São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Livros

No maior barato

Em estilo coloquial, o diretor norte-americano David Lynch fala sobre a relação entre meditação e criatividade


Num auto-elogio, escreveu que Kubrick tinha "Eraserhead" como seu filme favorito

JOSÉ INÁCIO DE MELO SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu não tinha o menor interesse pela meditação quando ouvi falar disso pela primeira vez. Nem curiosidade eu tinha. Para mim, era perda de tempo." Eu posso dizer a mesma coisa! Mantendo a perenidade do desinteresse.
A frase abre a primeira "pérola", para mantermos o mesmo tipo de metáfora aquática tão do agrado de David Lynch, autor de "Em Águas Profundas - Criatividade e Meditação".
A obra é construída em pequenos capítulos, meia página, duas páginas no máximo, às vezes abertos com uma citação do "Bhagavad Gita" ou dos "Upanishad" -livros sagrados do hinduísmo, aos quais os microtextos espelham um desejo de ser iguais.
A escrita é vertida naquele coloquialismo que pesca o leitor nadando em águas rasas, com ênfases grifadas ao estilo anglo-saxônico que nos soam exageradas, já que estamos acostumados às exclamações da língua latina (é um pouco irritante o número de vezes em que escreveu "maravilhoso", com o que a tradutora parece concordar -azares da conversa fácil).
O foco é a Meditação Transcendental, com maiúsculas, trazida para a Costa Oeste dos EUA pelo Maharishi Mahesh em 1959, abrindo mais uma fonte de diferenças com a Costa Leste (um capítulo, ou versículo, de Lynch conta-nos da sua aproximação com um psiquiatra; ao saber que a terapia poderia mudar a sua criatividade, ele abandonou a sala de consulta).
A Califórnia, sempre novidadeira, portos abertos ao exótico do mundo, à corrida do ouro, a Hollywood, aos Hell's Angels e aos hippies, também tinha de abrigar o seu iogue (ou "yogi", como prefere a tradução).
Portanto, vamos deixar um pouco de lado a meditação difundida pelo Maharishi, que, segundo consta, num passo pouco meditado, teria assediado sexualmente uma de suas seguidoras do meio artístico, Mia Farrow, área em que o (ainda na época) quarteto dos Beatles foi mais famoso (e Donovan, eu gostava dele, do seu estilo um pouco plangente).
O que conseguimos saber sobre a carreira do cineasta David Lynch? Pescando aqui e ali alguma coisa fica no samburá. O menino nascido na roça, em Missoula (Montana), descobriu a vocação para a pintura com um artista local.
Fez cinco anos de belas-artes na Filadélfia (Pennsylvania Academy of the Fine Arts), onde descobriu o uso da imagem em movimento como exercício expressivo. Nunca abandonou a pintura, embrenhando-se também pela fotografia.
Depois de alguns ensaios bem-sucedidos, mudou-se para Los Angeles. Seu primeiro filme, "Eraserhead" [1978], nunca passou no Brasil, mas lhe abriu a porta para a produção de "O Homem Elefante" [1980], um grande sucesso.
"Duna" [1984], sua película seguinte, foi um "baita fracasso", como escreveu, por culpa da montagem, porém o produtor Dino De Laurentiis não é mencionado. "Veludo Azul" [1986] foi a redenção, e o que veio em seguida oscilou, no Brasil, entre a acolhida morna e a recepção bem-educada, excetuando-se "Twin Peaks" [1989], no qual a saga de Laura Palmer atraiu muitos espectadores para a TV.
Num auto-elogio, escreveu que Stanley Kubrick tinha "Eraserhead" como seu filme favorito.
Em outro elogio, afirma que Billy Wilder é o seu diretor favorito. Acha a filmagem em vídeo de alta definição o máximo.
Acredita que o cinema na tela está condenado. A miniaturização da imagem digital, com a disseminação pela internet, iPods e celulares, é inevitável.
Seu conselho aos jovens, além da meditação, é que se apliquem às câmaras de alta definição e baixo custo, grande mobilidade e facilidade de enquadramento. Quarenta minutos digitais valem mais do que dez minutos em película. E não usem drogas! Acho isso muito pouco, porém iluminador.
O livro é mais um folheto para a causa da Meditação Transcendental do que o debate de um cineasta com o seu tempo (aliás, ele não ensina como meditar: procure o seu centro de meditação mais próximo).


JOSÉ INÁCIO DE MELO SOUZA é pesquisador, autor de "Paulo Emílio no Paraíso" (Record), entre outros livros.

EM ÁGUAS PROFUNDAS - CRIATIVIDADE E MEDITAÇÃO
Autor: David Lynch
Tradução: Márcia Frazão
Editora: Gryphus (tel. 0/xx/21/ 2533-2508)
Quanto: R$ 29,90 (204 págs.)


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