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Lições de casa
Chefe do departamento de educação da Unesp,
uma das universidades que irão adotar
o ensino a distância, Iraíde Marques Barreiro
aponta o risco de colonização cultural
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
O ensino superior
público paulista,
pressionado pela
demanda por vagas, acena com
uma alternativa prática para o
estudante e que não requer novas escolas: o ensino a distância. Entre as mais prestigiadas
instituições do país, a Unesp
(Universidade Estadual Paulista) e a UFSCar (Universidade
Federal de São Carlos) já organizam cursos de graduação a
distância para 2007.
A UFSCar anunciou que serão oferecidas 1.950 vagas dessa modalidade no próximo ano,
enquanto a Unesp ainda não
detalhou como será implantada a proposta.
A chefe do departamento de
educação da Unesp, em Assis,
Iraíde Marques Barreiro, diz
que não está entre maiores entusiastas dessa modalidade de
ensino. Contudo defende, em
entrevista à Folha, a criação de
cursos a distância de qualidade
nas universidades públicas
-para que estas instituições
não fiquem "para trás".
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FOLHA - Como vê a adoção do ensino a distância por universidades de
prestígio como a Unesp e a UFSCar?
IRAÍDE MARQUES BARREIRO - Participei da discussão na Unesp sobre a proposta de instituir cursos de educação a distância.
Acho que não há como fugir.
Dizer "não" é ficar atrás do andamento da história.
O que é necessário é ter uma
exigência maior, mais controle
de qualidade e fazer com que a
educação a distância também
se volte para a pesquisa, como
em toda universidade pública.
Como serão criadas as ferramentas para tanto é um desafio
para quem propõe os cursos.
FOLHA - Com "ficar para trás", a senhora sugere que não defende a
educação a distância como uma
causa em si, mas como resposta a
uma demanda?
BARREIRO - Há uma demanda.
Universidades de outros países
querem criar cursos desse tipo
no Brasil; seríamos novamente
colonizados, dessa vez virtualmente. Existem muitas preocupações e cuidados em relação
ao ensino a distância, e as universidades públicas vão ter de
primar pela qualidade.
FOLHA - Em cursos de nível superior, que são essencialmente mais
científicos e mais interpretativos,
poucas atividades em classe não podem deixar o aluno desamparado?
BARREIRO - Não faço uma defesa
incondicional dos cursos de
educação a distância. Eles requerem muito mais iniciativa
do aluno em buscar seu caminho -mas isso é também mais
instigante.
Quando analisamos a formação acadêmica, o que é uma
universidade -universidade
pública, especialmente-, o aluno do curso a distância perde,
pois não tem a mesma vivência
-como um belo campus, uma
bela biblioteca.
Mas, quando comparamos a
determinadas faculdades particulares, não há tanta perda,
apesar de permanecer a idealização, por parte do aluno, do
curso presencial. Mas, a este,
nem todos terão acesso.
O curso a distância vem adquirindo status no processo de
inclusão social. Só não sei como
o mercado de trabalho está
aceitando-os.
FOLHA - Essa seria uma alternativa
mais barata de incluir o brasileiro na
universidade pública?
BARREIRO - Talvez até se possa
definir dessa forma (risos). A
sociedade está diante de um
outro modelo de educação. É
preciso procurar melhorar esse
modelo, e os cursos presenciais
nem sempre são inclusivos. E a
demanda é grande tanto pelos
cursos presenciais quanto pela
educação a distância.
FOLHA - Que métodos funcionam
bem na transposição de conteúdos
do curso tradicional para o remoto?
BARREIRO - Participei de um
programa de formação continuada de professores -proposto pela Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo, em
parceria com USP, Unesp e
Pontifícia Universidade Católica (SP)- com uma parte presencial e uma parte à distância,
tendência que tem crescido cada vez mais.
Foi usado um material impresso bastante didático. Não
eram conteúdos grandes, não
era leitura de livros. Havia
questões acessíveis pela internet, acompanhadas de imagens
-foram eficientes para a desmistificação de preconceitos e
estereótipos, por exemplo, ou
para a reconstituição histórica
da cidade de São Paulo.
As respostas eram encaminhadas aos professores participantes do programa, que as comentavam.
Outras ferramentas que funcionaram bem foram as videoconferências -por exemplo, o
diálogo entre as alunas de Santo André (SP) e nós, em Assis.
Houve também as grandes teleconferências transmitidas pela
TV Cultura.
FOLHA - Cursos mistos de aulas
presenciais e ensino a distância não
seriam, na verdade, uma modalidade precária de escola?
BARREIRO - Às vezes o próprio
ensino presencial é pobre. No
ensino a distância, os professores já se defrontam com essas
questões, sobre como lidar com
os meios de comunicação, dessa forma ficando mais bem preparados até para a sala de aula.
Os professores têm medo de
serem substituídos pelas máquinas. Mas é preciso reinventar as práticas de sala de aula;
há muita resistência dos docentes a outros horizontes.
FOLHA - A internet, com seus sites
que oferecem trabalhos prontos,
atrapalha?
BARREIRO - Se o professor tem
medo, cabe a ele fazer uma avaliação inteligente.
FOLHA - Mas no ensino a distância
esse risco é ampliado, não?
BARREIRO - Acredito que seja.
Há também a questão da escolha do curso. Há cópias, clones
das grandes universidades, cursos picaretas. O cidadão deve se
valer das informações para fazer a escolha.
E uma questão de fundo disso tudo é a melhoria da educação básica. O índice dos alunos
que de fato saem sabendo fazer
contas e entender o que leram é
baixíssimo.
É preciso educação básica
consistente para que os alunos
possam ter condições de discernimento nesse mercado que
só tende a crescer: as tecnologias, os cursos virtuais e as enganações que existem hoje.
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