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Zoopolítica (continuação)
Folha - Como começou a disputa entre Habermas e o sr.?
Peter Sloterdijk - Para responder a essa pergunta com pertinência, creio ser útil recapitular a história pregressa de nosso conflito.
Desde que foi publicada a minha
"Crítica da Razão Cínica", em
1983, uma obra de quase 1.000 páginas que foi muito apreciada na
Alemanha e traduzida para 10
idiomas, Habermas e eu publicamos nossos livros na mesma editora, a Suhrkamp. Essa editora,
naqueles tempos, não só era o
templo da Teoria Crítica, mas
também representava a biblioteca
da modernidade para os alemães
depois de 1945. É a editora de
Brecht, Benjamin, Adorno, Beckett, Broch, Wittgenstein, Enzensberger e muitos outros.
Numa pequena e simpática resenha, Habermas, naquela época,
elogiou meu livro, apresentando-me como um autor que atuava no
espaço "entre Heine e Heidegger", que era aliás o título do artigo. A "Crítica da Razão Cínica"
trouxe um novo tom à literatura
filosófica alemã, sendo ao mesmo
tempo séria e muito divertida.
Habermas interessou-se bastante
pelo meu projeto de testar a possibilidade de uma "esquerda heideggeriana". Mais que isso: sem
dúvida esse projeto lhe lembrou
seus próprios começos.
Infelizmente, a opinião pública
de hoje não sabe o suficiente sobre o assunto. O jovem Habermas, após ter se desligado da juventude hitlerista (na qual atuou,
aos 16 anos, como comandante-mor, e até abril de 1945 continuou
acreditando com ardor religioso
em Hitler e na vitória final alemã),
foi um hegeliano e schellinguiano
entusiasmado até os inícios dos
anos 50, tendo se aberto apenas
posteriormente para o neomarxismo e as tradições democrático-liberais do pensamento ocidental.
Essa é uma biografia alemã normal, numa época que não é normal. O marco da virada de Habermas foi um artigo hoje praticamente esquecido, de 1953, intitulado "Pensando com Heidegger
contra Heidegger".
Quando, 30 anos mais tarde,
surgiu a minha "Crítica", Habermas, na época no auge de sua capacidade, sentiu-se transportado
aos seus anos de juventude e por
um momento pareceu disposto a
reconhecer meu trabalho como
uma realização do programa não
realizado por ele -que há muito
já havia tomado rumos que se distanciavam da filosofia, aproximando-se da linguística, da sociologia e do pensamento jurídico.
Para compreender a crescente
tensão entre nós, deve-se saber
que a Escola de Frankfurt, aliás a
Teoria Crítica, não conseguiu
produzir uma terceira geração
convincente. Pois, se Adorno e
Horkheimer representavam a primeira geração e Habermas a segunda, parecia evidente que após
esses nomes se abriria um abismo. Podia-se citar Adorno, mas
era quase impossível continuar na
sua linha de pensamento. E podia-se citar Habermas, mas parecia difícil dar um passo depois dele que levasse a algum lugar.
Nos últimos cinco anos, apresentei em meus livros uma série
de tentativas de resolver externamente o problema da terceira geração, que internamente era insolúvel. Apenas diante desse pano
de fundo pode-se compreender o
escândalo Sloterdijk-Habermas.
No mais tardar em 1980, eu percebi que o caminho francês da filosofia, especialmente o de Gilles
Deleuze e Michel Foucault, permitia uma abertura maior para as
questões do presente do que o caminho de Frankfurt.
Folha - Mas o que o sr. entende aqui por solução externa?
Sloterdijk - Eu ampliei o cânone
dos autores que se podia ler como
discípulos de Adorno e Habermas
-ambos sempre foram mestres
muito autoritários. Eu disse que,
como iluminista e como herdeiro
das melhores tradições européias,
se poderia ler Nietzsche novamente e que Heidegger deveria
ser reexaminado. É um projeto
que tenho em comum com Jacques Derrida e outros pensadores.
Além disso, trabalhei com elementos das éticas judia, hinduísta
e budista, incluindo em larga escala nos meus estudos a etnologia
e a antropologia. Mas o elemento
mais importante do meu trabalho
é, sem dúvida, a tentativa de repensar filosoficamente os princípios da psicanálise e, a partir daí,
descrever de forma renovada a
sociedade do presente.
No fundo, isso tudo não interessa a Habermas, mas nesses projetos ele sente a energia heterodoxa,
para ele incontrolável, e uma vez
que ele pertence a uma geração de
gatos escaldados, julga que o seu
dever burguês é o de ser desconfiado. Ele percebeu que eu alego
representar uma alternativa para
a terceira geração da Teoria Crítica, geração esta que faltava. Mas
eu aparentemente não sou seu
discípulo, não garanto a continuidade de suas idéias. Eu navego em
outras águas.
Folha - O que Habermas criticou no seu trabalho?
Sloterdijk - Ele chamou o meu
ensaio intitulado "Regras para
um Parque Humano" de um texto "genuinamente fascista". Em
resposta, eu publiquei essa palestra na Internet (em alemão,
www.rightleft.new), bem como
no jornal "Die Zeit", e nos próximos dias também sairá um pequeno livro pela editora Suhrkamp. Desde então, a opinião pública está em polvorosa, pois procura o fascista no texto e não consegue encontrá-lo. Ao mesmo
tempo eclodiu um debate de dimensões fantásticas sobre a tecnologia genética.
"Cientistas hoje tentam suspender o limite entre organismo e máquina"
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Folha - E onde foi publicada
a crítica de Habermas?
Sloterdijk - Bem, aqui começa o
lado oculto e estranho desse assunto. Habermas não apresentou
em público o seu ataque contra
mim. Ele mandou cartas a jornalistas de sua confiança contendo
as tais críticas, e essas pessoas da
mídia, sem mencionar o nome de
Habermas, me atacaram como
fascista e coisas piores. São os
mesmos que agora abrem o debate no Brasil.
O próprio Habermas, questionado sobre seu papel nesse caso,
escreveu uma carta ao "Die Zeit",
em 16 de setembro, negando tudo
e afirmando que ele não se interessa pelo meu trabalho. Curiosamente, pouco depois, saiu publicada na edição de Berlim do jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung" (FAZ) uma cópia da sua
carta ao jornalista que havia começado o ataque, e logo depois
(em 22 de setembro) essa mesma
carta podia ser vista por milhões
de telespectadores no noticiário
noturno do primeiro canal de TV
alemão (ARD).
Nessa carta podia-se ler "genuinamente fascista" e todo o resto.
Comprovou-se, assim, que Habermas havia mentido e que na
verdade era ele o mandante e organizador do escândalo. Desde
então, o sr. Habermas não dá
mais entrevistas sobre o assunto.
Folha - Como o sr. respondeu a
esses ataques?
Sloterdijk - Escrevi uma carta
aberta a Habermas, intitulada "A
Teoria Crítica Está Morta" -um
título que obviamente lembrava a
famosa polêmica entre Pierre
Boulez e Arnold Schönberg
("Schönberg Morreu, Stravinski
Vive"). O motivo para essa formulação era evidente aos leitores
na Alemanha: em minha carta,
lembrei dos princípios morais de
Jürgen Habermas, da Teoria da
Ação Comunicativa, da ética da
Inclusão do Outro, da doutrina da
"situação ideal de comunicação".
Eu medi seu comportamento a
partir de seus próprios parâmetros e o achei curto demais. No caso concreto, ele não comunica,
mas denuncia; ele não inclui o outro, mas o exclui. Chamei esse
comportamento de jacobino, outros o chamariam de fundamentalista.
Nesse meio tempo, a opinião
pública alemã compreendeu isso
tudo. O problema agora está em
outro ponto: muitas pessoas de
boa-fé em nosso país custam a
acreditar que também Habermas
não é um ser humano completo,
nem um filósofo infalível. Mesmo
assim, a maioria aprendeu a lição.
Na Alemanha, o debate Sloterdijk-Habermas, como caso, acabou. A vice-presidente do Parlamento alemão, Antje Vollmer, do
Partido Verde, teóloga de prestígio e uma política que há muito
representa algo como a consciência moral de nosso país, há poucos dias constatou, no jornal
"FAZ", a derrota de Habermas e
do seu partido.
De forma clara, disse ser inadmissível uma tal denúncia e que
minha fala não seria motivo para
o alarme histérico que a imprensa
fiel a Habermas tinha disparado.
Vollmer criticou a tirania da má
leitura, que, na Alemanha e na
maioria dos outros países dominados pelos "mass media", representa uma ameaça à liberdade de
pensamento, que é a verdadeira
base da democracia ("Cavaleiros
da Super-moral", "FAZ", 27/9).
De forma semelhante argumentou Bernard-Henri Lévy, em 1º de
outubro, na revista "Le Point", em
seu artigo "Heidegger et les Clones". Ele constata que meus argumentos estão ancorados na tradição da filosofia européia de Platão
a Freud e coloca a seguinte questão: será que não se quer queimar
o mensageiro, porque não se quer
ouvir a mensagem?
Folha - Por que o sr. pôde ser
chamado de nazista?
Sloterdijk - Isso deveria ser perguntado aos que me denunciaram. Isso é bobagem.
Por meio de meu contato com
Heidegger, que tinha a tecnologia
como perigosa para a essência humana, mas também a tinha como
seu destino, desenvolvi um sentido para os riscos da existência
moderna.
Creio que nessa discussão nunca se deve esquecer um fato: até
dez anos atrás, a humanidade do
hemisfério Norte vivia no constante medo do apocalipse nuclear. Como por milagre, o perigo
atômico passou, pelo menos no
presente imediato. Ainda estamos
vivos, porque o assim chamado
equilíbrio do terror se mostrou a
nosso favor. O mais desumano
concedeu uma pausa à humanidade. O colapso da URSS, além
disso, nos permitiu um relativo
relaxamento no front nuclear.
No entanto, eis que aparece
agora um novo perigo assustador
no horizonte: o apocalipse biológico e a transformação incontrolável do homem em um monstro
pós-humano. Creio que as pessoas na Alemanha agora, de repente, estão transferindo o seu
medo da aniquilação militar para
o medo da mutação genética, que
erroneamente pensam já ser possível para amanhã. Da noite para
o dia, trocamos de apocalipse.
Eis o porquê de todo esse alvoroço e dessas exageradas reações
irracionais. Quando Bizâncio discute, trata-se sempre da Santíssima Trindade; quando a Alemanha discute, trata-se quase sempre de um medo metafísico. Na
verdade, é uma exaltação quase
religiosa, porque de repente nos
perguntamos se homens como
criadores de outros homens podem adotar o papel de Deus, desde que a biotecnologia torne isso
possível. De resto, nunca lamentei
tanto a morte prematura de Foucault como nesses dias, porque no
fundo esse é o seu tema, que hoje
reaparece de modo tão deformado: o tema das biopolíticas e do
poder sobre a vida. Sua maravilhosa lucidez e seu poder de análise nos fazem falta, hoje mais do
que nunca.
A partir da continuidade entre
Ocidente e manipulação gênica
tratada na minha conferência, de
repente, o medo alemão eclodiu
de novo. E, como sempre depois
de 1945, quando os alemães têm
medo, eles gritam: fascismo! Mas
essa palavra não tem mais um núcleo semântico. É apenas uma expressão da histeria. Por isso eu entendo por que ela é usada agora.
Folha - Esta polêmica toca em
um problema que aterroriza o
imaginário ocidental: a engenharia genética. Qual a sua posição em relação a isso?
Sloterdijk - Sempre fui muito
cético em relação ao que se refere
a triunfalismo técnico. No meu livro "Eurotaoísmo", de 1989, sugeri uma nova forma de crítica do
progresso, mostrando que a diferenciação clássica entre progresso
visionário e conservação cega do
estabelecido não vale mais, hoje,
em todos os lugares. Agora também há um progresso cego e uma
manutenção visionária do estabelecido aqui. E, partindo da posição asiática, cheguei a idéias que
são compatíveis com a ética cristã
do respeito diante da criação.
Mas, dez anos após essa lembrança da ética asiática do não-agir, cheguei à conclusão de que a
evolução das coisas na cultura
ocidental é por demais poderosa
para ser contida por meio da mera meditação ou da abstinência
conservadora. Naquela época,
também disse que, em alguns momentos, o freio pode ser uma função progressiva. Evidentemente,
as vozes sussurrantes de filósofos
não podem muita coisa, e a avalanche do progresso não pergunta
se ela pode cair no vale.
Então, em um trecho de minha
palestra atual, eu formulei a exigência de que se deveria redigir
um "códex das técnicas antropológicas", tendo em vista o que estaria por vir. Deveria ser ele uma
obra sacramentada de normas,
válidas para a comunidade política da humanidade, determinando
o que é permitido e o que é proibido em termos de biotecnologia.
Eu mesmo não sou especialista
nessa área e não sou membro de
uma das comissões de ética que
hoje proliferam em todos os lugares, em hospitais, na pesquisa de
base e nos Parlamentos. Mas uma
regra me parece intuitivamente
evidente: é legítimo aquilo que
ajuda alguns a reduzir o risco de
vida -por exemplo, evitar doenças graves hereditárias. Ilegítimo
é tudo aquilo que desemboca numa biopolítica elitista para grupos
não solidários. Isso não deve ser a
última palavra sobre o assunto e,
como regra básica, ainda é muito
simples, mas creio que a conscientização moral e a evolução
técnica acabarão por se encontrar
nessa linha de pensamento.
Aliás, chama atenção a discussão na Alemanha por causa das
zonas fronteiriças entre cientistas
sociais e cientistas naturais. Enquanto os primeiros se dedicam a
especulações excessivas, para não
dizer fantásticas sobre um "projeto Zaratustra" -acerca de uma
espécie de homem perfeito- e similares, os especialistas em genética esboçam um sorriso melancólico e asseguram que eles não
têm o poder de fazer nem mesmo
1% do que a mídia exaltada supõe.
Aqui pode-se dizer que é possível
constatar que, nas cabeças de filósofos e jornalistas, a ficção científica venceu a ficção. Hollywood
não é apenas um bairro de Los
Angeles, mas é um setor no cérebro do homem ocidental.
Na realidade, tudo depende de
um equilíbrio entre motivos éticos e interesses técnicos. No fundo, o melhor seria uma moratória
para a pesquisa genética, o que seria utilizado para um debate o
mais amplo possível entre as culturas sobre suas visões sociais e
antropológicas. Ao mesmo tempo, me parece importante esclarecer a perspectiva teórica correta
pela qual deve ser vista nossa
atual situação humana e moral.
Freud procurou expressar o
mal-estar do homem moderno
em sua famosa passagem das três
ofensas: a ofensa cosmológica da
humanidade por Copérnico, a
ofensa biológica por Darwin e a
ofensa psicanalítica por ele mesmo, Freud. Mais interessante ainda me parece uma observação de
Bruce Mazlish, que encontra um
paralelo entre as três ofensas e as
quatro nivelações de diferenças
metafísicas pela ciência moderna.
Primeiro Galileu, seguindo Copérnico, suspendeu a barreira entre o mundo terreno e o mundo
celestial e provou que abaixo e
acima da Lua valem continuamente as mesmas leis. Logo, Darwin suspendeu a barreira metafísica entre homem e animal e mostrou uma continuidade no âmbito da história natural para ambos
os lados. Então, Freud negou e
provou a diferença metafísica entre o consciente -e o racional-
e o inconsciente -e o irracional- e que também aqui havia
transição e continuidade.
Até agora, a formação da inteligência ocidental os acompanhou
mais ou menos de bom grado,
mesmo havendo cada vez uma
forte resistência e dolorosas crises
espirituais. Hoje, os cientistas do
mundo inteiro estão tentando
suspender a quarta barreira metafísica, o limite entre o organismo e
a máquina, e eles mostraram que
nisso também se pode estabelecer
uma continuidade. Talvez seja esta a maior dor que a humanidade
jamais teve que suportar, pois nela eclodem novamente os três
traumas anteriores, junto com as
novas lições. Talvez esse seja um
dos motivos da intensidade do
debate que vivenciamos hoje. A
questão "o que é o homem?" coloca-se agora com uma seriedade
nunca antes vista na história da
humanidade. Por isso, mais uma
vez chegou a hora da filosofia: só
ela é capaz de refletir na profundidade certa o alcance de uma questão como esta.
Folha - O sr. tem idéia de por
que o chamariam de irracionalista?
Sloterdijk - Eu não sei quem
disse isso, mas no calor da batalha
tudo é possível. Suponhamos que
seja alguém que se coloca questões reais e não apenas que quer
me rebaixar. Nesse caso, a crítica
ao meu suposto irracionalismo
poderia significar que eu abordo
temas perigosos, ou que eu me
dedico de modo inseguro a matérias mais inseguras ainda. Sem
dúvida, haveria algo de correto
numa tal descrição. Meus críticos
se sentiram incomodados principalmente pelo fato de eu rediscutir questões em grande parte do
âmbito da filosofia da religião. Isso parece chocante a muitos racionalistas simples.
Respondo a isso com uma citação de Karl Marx, para quem toda
crítica começa com a crítica da religião. O século 19 frivolamente
acreditava ter concluído a crítica
da religião e ter se acertado com
ela, mas o século 20 nos mostrou
de forma dramática que isso foi
um erro. Os homens não se acertam simplesmente com a religião
e muito menos com religiões
substitutivas e pseudo-religiões,
que brotam assim que as religiões
oficiais passam ao segundo plano.
Em meu livro "A Árvore Mágica", de 1985, comecei as tais análises perigosas e "profundas" sobre
a reação religiosa ou participatória do homem. Esse livro, que trata do mesmerismo de forma romanesca, foi um grande sucesso e
produziu várias concepções interessantes do inconsciente. Aliás,
sinto um certo paralelismo entre
o meu trabalho e o da psicanalista
e escritora francesa Julia Kristeva,
que também experimenta há
muitos anos com a concepção
psicanalítica aprofundada.
Eu, por minha vez, critico os racionalistas simples, pois, por sua
estreiteza e unilateralidade, eles
deixam de lado e reprimem os
verdadeiros problemas da psique
humana. Sendo assim, eles estimulam justamente o irracionalismo, que aparentemente atacam.
O lugar do pensamento é, para
mim, a linha onde se encontram a
"Aufklärung" (Iluminismo) e o
romantismo. O racionalismo puro é estéril, o irracionalismo simples é regressivo. O pensamento
surge no "entre".
Folha - Na sua opinião, o que
resta da Escola de Frankfurt?
Sloterdijk - A resposta a essa
pergunta foi dada há poucos dias,
quando a velha guarda se encontrou em Frankfurt para festejar os
75 anos da fundação do Instituto
de Pesquisas Sociais, de onde saiu
a Escola de Frankfurt e a Teoria
Crítica. Um crítico resumiu o resultado do encontro de forma lapidar: "O tédio mata" ("Die Zeit",
30/9/1999). A inspiração apagou.
O público boceja.
Entendam bem: Habermas teve
grandes méritos, reabilitando intelectualmente a Alemanha diante de si própria e da comunidade
acadêmica internacional. Isso não
pode ser negado, mesmo diante
de seu comportamento condenável atual. Mas, no geral, seu tempo
passou. Foi-se o tempo dos filhos
hipermorais de pais nazistas. É
certo que a terceira geração do
pós-guerra aprendeu muito com
a de Habermas, mas hoje ela coloca questões para as quais não há
respostas na Teoria Crítica.
Sei que vai doer em muitas cabeças brilhantes do Brasil ouvir
isso, pois elas investiram em Habermas e agora se vêem obrigadas
a reconhecer que o valor de suas
ações está em franco declínio.
Diante dessa situação, elas tentam
o que no jargão bancário se chama de compra sustentatória:
compram ostensivamente ações
Habermas, demonstrando com
isso que ainda têm valor. Ao mesmo tempo, me culpam pela queda
de seus investimentos. Crêem que
podem aumentar o valor, me desvalorizando. Essa manobra é
compreensível, mas infantil, pois
eu não tenho culpa pelo fato de a
Teoria Crítica só ter hoje valor
acadêmico e histórico, e não social. Mesmo que eu não publicasse mais uma linha e meus livros
fossem todos destruídos, a Escola
de Frankfurt não se tornaria mais
atual por isso.
Folha - O sr. julga possível
uma reconciliação sua com Habermas?
Sloterdijk - Essa pergunta também me foi feita na Alemanha e
respondi que não sabia, o que corresponde à verdade. Mas me parece mais importante que haja
uma mudança em todo o clima
cultural do que o fato de duas pessoas individuais se reconciliarem.
Temos uma herança pesada de
medo e paranóia do fascismo e da
Guerra Fria. A fórmula lançada
nos anos 50, da "era da suspeita",
ainda é válida, e a Alemanha continua sendo um biótipo da suspeita. Mesmo assim, iniciou-se uma
mudança, aqui e em outros lugares. Devo confessar que quase não
me interesso mais pela pós-modernidade. Julgo atraente a transição para uma pós-paranóia. Sartre expressou a condição humana
na seguinte fórmula: o homem está condenado à liberdade. Para a
situação de hoje e amanhã vale,
antes, a fórmula: estamos condenados à confiança.
Luiz Felipe Pondé é doutor em filosofia,
professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica), professor-pesquisador da Universidade de Tel Aviv e membro do grupo israelo-alemão de pesquisa sobre as controvérsias em ciência, filosofia
e teologia.
Colaborou na tradução Cláudia S. Dornbusch.
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