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Floresta expiatória
PARA EDITOR DA "ECONOMIST", HUGO CHÁVEZ ENVIOU TROPAS
À FRONTEIRA PARA DESVIAR O FOCO DAS TENSÕES
INTERNAS DA VENEZUELA
JOÃO PEQUENO
DA REDAÇÃO
Autor de "Forgotten
Continent - The
Battle for Latin
America's Soul"
[Continente Esquecido - A Batalha pela Alma da
América Latina], lançado pela
Yale University Press (leia texto abaixo), o editor da revista
"The Economist" para as Américas, Michael Reid, considera
que falta ajuda dos países sul-americanos à Colômbia contra
as ações de grupos armados envolvidos com o narcotráfico,
como as Farc e as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia,
grupo paramilitar de direita,
opositor das Farc).
Para Reid, que viveu em São
Paulo de 1996 a 1999, quando
foi correspondente da "Economist" no Brasil, o governo colombiano busca nos EUA o
apoio necessário que não recebe dos vizinhos.
Ele não aposta, porém, em
um "racha" continental, pois
avalia que o Brasil e demais
países do continente já reconhecem as Farc como "um problema para a região".
Contrariando seu otimismo,
o assessor da Presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia,
declarou na terça passada ao
jornal francês "Le Figaro" que
o Brasil não classifica as Farc
como terroristas nem como
força beligerante, mantendo
uma posição neutra.
Falando à Folha, de Londres, na Inglaterra, onde vive
desde 1999, Reid disse ainda
que a intervenção de Hugo
Chávez no conflito entre Colômbia e Equador pode ser
uma forma de desviar a atenção dos problemas nacionais,
como a alta de preços e o desabastecimento de produtos.
FOLHA - Por que o governo equatoriano reagiu à Colômbia, mas não à
invasão das Farc no território deles?
Há alguma razão ideológica?
MICHAEL REID - Qualquer governo, se for sujeito a algum ataque como o que se passou, vai
protestar. Mas vejo duas coisas.
A agressividade retórica de
Correa se explica, talvez, por
uma atitude, de certa forma, de
cumplicidade com a presença
das Farc por lá, mas também
com o fato de o Equador não ser
capaz, há muito tempo, de assegurar sua fronteira ao norte.
FOLHA - Isso também acontece no
Brasil, pois as Farc já entraram na
Amazônia.
REID - São fronteiras longas e
de acesso difícil. As Farc existem, inclusive, não por haver
uma revolução em curso na Colômbia, mas porque controlar
um território num país assim é
muito difícil para o governo, o
que possibilita que grupos como as Farc vivam do narcotráfico e do seqüestro.
FOLHA - O senhor disse que pode
haver uma certa atitude cúmplice
[do governo equatoriano] com as
Farc. Em que medida?
REID - Acho que a posição do
governo de Correa tem sido
ambígua. Por um lado, ao contrário do governo da Venezuela, tem cooperado com a Colômbia em matéria de segurança. Mas os documentos do
computador de Raúl Reyes, se
estiverem certos, indicam um
acerto entre ele e as Farc.
FOLHA - Chávez, ao intervir sem
que seu país fosse diretamente afetado, estaria querendo impor uma
espécie de imperialismo sobre a
América do Sul, apoiado nos ganhos
com a alta do petróleo?
REID - Acho que é uma atitude
defensiva sua, consciente da
deterioração de sua posição política dentro da Venezuela, com
perda de popularidade, descontrole econômico. Está, aparentemente, procurando algum
conflito externo para distrair a
atenção desses problemas.
Essa é uma hipótese. Outra é
de que há forte presença das
Farc no lado venezuelano da
fronteira, com acampamentos
permanentes e saída de drogas,
e ele atuou deste forma [anunciando deslocamento das tropas] para desestimular a Colômbia a fazer ação semelhante
na fronteira com a Venezuela.
FOLHA - Nesse caso, Chávez estaria
temendo que a Colômbia, a exemplo do que ocorreu no Equador, descobrisse e divulgasse supostos indícios de colaboração entre ele e as
Farc?
REID - Efetivamente. Se uma
investigação da OEA (Organização dos Estados Americanos)
periciar o computador de Raúl
Reyes e comprovar o que dizem
as autoridades colombianas
-que Chávez estaria financiando diretamente as Farc-,
significaria que pode haver outras ações conjuntas. Mas é importante não prejulgar.
FOLHA - A intermediação no resgate dos reféns, com transmissão pela
Telesur [emissora de TV criada pelo
governo venezuelano], já não pareceu uma colaboração das Farc em
favor de Chávez?
REID - Acho que as Farc liberaram os reféns como desagravo
a Chávez por ele ter caído em
ridículo na questão do menino
[Emmanuel, que ele incluíra
entre os que seriam libertados,
mas se descobriu que já não estava mais em poder da guerrilha]. Elas teriam interesse em
fazer Chávez aparecer como
elemento-chave.
FOLHA - A posição brasileira, pedindo a intervenção da OEA, mas, ao
mesmo tempo, condenando a Colômbia sem se pronunciar sobre as
Farc também pode ser classificada
como ambígua?
REID - Acho que a estratégia do
Brasil tem sido tentar separar o
Equador da Venezuela, apesar
de entender que Correa e Chávez têm uma posição em comum. É evidente que a Colômbia cometeu uma violação técnica da soberania do Equador,
mas, por outro lado, Chávez
não tem nada a ver com isso.
Acho útil o fato de que o Brasil e outros países na América
do Sul reconhecerem que as
Farc são um problema para a
Colômbia e para a região e que
as ações do Chávez foram bastante agressivas.
Mas o estilo do governo brasileiro é dizer essas coisas em
âmbito privado, porque acha
que tem mais efeito.
FOLHA - As atitudes do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva podem ser
afetadas pelo fato de o Partido dos
Trabalhadores ter fundado o Foro de
São Paulo [organização que agrupa
partidos e movimentos de esquerda
da América Latina], juntamente,
aliás, com as Farc?
REID - Não acho que o fato do
PT ter tido no passado vínculo
com as Farc seja um fator relevante hoje.
FOLHA - O Foro se reuniu em 2005,
com Lula discursando; é um passado
bem recente, não?
REID - Sim, mas Lula é o presidente do Brasil neste momento, não mais um militante do
Partido dos Trabalhadores, não
atua nisso.
FOLHA - Quanto à reação do presidente dos EUA, George W. Bush, em
favor da Colômbia, apenas segue as
posições americanas de costume ou
traz algo que surpreenda?
REID - Olha, a Colômbia é uma
democracia, que tem sofrido
por muitos anos a agressão de
grupos armados ilegais, financiados pelo crime organizado.
Acho que tem havido pouca
compreensão sobre isso na
América do Sul. Por esse motivo, os governos que são eleitos
têm procurando ajuda militar
nos EUA, para se contrapor ao
financiamento que os consumidores de cocaína dos EUA e
do mundo vêm dando às Farc e
aos paramilitares [AUC].
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