São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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LIVROS

Janela para o eldorado

Com "A Breve e Maravilhosa Vida de Oscar Wao", Junot Díaz se firma como uma das principais vozes da nova ficção dos EUA

MICHIKO KAKUTANI

Brief Wondrous Life of Oscar Wao" [A Breve e Maravilhosa Vida de Oscar Wao, Riverhead Books, 340 págs., US$ 24,95, R$ 49], de Junot Díaz, é um maravilhoso e não tão breve primeiro romance que é tão original que só pode ser descrito como uma mistura de Mario Vargas Llosa com "Star Trek" com David Foster Wallace.
É engraçado, inteligente e de aguda observação. Parte de um retrato cômico de um dominicano de segunda geração nos EUA para se tornar uma perturbadora meditação sobre a história pública e privada e os fardos da história familiar.
Um livro extraordinariamente vibrante, alimentado por uma prosa movida a adrenalina, é conduzido com segurança por várias décadas de história, por uma voz impulsiva e estridente que fica igualmente à vontade falando de Tolkien e de Trujillo, de filmes animados e antigas bruxarias dominicanas, de loucuras sexuais na Universidade Rutgers e batidas da polícia secreta em Santo Domingo.
Díaz, autor de uma coletânea de contos aclamada pela crítica ("Drown", de 1996, publicada no Brasil pela Record), escreve numa espécie de "spanglish" de rua que até o leitor mais monoglota consegue absorver com facilidade: muitas palavras ágeis e conversa moderna, muita linguagem corporal nas frases, muitas notas de rodapé e comentários.
E ele evoca com um domínio aparentemente sem esforço os dois mundos que seus personagens habitam: a República Dominicana, a pátria acossada por fantasmas, que molda seus pesadelos e seus sonhos; e a América (isto é, Nova Jersey), a terra da liberdade e da esperança e de possibilidades não tão brilhantes para a qual eles fugiram, como parte da grande diáspora dominicana.
Oscar, o herói simplório de Díaz, é um gordo e autodepreciativo pau-mandado e aspirante a escritor de ficção científica, que sonha em se tornar "o Tolkien dominicano".
Ele anda atrás de garotas que não lhe dão bola e entra e sai da faculdade casto e triste. Carregava "sua estranheza como um jedi carrega seu sabre de luz"; ele "não poderia passar por normal nem que quisesse".

Menos comida
Dois dos narradores, a bela irmã de Oscar, Lola, e Yunior, o colega de quarto de Oscar na faculdade e ex-namorado de Lola, fazem o possível para ajudá-lo a entrar em forma.
Aconselham-no a comer menos e exercitar-se mais, a deixar seu quarto no dormitório e aventurar-se pelo mundo.
No devido tempo, também ouvimos a história da mãe de Oscar e Lola, Beli, uma mulher forte, que fala firme, cuja dura filosofia de vida tem raízes numa infância de dor e perda quase inimagináveis: seu pai rico foi preso e torturado pelos capangas do ditador dominicano Rafael Trujillo [1891-1961].
Sua mãe foi atropelada por um caminhão depois da prisão do marido; suas duas irmãs morreram em acidentes terríveis e suspeitos.
A órfã Beli foi violentada e espancada antes de ser salva pelo bondoso primo de seu pai, e na adolescência teve um caso desastroso com um homem carismático e perigoso conhecido como Gângster -um dos homens de Trujillo, que também é casado com a irmã do ditador.

Surra no canavial
O caso culmina numa surra selvagem nos canaviais, que quase acaba com a vida de Beli e a impulsiona para uma nova vida, no exílio nos EUA.
Díaz escreve sobre a era de Trujillo na República Dominicana com a mesma autoridade com que escreve sobre a Nova Jersey contemporânea.
A energia cinética e cheia de gíria de sua prosa mostra-se um instrumento de notável eficácia para captar os absurdos da condição humana -sejam os verdadeiros horrores de viver em uma ditadura que pode apagar uma pessoa ou uma família ou as dificuldades autocomplacentes de ser um aluno de faculdade com problemas de peso e auto-estima.
A realização de Díaz nesta novela eletrizante é ter criado ao mesmo tempo uma grande janela que se abre para as dores da história dominicana e uma janela pequena e íntima que revela a vida e os amores de uma família. Nisso, escreveu um livro que decididamente o define como uma das novas vozes mais claras e irresistíveis da ficção contemporânea.


A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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