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+(d)ebate
Mães coragem
Disputa sobre dupla maternidade coloca
em questão os limites da reprodução assistida
EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O pedido de dupla
maternidade encaminhado à Justiça de SP pelo casal homossexual
Adriana Tito Maciel, 26, e Munira Kalil El Ourra, 27, há pouco mais de um mês, pode abrir
precedente inédito no Brasil.
Para a professora de sociologia na Universidade Estadual
Paulista, em Araraquara, Lucila Scavone, as duas mulheres
"podem ser consideradas mães
do ponto de vista psíquico-biológico-social".
Autora de "Dar a Vida e Cuidar da Vida" e organizadora de
"Tecnologias Reprodutivas"
(Unesp), Scavone diz a seguir
que as tecnologias conceptivas
permitem uma nova configuração da maternidade e "abrem
possibilidades para a filiação
com características biológicas
entre casais homossexuais".
FOLHA - Neste caso, é possível considerar, do ponto de vista biológico,
a dupla maternidade?
LUCILA SCAVONE - Sim, se pensarmos que a mãe portadora estabelece não só uma relação afetiva com a criança que cresce em
seu ventre, mas também a alimenta com seu sangue.
As duas podem ser consideradas mães do ponto de vista
psíquico-biológico-social: uma
doou os óvulos, a outra carregou e alimentou em seu ventre
essas crianças. Nesse ponto, os
limites entre o social e o biológico são tênues.
FOLHA - E quais as implicações?
SCAVONE - Poderíamos dizer
que não há mais uma identidade da maternidade ligada a uma
só mãe biológica. Assim como a
ciência e a tecnologia oferecem
essa possibilidade, a reivindicação de dupla maternidade é válida, embora possamos discutir
o outro lado da questão.
FOLHA - Que escolhas e conflitos
marcam o desenvolvimento das tecnologias reprodutivas?
SCAVONE - Comecemos com os
conflitos, onde aparece este outro lado a que me referi antes:
há uma valorização do(a) filho(a) do próprio sangue, e isso
pode fortalecer atitudes e comportamentos sociais eugênicos.
Há, também, uma revalorização da maternidade e da paternidade, com todas as consequências sociais desse fato.
Por outro lado, há sempre
um risco maior para a saúde
das mulheres e um sofrimento
maior, já que todo o processo
de reprodução assistida se passa em seu corpo.
No caso de duas mulheres,
haverá também uma diferença
para aquela que carrega a criança no processo. Há, também, a
possibilidade de que a educação da criança seja partilhada
com mais igualdade.
Se a escolha de procriar já é,
na sociedade contemporânea,
uma escolha planejada e com
muitos conflitos, com as novas
tecnologias essa escolha se torna ainda mais conflituosa.
FOLHA - A legislação tem acompanhado este processo?
SCAVONE - Sim, principalmente
nos países do Norte. No Brasil,
há casos de jurisprudência, mas
não há uma legislação que regulamente.
FOLHA - Quais as consequências da
popularização de técnicas de reprodução humana?
SCAVONE - A banalização de um
procedimento que foi planejado para a esterilidade pode tornar-se regra em um futuro talvez não tão distante. Uma das
consequências é a mercantilização da vida
FOLHA - Como vê o caso do menino
de oito anos que tem a sua guarda
disputada pelo pai norte-americano
e pelo padrasto brasileiro e cuja mãe
morreu em agosto de 2008?
SCAVONE - Neste caso, a criança
foi trazida para o Brasil sem a
autorização do pai.
Acho que é legítimo que ela
viva com seu pai biológico, pois
está ligada a ele por um laço
afetivo e histórico mais longo
do que com o pai adotivo.
O problema é que não há, para essa criança, a possibilidade
de escolha.
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