incendeio e queimo."
4ª) "Se eu não fizesse o que faço, gostaria de pintar como Matisse."
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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