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"A igualdade racial tem que ser igualdade cultural", defende
o filósofo Marcelo Dascal
DA REDAÇÃO
É preciso realizar projetos em benefício
das minorias desfavorecidas, sem o qual
não há igualdade
real; contudo as propostas
atuais são equivocadas, diz o
professor de filosofia na Universidade de Tel Aviv (Israel)
Marcelo Dascal, que deixou o
Brasil em 1964.
Para ele, é preciso separar a
questão, dando mais autonomia às universidades e melhorando a qualidade de ensino
médio, no aspecto educacional; e trocando o apoio às raças pelo incentivo às culturas
das minorias. (DB).
FOLHA - Qual é sua opinião sobre
os projetos de lei sobre cotas discutidos no Brasil?
MARCELO DASCAL - Acho que a
resposta às duas posições tem
que ser diferenciada, porque
ambas se colocam como as
únicas existentes. Se analisamos os argumentos contra e a
favor da aprovação, começo a
pensar em alternativas.
FOLHA - Que alternativa o sr. acha
que seria ideal?
DASCAL - A discriminação positiva já foi adotada em várias
universidades do mundo, mas
os resultados não foram tão
claros. Há universidades que
vêm fazendo isso por iniciativa própria, percebendo que,
em sua área de atuação, podem ajudar a resolver determinados problemas. Está aí
uma proposta alternativa.
Acho ridículo o Congresso
Nacional fazer uma média geral do problema com porcentagens que variam de lugar para lugar. É um centralismo
quase ditatorial, que não tem
sentido e nega autonomia às
universidades. O que a lei tem
que fazer é, no máximo, chamar a atenção das universidades para o problema e incentivar políticas, no plural, que venham ajudar a resolver.
A igualdade de direitos tem
que levar em conta as diferenças sociais. A base da democracia é a igualdade de oportunidades: se não se ensina uma
criança pobre a ler, ela não vai
ter oportunidades iguais.
Então, a sociedade tem que
intervir para tornar a igualdade real; mas tem que intervir
de forma correta, igualando as
oportunidades.
FOLHA - Como funciona a experiência de cotas em Israel?
DASCAL - A experiência que dá
certo aqui é a da reserva de um
pequeno número de vagas em
faculdades mais disputadas,
como a de direito, para pessoas desfavorecidas, provenientes de minorias ou de regiões socioeconômicas desfavorecidas.
Essa reserva significa diminuir as exigências do exame
psicométrico -equivalente ao
vestibular. Normalmente, não
entrariam em direito alunos
que tivessem notas nessa prova abaixo de 700 pontos, de
um total de 800.
Determinamos que esses
alunos desfavorecidos podem
ser aprovados com resultados
em torno de 650 pontos. Não
fizemos uma simples cota por
cor da pele.
Pode-se pensar também
que a opção não é criar cotas,
mas aplicar dinheiro na melhora do ensino secundário.
FOLHA - E quanto ao estatuto de
igualdade racial?
DASCAL - Quando falamos de
raça, há uma confusão conceitual muito perigosa. Na discussão não se fala em cultura,
só em raça, identidade racial.
Dizer que esse tipo de ação
afirmativa é um prêmio à
identidade negra é diferente
de defender a cultura negra.
A alternativa que proponho
é favorecer o desenvolvimento da cultura, preservando
costumes, línguas. A igualdade racial tem que ser igualdade cultural, o reconhecimento
de que há várias culturas no
Brasil, e não uma maior ou
melhor que outra. E isso implica um projeto mais informal que um estatuto da igualdade. Deve haver atos que preservem a diferença cultural.
FOLHA - Qual a importância dos
manifestos para a decisão sobre a
aprovação ou não desses projetos?
DASCAL - A participação dos
intelectuais é fundamental.
Os intelectuais das universidades vivem do dinheiro público, e sua função é ajudar o
público. As questões sérias são
muito complicadas, com muitos prós e contras, e as pessoas
precisam pesar as razões. O
papel do intelectual é justamente fazer isso.
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