|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POLÍTICA
Depois de mais de 20 anos no exílio, o escritor e cientista russo
expõe os motivos de seu retorno à terra natal
O pensamento insubmisso de Alexandre Zinoviev
JANIO DE FREITAS
do Conselho Editorial
Eram chamados de dissidentes.
Três nomes os simbolizaram, pela
relevância com que refletiam os
diferentes modos da contestação
mais notória, e de maior repercussão internacional, ao recuo
imposto pela liderança soviética à
distensão interna que Khruschov
insinuou.
Soljenitsyn foi a fúria, a rejeição
totalitária, lavas expelidas, a um
só tempo, das profundezas do regime e das profundezas do indivíduo. Não foi cômodo nem para os
propagandistas do anticomunismo que o trouxeram para o Ocidente, porque em pouco tempo
despejava torrentes de fúria contra o capitalismo e a maneira de
vida nos Estados Unidos. Até sua
literatura acabou posta de lado.
Eficaz talvez como nenhum outro, para fora e para dentro da
URSS, foi um homem com ar de
avô universal, dotado de serenidade invencível. Ninguém mais
humanamente contrastante com
a obra oficial de sua vida: a bomba
nuclear da URSS. Andrei Sakharov fez da desobediência civil uma
arma quase tão poderosa quanto
sua outra criação. O regime não
conseguiu deter-lhe a correspondência e as entrevistas denunciando ao exterior as prisões e banimentos de dissidentes; nem seus
manifestos de crítica e pregação,
ou as reuniões de organização e
apoio à dissidência crescente. Banido ele próprio, foi e voltou da
Sibéria comovendo meio mundo
com a calma determinação de sua
luta por um socialismo com direitos individuais.
Alexandre Zinoviev não adotou
a grandiloquência, nem o desafio
ostensivo. Considerado gênio nos
domínios da lógica, com numerosos trabalhos traduzidos no Ocidente (casos, entre outros, de "As
Regras da Lógica da Linguagem",
"Teoria Lógica do Saber Científico", "Lógica Complexa"), dedicara-se particularmente a desenvolver uma abordagem lógica da relação entre manifestações culturais e linguística. Os representantes da "cultura científica" do regime não apreciaram sua linha de
trabalho. Ou, não menos provável, decidiram extinguir, pelo método indireto, o grupo de pesquisadores que adotara Zinoviev como centro inspirador.
O começo foi a recusa à publicação de trabalhos indicados por Zinoviev para a revista "Problemas
de Filosofia", cuja direção integrava. Zinoviev renunciou ao cargo. Em seguida, foi-lhe tirada a cátedra de lógica na Universidade
de Moscou. Em disponibilidade,
Zinoviev respondeu com o imprevisto: entregou-se à literatura.
O livro (um título estranho, mais
ou menos "As Altitudes Abertas",
uma certa idéia de abismos) foi
considerado a primeira visão literária a abarcar toda a realidade de
um sistema de vida totalitário. Zinoviev foi comparado a Voltaire,
Gógol e outros. E teve cassados todos os seus diplomas, o registro
no Partido Comunista e as possibilidades de algum trabalho regular.
Dois anos depois, em 78, foi surpreendido com a autorização do
governo para conduzir um seminário de lógica na Universidade
de Munique. Ainda recém-chegado à Alemanha, teve notícia de
que sua cidadania fora cassada, o
passaporte invalidado e as portas
da URSS fechadas à sua volta. Ficou em Munique mesmo, onde
retomou a atividade científica.
O segundo dos seus romances
fora escrito ainda na disponibilidade compulsória em Moscou,
mas a edição em russo precisou
ser feita na França, em 78. "O Futuro Radioso" inverte o anterior:
mostra a ação de métodos opressivos sobre o restrito mundo de
um professor sério. Embora para
um público mais intelectualizado
-o livro é repleto de reflexões,
muitas delas extensas e todas interessantes-, alcançou sucesso
editorial. E literário, ganhando,
além de outros, o Prêmio Médicis
de 78, na França.
O artigo em que Zinoviev comunica sua volta à Rússia aparenta, pelas razões que o levam a fazê-lo, um certo pasmo desesperado.
Nada disso. É só a voz continuada
de um homem que, diante de um
ou de outro ou de qualquer Poder,
pensa -logo, não deve existir.
Texto Anterior: Oito datas Próximo Texto: Livros: Elogio da igualdade Índice
|