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A crítica e a causa das desavenças
Giovanna Bartucci
especial para a Folha
Se para alguns críticos o problema
da crítica oriunda da universidade
é o de preferir o modelo "protegido", ao resistir a estudar um momento literário em andamento ou mesmo ao desconsiderar as outras artes e
manifestações culturais que não a literatura, para outros essa configuração constitui-se como o seu próprio material de
reflexão. Assim é com "Crítica Cult", último livro de Eneida Maria de Souza, coletânea que reúne textos escritos na década de 1990, voltados para a reflexão sobre a crítica literária e a sua vinculação à
crítica cultural e à literatura comparada.
Acrescente-se a isso o fato de que, ao se
alinhar à corrente crítica cuja abordagem
valoriza o discurso literário considerado
na sua dimensão histórica e contextual, o
conjunto de textos ora publicado termina por nos oferecer também um panorama dos últimos 25 anos da crítica nacional, em exercício. O diálogo crítico que a
autora trava com autores como Antonio
Candido, Heidrun Olinto, Leyla Perrone-Moisés, Luiz Costa Lima, Roberto
Schwarz, Silviano Santiago, entre outros,
termina por contemplar também a historicização da criação de programas interdisciplinares de pós-graduação em
âmbito nacional, espraiando assim o debate teórico para além do eixo Rio-São
Paulo. Nesse diapasão, as reflexões contidas em "Crítica Cult" iniciam ainda um
diálogo com a crítica literária latino-americana, por meio da discussão de
conceitos que ou são comuns ao imaginário teórico do continente ou se distinguem na sua formulação específica, ao
tomarem como base discrepâncias de
ordem histórica.
De fato, se artigos anteriores da autora
já explicitavam a consideração de que as
fronteiras disciplinares não mais se sustentam em termos absolutos e que "a
defesa de posições radicais só irá comprovar a dificuldade de conviver com os
lugares indefinidos do próprio saber
contemporâneo", "Crítica Cult" explicita a sua crença "na necessidade de considerarmos posições teóricas que funcionem como articuladoras das proposições de análise, como elementos dignos
de operar o distanciamento crítico".
Não-lugar discursivo
É nessa medida que Eneida considera que refletir
acerca das diferentes posições teóricas
que tratam da discussão sobre os estudos
culturais, a crítica comparada e a teoria
literária é uma das formas de historicizar
as questões em jogo e tentar entender a
causa das desavenças.
Com efeito, se hoje o discurso crítico se
nutre dos meios de comunicação de
massa, a autora considera que a elitização cultural não se sustenta diante do
apelo democrático dos discursos, razão
pela qual a literatura deixa de se impor
como texto autônomo e independente.
No entanto, em posição contrária aos
que consideram a literatura a grande ausente do debate crítico contemporâneo,
Eneida entende que à literatura está reservado um "não-lugar discursivo", que
ela interpreta, afinal, como "mobilidade
capaz de promover a abertura da rede interdisciplinar". Valendo-me de suas próprias palavras: "Imagem em movimento
na qual a rede metafórica é produtora de
redes conceituais".
Giovanna Bartucci é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e autora de, entre outros, "Borges - A Realidade da Construção" (Imago).
Crítica Cult
178 págs., R$ 26,00
de Eneida Maria de Souza. Editora UFMG (av. Antonio Carlos, 6627, Belo Horizonte, MG, CEP 31270-901, tel. 0/xx/31/3499-4650).
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