São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007

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Filtro suave

Abaixo-assinado liderado pelo escritor Richard Ford abre debate sobre o papel da crítica literária em jornais dos EUA

MOTOKO RICH

No ano passado, Dan Wickett, ex-gerente de controle de qualidade em uma fábrica de autopeças, escreveu 95 resenhas de livros em seu blog, o Emerging Writers Network [Rede de Escritores Emergentes], o que significa que, sozinho, escreveu um número de críticas literárias equivalente a quase metade das resenhas de livros publicadas pelo "Atlanta Journal-Constitution" em 2006.
Wickett deixou seu emprego no setor automotivo e criou uma organização sem fins lucrativos que apóia a publicação de revistas literárias e a criação de programas de escritores residentes em universidades norte-americanas, o que lhe dá mais tempo para seu blog de literatura.
Já o "Atlanta Journal-Constitution" eliminou recentemente o posto de editor de livros.
Isso fez com que muitos fãs se preocupassem com a possibilidade de que a cobertura literária do jornal passasse a ser produzida apenas com base em matérias de agências de notícias ou artigos publicados originalmente por jornais de maior porte.
A decisão do jornal de Atlanta -no qual as resenhas literárias agora serão supervisionadas pelo editor que responde pela cobertura geral do setor de artes- surge depois de uma série de mudanças na maneira pela qual livros são criticados nos EUA.
Faz pouco tempo, o "Los Angeles Times" fundiu seu caderno de resenhas literárias, até pouco tempo independente, com as páginas de opinião de sua edição dominical, criando um novo caderno que, na prática, reduz o espaço dedicado a livros de 12 páginas para 10.
A seção de resenhas do "San Francisco Chronicle" caiu de seis para quatro páginas.
Em todo o país, os jornais estão reduzindo as dimensões de seus cadernos de livros ou publicando mais artigos adquiridos de agências de notícias ou de publicações maiores.

Transição inevitável
Para alguns escritores e críticos, essas decisões representam um novo passo para o sepultamento da cultura literária.
Mas algumas editoras e autores de blogs literários consideram que isso representa parte da transição inevitável rumo a um cenário literário novo e mais democrático, no qual qualquer pessoa poderá comentar livros.
Para pessoas acostumadas ao velho sistema, a evolução é difícil.
"Como qualquer novidade, é difícil para os autores e agentes compreenderem quando pedimos desculpas e dizemos que seus livros não serão comentados pelo "New York Times" ou "Chicago Tribune", mas que sairá uma resenha no curledup.com", disse Trish Todd, editora-chefe da Touchstone Fireside, uma das divisões da editora Simon Schuster. "Mas acreditamos que seja essa a tendência."
Obviamente, as mudanças nas seções de crítica literária dos jornais refletem os desafios mais amplos que estes enfrentam, dada a queda na receita publicitária e a perda de leitores para a web.
Mas alguns escritores (e leitores) questionam a idéia de que a economia seja o fator preponderante. Jornais como o "Atlanta Journal-Constitution" poderiam "publicar resenhas como um serviço público, e o fato é que eles não estão dispostos a fazê-lo", disse Richard Ford, romancista premiado com o Pulitzer.
"Acredito ser vital a função da crítica literária em sua forma jornalística mais plena", prosseguiu ele, "da mesma maneira que a literatura em si é vital".
Ford é um dos mais de 120 escritores que assinaram um abaixo-assinado pedindo ao "Atlanta Journal-Constitution" que Teresa Weaver, a editora de livros, mantivesse seu posto.
O abaixo-assinado, patrocinado pelo Círculo Nacional de Críticos Literários, é parte dos esforços da organização para salvar o segmento de resenhas literárias.
"Continuaremos a usar free-lancers, agências de notícias respeitadas e nossos jornalistas para escreverem artigos sobre livros que interessem aos nossos leitores e à comunidade literária local", afirmou Mary Dugenske, porta-voz do jornal de Atlanta, em um e-mail.
Mas, embora o interesse da mídia on-line possa ajudar alguns livros, os jornais despertam o interesse do leitor comum, disse Oscar Villalon, editor de livros do "San Francisco Chronicle".
Os blogs, diz, "não são mídia de massa". Seu jornal, por exemplo, tem circulação de quase 500 mil exemplares, número que poucos blogs conseguem atingir.

Polidas demais
Por outro lado, os leitores dedicados que devotam seu tempo à busca de um blog literário talvez tenham mais probabilidade de comprar um livro do que os leitores casuais de um caderno dominical de resenhas.
"Sei que todo mundo que vem ao meu site se interessa por livros", diz Mark Sarvas, editor do The Elegant Variation.
E as resenhas em jornais, muitas vezes acusadas de optar preferencialmente por "escolhas seguras", poderiam aprender alguma coisa com a abordagem mais dispersa adotada pelos blogs literários, disse David L. Ulin, o editor do caderno de livros do "Los Angeles Times".
"Um dos problemas com a crítica de livros na mídia impressa é que as pessoas tendem a ser polidas demais", diz Ulin. "Creio que esse é um dos aspectos da cultura mais áspera dos blogs com o qual podemos aprender -não de modo irresponsável, mas para ressaltar claramente aquilo de que um crítico gosta ou não gosta."
É claro que os autores de blogs sobre literatura argumentam que eles oferecem uma multiplicidade de vozes.
Mas alguns autores desconfiam delas. Ford, que nunca leu um blog literário, disse apreciar a ponderação e o filtro que, em sua opinião, um editor de livros é capaz de oferecer, em um jornal.
"Os jornais, por contarem com sustentação institucional, têm uma relação responsável com aqueles que os publicam e também com aqueles que os lêem", disse, "de uma maneira que um sujeito sentado em seu porão em Terre Haute talvez não tenha".

Este texto saiu no "New York Times". Tradução de Paulo Migliacci.


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