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LIVROS
Um comuna nos EUA
Em "Minha Descoberta da América", o poeta russo Maiakóvski faz uma crônica cultural da viagem que realizou à América Central e do Norte em 1925
PAULO BEZERRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1925, Maiakóvski
empreende uma viagem aos EUA, passando por seis países, mas
detendo seu registro
em Cuba, México e nos próprios EUA, o que resultará em
"Minha Descoberta da América", que a editora Martins Fontes traz ao público brasileiro
em tradução direta do russo.
No início do livro o poeta define sua missão: registrar "coisas em si mesmas interessantes" em vez de "interesses fictícios por coisas, imagens e metáforas enfadonhas", isto é, sair
do campo das abstrações poéticas para o campo da observação prática e imediata da vida.
Disso resulta uma prosa quase fotográfica, que mescla o ritmo da própria poesia maiakovskiana com o realismo cru
do registro. Com essa poética
do flash, ele descreve o navio
povoado por uma mescla dos
tipos humanos mais diversos,
párias de toda espécie.
Russos vagando pelo mundo
à procura de emprego, turcos
que só falam inglês, representantes de empresas francesas
com passaportes paraguaios e
argentinos, esses "colonizadores contemporâneos" que dividem o navio em classes, com a
primeira vomitando na segunda, a segunda na terceira e esta
em si mesma: cruza tudo isso
com a história da exploração
dos índios e negros norte-americanos por toda espécie de
aventureiros.
Em Havana, o olho clínico do
"poeta da revolução" capta no
ar os contrastes e desigualdades como símbolo do domínio
dos EUA sobre as "três Américas", a presença de engraxates,
vendedores de bilhetes de loteria, índios descalços, em suma,
extratos sociais característicos
de país atrasado, mas, por trás
disso, a bandeira vermelha com
a foice e o martelo, ecos da Revolução Russa.
Técnica e dólar
No México, sua crônica mostra que tudo é instável: a moeda
é tão desacreditada que todos
carregam dinheiro em sacos.
Em 30 anos, 37 presidentes, e
destes, 30 generais, em cada
nova posse o Colt fala antes do
empossado. Domina o primitivismo no uso do revólver: atira-se em toda parte, no trânsito,
nos salões, nas tavernas, mata-se gente como se matam moscas, usa-se o Colt até como saca-rolhas.
As touradas chocam o poeta
com a violência nefasta contra
os animais e o gosto primitivo
do público, e ele lamenta não
poder pôr metralhadoras nos
chifres do touro e ensiná-lo a
atirar contra aquela multidão,
que mereceria estar no lugar do
touro. Mas o México não é só
violência, politicagem e corrupção: também tem arte, tem
Diego Rivera, que o põe em
contato com a riquíssima cultura do país, com seus museus e
história, compensando a má
impressão inicial.
O relato da passagem pelos
EUA é uma crônica político-cultural à altura da pena de um
grande prosador. Maiakóvski
vê, com um misto de fascínio,
temor e ironia, o febril e caótico
progresso americano.
A indústria da aviação começa a decolar, o fordismo está em
plena efervescência com sua filosofia social de aliciamento da
classe trabalhadora.
Dois novos deuses são alvos
de culto amplo e irrestrito e se
impõem como padrão de um
novo tipo de civilização: o deus-técnica e o deus-dólar.
Há um uso exagerado da eletricidade, Nova York é um
oceano de luzes e brilho, a energia alimenta a imensa roda da
indústria, das ferrovias, o metrô é o centro nevrálgico de um
vaivém alucinante, o frenesi da
construção civil põe tudo abaixo: prédios de dez andares dão
lugar a outros de 20, estes a outros de 30, estes a outros de 40,
tudo parece provisório.
Em meio a isso, três tipos de
psicose coletiva: do automóvel,
do dólar e do beisebol. Há mais
carros que gente.
Guetos e exaustão
Mas, em meio a todo esse
progresso, o olho clínico registra os contrastes socioculturais: os guetos de negros, russos, judeus e outros emigrantes, a luta de classes, o racismo,
os crimes impunes da Ku Klux
Klan, acidentes de trabalho e
mortes de operários por exaustão que a imprensa não registra, a corrupção da imprensa e
da Justiça etc.
O poeta esboça um quadro
social e psicológico de Chicago.
A cidade é o segundo centro
do dinheiro e do poder, é a sede
de grandes trustes da indústria
alimentícia como Armor, Swift,
Wilson, que precisa de carne, o
que faz dela um imenso matadouro. Morando ali, o indivíduo vira vegetariano ou sai matando gente com a mesma tranqüilidade com que se mata gado. E Maiakóvski associa a esse
clima de matadouro o alto índice de criminalidade que Chicago ostenta.
O clima cultural também envolve o poeta. A Broadway o
fascina, mas isso não o impede
de ver as artes como mero
adorno, desprovido de critério
ou função estética, e registrar a
breguice do novo-rico, uma estética do mau gosto e do grosseiro e um moralismo meio
idiota.
Ao término da leitura, ficamos impressionados com a extraordinária crônica daquilo
que seriam os Estados Unidos
de hoje. E tudo registrado com
o pulsar vibrante da escrita de
Maiakóvski.
PAULO BEZERRA é professor aposentado da
Universidade Federal Fluminense.
MINHA DESCOBERTA DA AMÉRICA
Autor: Vladímir Maiakóvski
Tradução: Graziela Schneider
Editora: Martins Fontes (tel. 0/xx/
11/ 3116-0000)
Quanto: R$ 27 (120 págs.)
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