São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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Lições de casa

Chefe do departamento de educação da Unesp, uma das universidades que irão adotar o ensino a distância, Iraíde Marques Barreiro aponta o risco de colonização cultural

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

O ensino superior público paulista, pressionado pela demanda por vagas, acena com uma alternativa prática para o estudante e que não requer novas escolas: o ensino a distância. Entre as mais prestigiadas instituições do país, a Unesp (Universidade Estadual Paulista) e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) já organizam cursos de graduação a distância para 2007.
A UFSCar anunciou que serão oferecidas 1.950 vagas dessa modalidade no próximo ano, enquanto a Unesp ainda não detalhou como será implantada a proposta. A chefe do departamento de educação da Unesp, em Assis, Iraíde Marques Barreiro, diz que não está entre maiores entusiastas dessa modalidade de ensino. Contudo defende, em entrevista à Folha, a criação de cursos a distância de qualidade nas universidades públicas -para que estas instituições não fiquem "para trás".
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FOLHA - Como vê a adoção do ensino a distância por universidades de prestígio como a Unesp e a UFSCar?
IRAÍDE MARQUES BARREIRO
- Participei da discussão na Unesp sobre a proposta de instituir cursos de educação a distância. Acho que não há como fugir. Dizer "não" é ficar atrás do andamento da história. O que é necessário é ter uma exigência maior, mais controle de qualidade e fazer com que a educação a distância também se volte para a pesquisa, como em toda universidade pública. Como serão criadas as ferramentas para tanto é um desafio para quem propõe os cursos.

FOLHA - Com "ficar para trás", a senhora sugere que não defende a educação a distância como uma causa em si, mas como resposta a uma demanda?
BARREIRO
- Há uma demanda. Universidades de outros países querem criar cursos desse tipo no Brasil; seríamos novamente colonizados, dessa vez virtualmente. Existem muitas preocupações e cuidados em relação ao ensino a distância, e as universidades públicas vão ter de primar pela qualidade.

FOLHA - Em cursos de nível superior, que são essencialmente mais científicos e mais interpretativos, poucas atividades em classe não podem deixar o aluno desamparado?
BARREIRO
- Não faço uma defesa incondicional dos cursos de educação a distância. Eles requerem muito mais iniciativa do aluno em buscar seu caminho -mas isso é também mais instigante. Quando analisamos a formação acadêmica, o que é uma universidade -universidade pública, especialmente-, o aluno do curso a distância perde, pois não tem a mesma vivência -como um belo campus, uma bela biblioteca.
Mas, quando comparamos a determinadas faculdades particulares, não há tanta perda, apesar de permanecer a idealização, por parte do aluno, do curso presencial. Mas, a este, nem todos terão acesso. O curso a distância vem adquirindo status no processo de inclusão social. Só não sei como o mercado de trabalho está aceitando-os.

FOLHA - Essa seria uma alternativa mais barata de incluir o brasileiro na universidade pública?
BARREIRO
- Talvez até se possa definir dessa forma (risos). A sociedade está diante de um outro modelo de educação. É preciso procurar melhorar esse modelo, e os cursos presenciais nem sempre são inclusivos. E a demanda é grande tanto pelos cursos presenciais quanto pela educação a distância.

FOLHA - Que métodos funcionam bem na transposição de conteúdos do curso tradicional para o remoto?
BARREIRO
- Participei de um programa de formação continuada de professores -proposto pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com USP, Unesp e Pontifícia Universidade Católica (SP)- com uma parte presencial e uma parte à distância, tendência que tem crescido cada vez mais.
Foi usado um material impresso bastante didático. Não eram conteúdos grandes, não era leitura de livros. Havia questões acessíveis pela internet, acompanhadas de imagens -foram eficientes para a desmistificação de preconceitos e estereótipos, por exemplo, ou para a reconstituição histórica da cidade de São Paulo. As respostas eram encaminhadas aos professores participantes do programa, que as comentavam.
Outras ferramentas que funcionaram bem foram as videoconferências -por exemplo, o diálogo entre as alunas de Santo André (SP) e nós, em Assis. Houve também as grandes teleconferências transmitidas pela TV Cultura.

FOLHA - Cursos mistos de aulas presenciais e ensino a distância não seriam, na verdade, uma modalidade precária de escola?
BARREIRO
- Às vezes o próprio ensino presencial é pobre. No ensino a distância, os professores já se defrontam com essas questões, sobre como lidar com os meios de comunicação, dessa forma ficando mais bem preparados até para a sala de aula.
Os professores têm medo de serem substituídos pelas máquinas. Mas é preciso reinventar as práticas de sala de aula; há muita resistência dos docentes a outros horizontes.

FOLHA - A internet, com seus sites que oferecem trabalhos prontos, atrapalha?
BARREIRO
- Se o professor tem medo, cabe a ele fazer uma avaliação inteligente.

FOLHA - Mas no ensino a distância esse risco é ampliado, não?
BARREIRO
- Acredito que seja. Há também a questão da escolha do curso. Há cópias, clones das grandes universidades, cursos picaretas. O cidadão deve se valer das informações para fazer a escolha.
E uma questão de fundo disso tudo é a melhoria da educação básica. O índice dos alunos que de fato saem sabendo fazer contas e entender o que leram é baixíssimo.
É preciso educação básica consistente para que os alunos possam ter condições de discernimento nesse mercado que só tende a crescer: as tecnologias, os cursos virtuais e as enganações que existem hoje.


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