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O eixo da inquietude
A previsão era de que os dois fóruns, o Fórum Social Mundial de
Porto Alegre e o Fórum Econômico Mundial de Nova York,
fossem o contrário um do outro, defendendo propostas absolutamente opostas
e até mesmo lançando ataques um contra o outro. Mas o resultado desse confronto contrariou todas as expectativas.
Em primeiro lugar, tudo levava a crer
que o Fórum de Nova York, ex-Davos,
seria um esforço difícil e desajeitado para
responder ao grande movimento que resultaria na realização do 2º Fórum de
Porto Alegre. De fato, o encontro de Nova York foi constantemente -mas sobretudo no início- colocado na sombra
dos movimentos reunidos de Porto Alegre. Entretanto, a cada dia e até mesmo a
cada hora que se passava, a situação foi
se modificando. Talvez porque o Fórum
de Porto Alegre, por sua própria natureza, tenha sido mais um lugar de protesto
do que de apresentação de propostas,
mas também -embora isso seja um aspecto secundário- porque tenha sido
utilizado por políticos ou políticas de diversos países.
Vulnerabilidade
Sobretudo, porém, o Fórum de Nova York, que reuniu
figuras importantes dos mundos dos negócios, da política, da imprensa e da vida
intelectual, se definiu e evoluiu num sentido que seus organizadores provavelmente desejavam e tinham previsto, mas
que surpreendeu grande parte de seus
participantes.
O tema dominante em Nova York foi a
vulnerabilidade, a fragilidade da ordem
da qual os Estados Unidos são o poder
central, e essa consciência levou os participantes a reconhecerem rapidamente a
necessidade absoluta de que a ordem
mundial seja repensada e transformada.
Consequentemente, as críticas contra o
que foi chamado de o unilateralismo dos
EUA se multiplicaram.
É evidente que não se ouviram milionários ou governantes apresentando
propostas semelhantes às que eram feitas em Porto Alegre. Mas a distância que
separava os participantes do fórum do
governo americano não demorou a ser
concretamente percebida. É verdade
que, nesses mesmos dias, o presidente
Bush e vários membros importantes de
seu governo, em especial Colin Powell,
anunciaram posições brutais, diante dos
membros do fórum ou dirigindo-se diretamente à opinião pública.
Auto-satisfação
O presidente falou
de um "eixo do mal", dando a entender
que os Estados Unidos vão atacar os países que fazem parte dele. E, num caso
muito preciso -o da Argentina-, um
ministro americano foi ouvido falando
em termos extremamente impiedosos.
Essas declarações não correspondiam ao
estado de ânimo de pessoas em sua grande maioria ligadas ao sistema econômico
atual e aos destinos de suas empresas,
mas que, em primeiro lugar, desconfiam
de aventuras cada vez mais perigosas e
sem final previsível e, em segundo, confrontadas com as evidências, admitem
que o aumento da miséria, a destruição
das culturas e o enfraquecimento dos governos estão apenas agravando um caos
que só pode resultar em catástrofe.
Seria exagero afirmar que, de agora em
diante, o Fórum de Porto Alegre, o de
Nova York e o governo americano representam três pontas de um triângulo. A
distância entre o Fórum de Nova York e
o governo americano é bem menor, evidentemente, do que a que existe entre o
Fórum de Porto Alegre e os dois outros
centros de decisão e influência. Mas seria
perigoso nos contentarmos com condenações globais, agora que o próprio Fórum de Nova York mostrou, não a rejeição do sistema atual, mas uma inquietude quanto a suas consequências prováveis e uma vontade de conscientizar os
dirigentes americanos dos problemas
que afligem o mundo como um todo.
Não devemos esquecer que o Fórum
de Nova York é organizado por um grupo pequeno de pessoas, muitas delas jovens, que vivem em Genebra e vêm de diferentes países europeus. Esse grupo não
procura impor uma filosofia política aos
participantes, sobretudo não aos americanos, mas está claro que o programa do
fórum, desde o início, manifestou a disposição de levar em conta preocupações
graves.
Assim sendo, e sem deixar de apoiar a
população de Nova York, chocada pelos
atentados, queria abrir a reflexão e fazer
os EUA emergirem de um estado de auto-satisfação que pode ter consequências
desastrosas. É nesse sentido que, em lugar de ampliar a distância que o separa
do Fórum de Porto Alegre, o de Nova
York reduziu essa distância e procurou
alertar o governo americano quanto à
sua incompreensão profunda dos problemas do mundo.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris) e autor
de, entre outros, "A Crítica da Modernidade" (ed.
Vozes).
Tradução de Clara Allain.
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