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+ música
Um mundo sem maravilhas
Relação de
Louis Armstrong
com a pobreza
e a segregação
em Nova Orleans
é tema de
livro nos EUA
MIKE HOBART
O enorme papel de
Louis Armstrong
na evolução do
jazz talvez seja incontestável; no entanto há uma dúvida incômoda. Haveria realmente um gênio transcendental por trás de
seu dúbio revirar de olhos, tendo por pano de fundo o Carnaval de Nova Orleans?
O acadêmico Thomas Brothers reuniu, em "Louis Armstrong's New Orleans" ["A Nova
Orleans de Louis Armstrong",
Norton, 386 págs., 17,99 libras,
R$ 72], uma riqueza de detalhes históricos para explicar
como surgiu o gênio.
Quaisquer imagens românticas que restavam da Nova Orleans do início do século 20 logo são afastadas por depoimentos sobre os desfiles de rua, que
percorriam "caminhos de lama
pútrida, cheia de esgoto". A cidade crepitava com tensões sociais -em certo momento, ela
foi dividida em campos étnicos.
Armstrong cresceu em um
bairro operário duro, onde
grassava a prostituição. Quando criança, vagava pelas ruas,
onde cantava por trocados.
Parte de seu aprendizado foi
tocando nas bandas ambulantes que surgiam em quase qualquer ocasião, de enterros a
anúncios de novas lojas.
Alguns músicos detestavam
tocar nessas bandas, temendo a
violência dos passantes e as
doenças nas ruas pútridas.
Armstrong, porém, adorava a
liberdade de movimento das
paradas, que o levavam a partes
da cidade normalmente proibidas aos afro-americanos.
Ele também se dedicou a dominar a improvisação e a harmonia européia, técnicas que
eram protegidas pelos músicos
de pele mais clara.
Brothers destrincha brilhantemente as hierarquias de classe e cor com que Armstrong teve de lidar para alcançar êxito
como músico. Armstrong foi
incomumente fiel aos valores
culturais de sua origem na periferia, mas seu gênio foi apropriar-se das técnicas de diversas tradições musicais.
Dez anos após deixar Nova
Orleans, ele se apresentou para
o rei da Inglaterra, anunciando
de modo genial: "Esta é para o
senhor, Rex". Rex era o nome
dado ao rei branco no Carnaval
de Nova Orleans, alvo de zombaria dos participantes do Carnaval negro. É improvável que
sua platéia real tivesse consciência do claro insulto racial
contido nessas palavras.
Do contrário, talvez o rei não
tivesse achado tão divertido o
título da canção: "I'll Be Glad
You're Dead You Rascal You"
[Ficarei Feliz Quando Você
Morrer, Seu Bandido].
MIKE HOBART é crítico de jazz do "Financial
Times", jornal em que este texto foi publicado.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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