São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Floresta expiatória

PARA EDITOR DA "ECONOMIST", HUGO CHÁVEZ ENVIOU TROPAS À FRONTEIRA PARA DESVIAR O FOCO DAS TENSÕES INTERNAS DA VENEZUELA

JOÃO PEQUENO
DA REDAÇÃO

Autor de "Forgotten Continent - The Battle for Latin America's Soul" [Continente Esquecido - A Batalha pela Alma da América Latina], lançado pela Yale University Press (leia texto abaixo), o editor da revista "The Economist" para as Américas, Michael Reid, considera que falta ajuda dos países sul-americanos à Colômbia contra as ações de grupos armados envolvidos com o narcotráfico, como as Farc e as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia, grupo paramilitar de direita, opositor das Farc).
Para Reid, que viveu em São Paulo de 1996 a 1999, quando foi correspondente da "Economist" no Brasil, o governo colombiano busca nos EUA o apoio necessário que não recebe dos vizinhos.
Ele não aposta, porém, em um "racha" continental, pois avalia que o Brasil e demais países do continente já reconhecem as Farc como "um problema para a região".
Contrariando seu otimismo, o assessor da Presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia, declarou na terça passada ao jornal francês "Le Figaro" que o Brasil não classifica as Farc como terroristas nem como força beligerante, mantendo uma posição neutra.
Falando à Folha, de Londres, na Inglaterra, onde vive desde 1999, Reid disse ainda que a intervenção de Hugo Chávez no conflito entre Colômbia e Equador pode ser uma forma de desviar a atenção dos problemas nacionais, como a alta de preços e o desabastecimento de produtos.  

FOLHA - Por que o governo equatoriano reagiu à Colômbia, mas não à invasão das Farc no território deles? Há alguma razão ideológica?
MICHAEL REID
- Qualquer governo, se for sujeito a algum ataque como o que se passou, vai protestar. Mas vejo duas coisas. A agressividade retórica de Correa se explica, talvez, por uma atitude, de certa forma, de cumplicidade com a presença das Farc por lá, mas também com o fato de o Equador não ser capaz, há muito tempo, de assegurar sua fronteira ao norte.

FOLHA - Isso também acontece no Brasil, pois as Farc já entraram na Amazônia.
REID
- São fronteiras longas e de acesso difícil. As Farc existem, inclusive, não por haver uma revolução em curso na Colômbia, mas porque controlar um território num país assim é muito difícil para o governo, o que possibilita que grupos como as Farc vivam do narcotráfico e do seqüestro.

FOLHA - O senhor disse que pode haver uma certa atitude cúmplice [do governo equatoriano] com as Farc. Em que medida?
REID
- Acho que a posição do governo de Correa tem sido ambígua. Por um lado, ao contrário do governo da Venezuela, tem cooperado com a Colômbia em matéria de segurança. Mas os documentos do computador de Raúl Reyes, se estiverem certos, indicam um acerto entre ele e as Farc.

FOLHA - Chávez, ao intervir sem que seu país fosse diretamente afetado, estaria querendo impor uma espécie de imperialismo sobre a América do Sul, apoiado nos ganhos com a alta do petróleo?
REID
- Acho que é uma atitude defensiva sua, consciente da deterioração de sua posição política dentro da Venezuela, com perda de popularidade, descontrole econômico. Está, aparentemente, procurando algum conflito externo para distrair a atenção desses problemas. Essa é uma hipótese. Outra é de que há forte presença das Farc no lado venezuelano da fronteira, com acampamentos permanentes e saída de drogas, e ele atuou deste forma [anunciando deslocamento das tropas] para desestimular a Colômbia a fazer ação semelhante na fronteira com a Venezuela.

FOLHA - Nesse caso, Chávez estaria temendo que a Colômbia, a exemplo do que ocorreu no Equador, descobrisse e divulgasse supostos indícios de colaboração entre ele e as Farc?
REID
- Efetivamente. Se uma investigação da OEA (Organização dos Estados Americanos) periciar o computador de Raúl Reyes e comprovar o que dizem as autoridades colombianas -que Chávez estaria financiando diretamente as Farc-, significaria que pode haver outras ações conjuntas. Mas é importante não prejulgar.

FOLHA - A intermediação no resgate dos reféns, com transmissão pela Telesur [emissora de TV criada pelo governo venezuelano], já não pareceu uma colaboração das Farc em favor de Chávez?
REID
- Acho que as Farc liberaram os reféns como desagravo a Chávez por ele ter caído em ridículo na questão do menino [Emmanuel, que ele incluíra entre os que seriam libertados, mas se descobriu que já não estava mais em poder da guerrilha]. Elas teriam interesse em fazer Chávez aparecer como elemento-chave.

FOLHA - A posição brasileira, pedindo a intervenção da OEA, mas, ao mesmo tempo, condenando a Colômbia sem se pronunciar sobre as Farc também pode ser classificada como ambígua?
REID
- Acho que a estratégia do Brasil tem sido tentar separar o Equador da Venezuela, apesar de entender que Correa e Chávez têm uma posição em comum. É evidente que a Colômbia cometeu uma violação técnica da soberania do Equador, mas, por outro lado, Chávez não tem nada a ver com isso. Acho útil o fato de que o Brasil e outros países na América do Sul reconhecerem que as Farc são um problema para a Colômbia e para a região e que as ações do Chávez foram bastante agressivas. Mas o estilo do governo brasileiro é dizer essas coisas em âmbito privado, porque acha que tem mais efeito.

FOLHA - As atitudes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem ser afetadas pelo fato de o Partido dos Trabalhadores ter fundado o Foro de São Paulo [organização que agrupa partidos e movimentos de esquerda da América Latina], juntamente, aliás, com as Farc?
REID
- Não acho que o fato do PT ter tido no passado vínculo com as Farc seja um fator relevante hoje.

FOLHA - O Foro se reuniu em 2005, com Lula discursando; é um passado bem recente, não?
REID
- Sim, mas Lula é o presidente do Brasil neste momento, não mais um militante do Partido dos Trabalhadores, não atua nisso.

FOLHA - Quanto à reação do presidente dos EUA, George W. Bush, em favor da Colômbia, apenas segue as posições americanas de costume ou traz algo que surpreenda?
REID
- Olha, a Colômbia é uma democracia, que tem sofrido por muitos anos a agressão de grupos armados ilegais, financiados pelo crime organizado.
Acho que tem havido pouca compreensão sobre isso na América do Sul. Por esse motivo, os governos que são eleitos têm procurando ajuda militar nos EUA, para se contrapor ao financiamento que os consumidores de cocaína dos EUA e do mundo vêm dando às Farc e aos paramilitares [AUC].


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