São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Como desarmar a crise

CONFLITO ENTRE COLÔMBIA, EQUADOR E VENEZUELA PODE COLOCAR EM RISCO PROJETO BRASILEIRO DE INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E O PESO DIPLOMÁTICO DO PAÍS NO CONTINENTE

FRANCISCO DORATIOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Da complexa situação criada pelo ataque colombiano ao acampamento da narcoguerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no Equador há três certezas e muitas dúvidas quanto ao possível desenrolar dos acontecimentos.
Em primeiro lugar, é ponto pacífico que a Colômbia, ao atacar território do Equador sem prévio acordo de seu governo, violou a soberania nacional desse país.
Ora, a defesa do território é prioridade máxima de qualquer Estado, o que explica a reação equatoriana e a condenação do ataque pelos demais governos sul-americanos. Condenação motivada pelo respeito ao direito internacional, mas também por postura defensiva, para evitar que tal precedente justifique ações similares no futuro por outros países.
É também certo que a Resolução 1.373 do Conselho de Segurança da ONU permite ações contra aqueles que dão guarida ou financiam o terrorismo, acusação esta que a Colômbia faz ao Equador, a partir de documentos que estariam em um computador apreendido no acampamento destruído no ataque.
Contudo, se vários países classificam as Farc de terroristas, outros, inclusive o Brasil, rejeitam tal classificação.

Impunidade
A segunda certeza é a de que as Farc não foram incomodadas pelas autoridades do Equador ao usarem seu território como refúgio. Essa impunidade pode resultar quer da impotência do governo do presidente Rafael Correa para reprimir os narcoguerrilheiros, quer de eventual cumplicidade com os mesmos.
Se a explicação for a impotência, então as autoridades de Quito estavam cientes da violação de sua soberania nacional pelas Farc. Não protestaram nem solicitaram ajuda internacional. Protestam, porém, agora, quando o governo colombiano age contra essa organização no lado equatoriano da fronteira. A hipótese da cumplicidade é mais grave, pois constituiria ato de hostilidade do Equador contra a Colômbia.

A ira de Chávez
A terceira certeza é a de que o presidente venezuelano Hugo Chávez não era parte direta dos acontecimentos, mas reagiu de forma irada. A reação talvez se deva a perda de controle emocional ou, então, ao interesse de acirrar as tensões na região.
Há várias manifestações públicas de Chávez de simpatia para com as Farc, como a de defender que tenham o status de exército combatente. Envolver a Venezuela nessa questão desviaria a opinião pública de seu país dos crescentes problemas internos, como o desabastecimento de produtos básicos nos supermercados.
A operação contra as Farc no Equador demonstra que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, não recuará da opção de vencê-las militarmente, já que no passado elas não demonstraram interesse sincero em negociar a paz.
A ação militar colombiana tem sido razoavelmente bem-sucedida, a ponto de as Farc, em busca de segurança, recuarem em direção às fronteiras do Equador e da Venezuela.
Esse sucesso -e, agora, o da eliminação de Raúl Reyes, número dois dessa organização- fortalece Uribe no plano interno e dá a seu aliado norte-americano a satisfação do sucesso. Uma guerra entre esses três países andinos é improvável, mas não impossível.
Os riscos vêm de três fontes: o temperamento instável do presidente Chávez; de soldados tensos que podem iniciar uma troca de tiros acidental; ou, ainda, de membros das Farc que, de maneira provocativa, podem simular uma agressão do Exército colombiano e atacar algum povoado venezuelano ou equatoriano.
À exceção dessas ressalvas, a quem interessaria a guerra? O Equador é inferior militarmente à Colômbia; o presidente Uribe não fez o jogo de acirramento de tensões de Chávez e, diante da mobilização de tropas venezuelanas na fronteira, respondeu que não faria o mesmo. Finalmente, os militares venezuelanos apoiariam uma aventura militar de Chávez contra a Colômbia? Dificilmente.
As grandes potências ocidentais, por sua vez, tudo fariam para evitar uma guerra, considerando-se a importância do petróleo venezuelano, sobretudo neste momento, em que o preço do produto dispara no mercado internacional.
Fronteiriço com Colômbia e Venezuela e com interesses geopolíticos na América do Sul, o Brasil não pode ser espectador em crises na região.

Fronteira amazônica
No plano militar, os acontecimentos demonstram o acerto da decisão das Forças Armadas brasileiras, particularmente do Exército, de aumentar os efetivos na Amazônia. Indicam ainda a necessidade de dispor de meios para garantir que eventual conflito não transborde para nosso território ou que as Farc nele venham a se refugiar.
A modernização dos meios de defesa do Brasil custará caro, mas é um gasto que deve ser encarado como investimento. No plano diplomático, o Itamaraty terá que exercer sua histórica habilidade nas relações com as nações vizinhas.
Um conflito armado entre esses países andinos inviabilizaria por muito tempo o projeto estratégico brasileiro de integração sul-americana. Cabe ao Brasil utilizar seu peso econômico e diplomático para evitar o acirramento das tensões, mantendo a eqüidistância das posições em confronto para ser um interlocutor confiável para as partes.


FRANCISCO DORATIOTO é professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília e autor de "Maldita Guerra - Nova História da Guerra do Paraguai" (Cia. das Letras).


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