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Como desarmar a crise
CONFLITO ENTRE COLÔMBIA, EQUADOR E VENEZUELA
PODE COLOCAR EM RISCO PROJETO BRASILEIRO
DE INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E O PESO DIPLOMÁTICO DO PAÍS
NO CONTINENTE
FRANCISCO DORATIOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Da complexa situação criada pelo ataque colombiano ao
acampamento da
narcoguerrilha das
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no
Equador há três certezas e
muitas dúvidas quanto ao possível desenrolar dos acontecimentos.
Em primeiro lugar, é ponto
pacífico que a Colômbia, ao
atacar território do Equador
sem prévio acordo de seu governo, violou a soberania nacional desse país.
Ora, a defesa do território é
prioridade máxima de qualquer Estado, o que explica a
reação equatoriana e a condenação do ataque pelos demais
governos sul-americanos.
Condenação motivada pelo
respeito ao direito internacional, mas também por postura
defensiva, para evitar que tal
precedente justifique ações similares no futuro por outros
países.
É também certo que a Resolução 1.373 do Conselho de Segurança da ONU permite ações
contra aqueles que dão guarida
ou financiam o terrorismo,
acusação esta que a Colômbia
faz ao Equador, a partir de documentos que estariam em um
computador apreendido no
acampamento destruído no
ataque.
Contudo, se vários países
classificam as Farc de terroristas, outros, inclusive o Brasil,
rejeitam tal classificação.
Impunidade
A segunda certeza é a de que
as Farc não foram incomodadas pelas autoridades do Equador ao usarem seu território
como refúgio. Essa impunidade
pode resultar quer da impotência do governo do presidente
Rafael Correa para reprimir os
narcoguerrilheiros, quer de
eventual cumplicidade com os
mesmos.
Se a explicação for a impotência, então as autoridades de
Quito estavam cientes da violação de sua soberania nacional
pelas Farc. Não protestaram
nem solicitaram ajuda internacional. Protestam, porém, agora, quando o governo colombiano age contra essa organização no lado equatoriano da
fronteira. A hipótese da cumplicidade é mais grave, pois
constituiria ato de hostilidade
do Equador contra a Colômbia.
A ira de Chávez
A terceira certeza é a de que o
presidente venezuelano Hugo
Chávez não era parte direta dos
acontecimentos, mas reagiu de
forma irada. A reação talvez se
deva a perda de controle emocional ou, então, ao interesse de
acirrar as tensões na região.
Há várias manifestações públicas de Chávez de simpatia
para com as Farc, como a de defender que tenham o status de
exército combatente. Envolver
a Venezuela nessa questão desviaria a opinião pública de seu
país dos crescentes problemas
internos, como o desabastecimento de produtos básicos nos
supermercados.
A operação contra as Farc no
Equador demonstra que o presidente colombiano, Álvaro
Uribe, não recuará da opção de
vencê-las militarmente, já que
no passado elas não demonstraram interesse sincero em
negociar a paz.
A ação militar colombiana
tem sido razoavelmente bem-sucedida, a ponto de as Farc,
em busca de segurança, recuarem em direção às fronteiras do
Equador e da Venezuela.
Esse sucesso -e, agora, o da
eliminação de Raúl Reyes, número dois dessa organização-
fortalece Uribe no plano interno e dá a seu aliado norte-americano a satisfação do sucesso.
Uma guerra entre esses três
países andinos é improvável,
mas não impossível.
Os riscos vêm de três fontes:
o temperamento instável do
presidente Chávez; de soldados
tensos que podem iniciar uma
troca de tiros acidental; ou, ainda, de membros das Farc que,
de maneira provocativa, podem simular uma agressão do
Exército colombiano e atacar
algum povoado venezuelano ou
equatoriano.
À exceção dessas ressalvas, a
quem interessaria a guerra?
O Equador é inferior militarmente à Colômbia; o presidente Uribe não fez o jogo de acirramento de tensões de Chávez
e, diante da mobilização de tropas venezuelanas na fronteira,
respondeu que não faria o mesmo. Finalmente, os militares
venezuelanos apoiariam uma
aventura militar de Chávez
contra a Colômbia?
Dificilmente.
As grandes potências ocidentais, por sua vez, tudo fariam
para evitar uma guerra, considerando-se a importância do
petróleo venezuelano, sobretudo neste momento, em que o
preço do produto dispara no
mercado internacional.
Fronteiriço com Colômbia e
Venezuela e com interesses
geopolíticos na América do Sul,
o Brasil não pode ser espectador em crises na região.
Fronteira amazônica
No plano militar, os acontecimentos demonstram o acerto
da decisão das Forças Armadas
brasileiras, particularmente do
Exército, de aumentar os efetivos na Amazônia.
Indicam ainda a necessidade
de dispor de meios para garantir que eventual conflito não
transborde para nosso território ou que as Farc nele venham
a se refugiar.
A modernização dos meios
de defesa do Brasil custará caro, mas é um gasto que deve ser
encarado como investimento.
No plano diplomático, o Itamaraty terá que exercer sua
histórica habilidade nas relações com as nações vizinhas.
Um conflito armado entre
esses países andinos inviabilizaria por muito tempo o projeto estratégico brasileiro de integração sul-americana. Cabe
ao Brasil utilizar seu peso econômico e diplomático para evitar o acirramento das tensões,
mantendo a eqüidistância das
posições em confronto para ser
um interlocutor confiável para
as partes.
FRANCISCO DORATIOTO é professor de relações internacionais da Universidade Católica de
Brasília e autor de "Maldita Guerra - Nova História da Guerra do Paraguai" (Cia. das Letras).
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