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O ÚLTIMO
MESSIAS
VISTO COMO CAPITÃO DE BOMBEIROS GLOBAL,
OBAMA TERÁ QUE PROVAR SE SEU CARISMA
PODE RESISTIR À DESACELERAÇÃO ECONÔMICA
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ROBERT KURZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há um velho debate
acerca do papel da
personalidade na
história. Os teóricos da estrutura
apontam para os processos sociais objetivos; não resta senão
às grandes figuras tornarem-se
sua expressão.
Os teóricos da ação dizem
contra isso: no início era a ação.
Crença e vontade podem mover montanhas.
Ambos só estão parcialmente corretos. Desenvolvimentos
sociais não se realizam em si
mesmos; eles necessitam da
ação interventora.
Por outro lado, a ação relaciona-se a condições estruturais preexistentes enquanto
subjazer na sociedade uma dinâmica cega, como é o caso no
capitalismo.
Por isso, é exatamente nas
grandes crises que são requeridas personalidades carismáticas que podem gerar uma atmosfera estimulante de despertar. O momento religioso
desse mecanismo é inconfundível. As esperanças, desejos e
medos ligam-se a um messias
político quando uma ruptura
balança a sociedade.
A questão é se o carisma será
capaz de suportar o novo ou se
apenas dá uma forma de desenvolvimento à catástrofe do velho. O "Kennedy negro" Barack
Obama não representa uma superação do capitalismo global,
mas sua renovação.
Seu carisma não surgiu no
contexto de um movimento social com fins emancipatórios,
mas como máscara no contexto
das atividades midiáticas e políticas dominantes.
Se Obama tornou-se um depositário de simpatia no mundo inteiro e leva as pessoas nos
EUA às lágrimas, isso ocorre
porque representa a crença
num retorno a um crescimento
substancial e regrado pelo Estado, que cria bons postos de
trabalho e salva o ambiente.
Trata-se da crença, ao mesmo tempo, na superação de antigas concepções de inimigos,
no equilíbrio do poder e na participação das raças, a maioria
da humanidade.
A força gravitacional dessas
esperanças é produzida pela
classe média mundial, que, em
vista da crise, quer mudar tudo,
a fim de que, fundamentalmente, tudo possa permanecer como está.
Força limitada
Mas essa crença não moverá
montanhas. A ruptura de 1989
levou à transformação do velho
capitalismo de Estado no capitalismo financeiro globalizado.
Em vez disso, a ruptura de
2008 marca a crise e os limites
internos desse sistema mundial em si. Obama se tornará o
homem mais poderoso de um
mundo que, com a máxima probabilidade, não consegue mais
se transformar a partir de seus
próprios fundamentos.
A força para a configuração
das relações já é limitada para o
44º presidente dos EUA se considerarmos apenas o Orçamento arruinado do Estado.
Isso não é, porém, somente a
conseqüência de uma política
equivocada da administração
Bush, como muitos querem
acreditar, mas o resultado de
uma crise estrutural profunda
do capital mundial.
Obama não pode virar bruscamente o leme, mas apenas
administrar a dinâmica incontrolável dessa crise.
A previsível depressão global
irá destruir os precários postos
de trabalho do crescimento
"impelido pelas finanças", ao
invés de criar novos. Serão
atingidos justamente os afro-americanos que ascenderam
socialmente nos EUA e a nova
classe média na Ásia.
E, se o clima for poupado, isso ocorrerá não devido a acordos políticos finalmente efetivos, mas porque a conjuntura
deficitária se extinguirá.
A propósito, trata-se de algo
semelhante à ruína das indústrias do capitalismo de Estado
no bloco oriental durante os
anos 1990, que temporariamente diminuiu a emissão global de gases responsáveis pelo
efeito estufa.
Novo balanço de poder
Também o equilíbrio entre
oposições políticas corre o risco de ficar em ponto morto.
O fim das guerras pela ordem
mundial no Afeganistão e no
Iraque não é anunciado por
meio de acordos de paz, mas
por meio da ruína previsível da
capacidade de financiamento
militar. A retirada da máquina
militar americana poderia, portanto, desembocar em um curso caótico.
Do mesmo modo, um entendimento político com os países
produtores de petróleo e gás,
como a Rússia ou a Venezuela,
será inútil caso os regimes locais entrem em colapso, pois,
com a depressão dos preços da
energia, se rompe a base de
seus negócios.
Com maior razão, um novo
balanço do poder em relação à
China pressuporia que o corredor de exportação unilateral
sobre o Pacífico continuará.
Na verdade, porém, a dependência recíproca se desintegrará assim que o aumento -muito provavelmente inevitável-
do dólar desvalorizar as reservas monetárias astronômicas
dos exportadores asiáticos.
Um deslocamento complacente das relações de poder deverá se mostrar ilusório na
mesma medida em que as finanças estatais e as moedas de
um número crescente de países
se tornarem insustentáveis.
Já agora, depois da Islândia,
também a Hungria, a Ucrânia e
de novo a Argentina são consideradas candidatas à bancarrota de Estado. Mais países virão
na seqüência.
Obama assumiu o emprego
de capitão dos bombeiros global, mas que não consegue nem
mesmo contar os incêndios que
vão surgindo, enquanto a água
para extingui-los seca.
Crença e amor, vontade e esperança são coisas bonitas
quando encontram uma "condição de possibilidade". O sistema mundial do capitalismo financeiro não oferece um fundamento para isso.
O entusiasmo global da obamania ameaça emborcar numa
grande decepção.
Disso não se deve, porém,
responsabilizar uma personalidade cujo carisma repousa sobre pressupostos falsos.
A crise do sistema mundial
não é uma novela cujo final feliz poderia ser encenado pela
mídia. Assim como os EUA são
a última potência mundial do
capital, da mesma forma Obama talvez seja o último messias
político.
A humanidade deveria
aprender de novo o que, em
uma outra constelação histórica, a "Internacional" propagou:
"Um ser mais elevado não nos
salva, nenhum césar ou tribuno; para nos salvar da miséria,
isso nós mesmos temos que fazer". O extinto páthos dessa
afirmação é diferente do páthos
da obamania.
ROBERT KURZ é sociólogo alemão, autor de "O
Colapso da Modernização" (Paz e Terra).
Tradução de Erika Werner.
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