São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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"A igualdade racial tem que ser igualdade cultural", defende o filósofo Marcelo Dascal

DA REDAÇÃO

É preciso realizar projetos em benefício das minorias desfavorecidas, sem o qual não há igualdade real; contudo as propostas atuais são equivocadas, diz o professor de filosofia na Universidade de Tel Aviv (Israel) Marcelo Dascal, que deixou o Brasil em 1964.
Para ele, é preciso separar a questão, dando mais autonomia às universidades e melhorando a qualidade de ensino médio, no aspecto educacional; e trocando o apoio às raças pelo incentivo às culturas das minorias. (DB).

 

FOLHA - Qual é sua opinião sobre os projetos de lei sobre cotas discutidos no Brasil?
MARCELO DASCAL -
Acho que a resposta às duas posições tem que ser diferenciada, porque ambas se colocam como as únicas existentes. Se analisamos os argumentos contra e a favor da aprovação, começo a pensar em alternativas.

FOLHA - Que alternativa o sr. acha que seria ideal?
DASCAL -
A discriminação positiva já foi adotada em várias universidades do mundo, mas os resultados não foram tão claros. Há universidades que vêm fazendo isso por iniciativa própria, percebendo que, em sua área de atuação, podem ajudar a resolver determinados problemas. Está aí uma proposta alternativa. Acho ridículo o Congresso Nacional fazer uma média geral do problema com porcentagens que variam de lugar para lugar. É um centralismo quase ditatorial, que não tem sentido e nega autonomia às universidades. O que a lei tem que fazer é, no máximo, chamar a atenção das universidades para o problema e incentivar políticas, no plural, que venham ajudar a resolver. A igualdade de direitos tem que levar em conta as diferenças sociais. A base da democracia é a igualdade de oportunidades: se não se ensina uma criança pobre a ler, ela não vai ter oportunidades iguais. Então, a sociedade tem que intervir para tornar a igualdade real; mas tem que intervir de forma correta, igualando as oportunidades.

FOLHA - Como funciona a experiência de cotas em Israel?
DASCAL -
A experiência que dá certo aqui é a da reserva de um pequeno número de vagas em faculdades mais disputadas, como a de direito, para pessoas desfavorecidas, provenientes de minorias ou de regiões socioeconômicas desfavorecidas. Essa reserva significa diminuir as exigências do exame psicométrico -equivalente ao vestibular. Normalmente, não entrariam em direito alunos que tivessem notas nessa prova abaixo de 700 pontos, de um total de 800. Determinamos que esses alunos desfavorecidos podem ser aprovados com resultados em torno de 650 pontos. Não fizemos uma simples cota por cor da pele. Pode-se pensar também que a opção não é criar cotas, mas aplicar dinheiro na melhora do ensino secundário.

FOLHA - E quanto ao estatuto de igualdade racial?
DASCAL -
Quando falamos de raça, há uma confusão conceitual muito perigosa. Na discussão não se fala em cultura, só em raça, identidade racial. Dizer que esse tipo de ação afirmativa é um prêmio à identidade negra é diferente de defender a cultura negra. A alternativa que proponho é favorecer o desenvolvimento da cultura, preservando costumes, línguas. A igualdade racial tem que ser igualdade cultural, o reconhecimento de que há várias culturas no Brasil, e não uma maior ou melhor que outra. E isso implica um projeto mais informal que um estatuto da igualdade. Deve haver atos que preservem a diferença cultural.

FOLHA - Qual a importância dos manifestos para a decisão sobre a aprovação ou não desses projetos?
DASCAL -
A participação dos intelectuais é fundamental. Os intelectuais das universidades vivem do dinheiro público, e sua função é ajudar o público. As questões sérias são muito complicadas, com muitos prós e contras, e as pessoas precisam pesar as razões. O papel do intelectual é justamente fazer isso.


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