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LIVROS
Janela para o eldorado
Com "A Breve e Maravilhosa Vida de Oscar Wao", Junot Díaz se firma como uma das principais vozes da nova ficção dos EUA
MICHIKO KAKUTANI
Brief Wondrous Life
of Oscar Wao" [A
Breve e Maravilhosa
Vida de Oscar Wao,
Riverhead Books,
340 págs., US$ 24,95, R$ 49],
de Junot Díaz, é um maravilhoso e não tão breve primeiro romance que é tão original que só
pode ser descrito como uma
mistura de Mario Vargas Llosa
com "Star Trek" com David
Foster Wallace.
É engraçado, inteligente e de
aguda observação. Parte de um
retrato cômico de um dominicano de segunda geração nos
EUA para se tornar uma perturbadora meditação sobre a
história pública e privada e os
fardos da história familiar.
Um livro extraordinariamente vibrante, alimentado
por uma prosa movida a adrenalina, é conduzido com segurança por várias décadas de
história, por uma voz impulsiva e estridente que fica igualmente à vontade falando de
Tolkien e de Trujillo, de filmes
animados e antigas bruxarias
dominicanas, de loucuras sexuais na Universidade Rutgers
e batidas da polícia secreta em
Santo Domingo.
Díaz, autor de uma coletânea
de contos aclamada pela crítica
("Drown", de 1996, publicada
no Brasil pela Record), escreve
numa espécie de "spanglish" de
rua que até o leitor mais monoglota consegue absorver com
facilidade: muitas palavras
ágeis e conversa moderna,
muita linguagem corporal nas
frases, muitas notas de rodapé
e comentários.
E ele evoca com um domínio
aparentemente sem esforço os
dois mundos que seus personagens habitam: a República Dominicana, a pátria acossada por
fantasmas, que molda seus pesadelos e seus sonhos; e a América (isto é, Nova Jersey), a terra da liberdade e da esperança e
de possibilidades não tão brilhantes para a qual eles fugiram, como parte da grande
diáspora dominicana.
Oscar, o herói simplório de
Díaz, é um gordo e autodepreciativo pau-mandado e aspirante a escritor de ficção científica, que sonha em se tornar
"o Tolkien dominicano".
Ele anda atrás de garotas que
não lhe dão bola e entra e sai da
faculdade casto e triste. Carregava "sua estranheza como um
jedi carrega seu sabre de luz";
ele "não poderia passar por
normal nem que quisesse".
Menos comida
Dois dos narradores, a bela
irmã de Oscar, Lola, e Yunior, o
colega de quarto de Oscar na faculdade e ex-namorado de Lola, fazem o possível para ajudá-lo a entrar em forma.
Aconselham-no a comer menos e exercitar-se mais, a deixar seu quarto no dormitório e
aventurar-se pelo mundo.
No devido tempo, também
ouvimos a história da mãe de
Oscar e Lola, Beli, uma mulher
forte, que fala firme, cuja dura
filosofia de vida tem raízes numa infância de dor e perda quase inimagináveis: seu pai rico
foi preso e torturado pelos capangas do ditador dominicano
Rafael Trujillo [1891-1961].
Sua mãe foi atropelada por
um caminhão depois da prisão
do marido; suas duas irmãs
morreram em acidentes terríveis e suspeitos.
A órfã Beli foi violentada e espancada antes de ser salva pelo
bondoso primo de seu pai, e na
adolescência teve um caso desastroso com um homem carismático e perigoso conhecido
como Gângster -um dos homens de Trujillo, que também é
casado com a irmã do ditador.
Surra no canavial
O caso culmina numa surra
selvagem nos canaviais, que
quase acaba com a vida de Beli e
a impulsiona para uma nova vida, no exílio nos EUA.
Díaz escreve sobre a era de
Trujillo na República Dominicana com a mesma autoridade
com que escreve sobre a Nova
Jersey contemporânea.
A energia cinética e cheia de
gíria de sua prosa mostra-se um
instrumento de notável eficácia para captar os absurdos da
condição humana -sejam os
verdadeiros horrores de viver
em uma ditadura que pode apagar uma pessoa ou uma família
ou as dificuldades autocomplacentes de ser um aluno de faculdade com problemas de peso e auto-estima.
A realização de Díaz nesta
novela eletrizante é ter criado
ao mesmo tempo uma grande
janela que se abre para as dores
da história dominicana e uma
janela pequena e íntima que revela a vida e os amores de uma
família. Nisso, escreveu um livro que decididamente o define
como uma das novas vozes
mais claras e irresistíveis da ficção contemporânea.
A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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