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Artaud, um mito em revisão
Mostra e livros defendem loucura do artista como forma de alienação e rechaçam interpretações anarquistas
PATRICK KÉCHICHIAN
Chegou a hora de
abandonar diversas
das imagens vinculadas ao nome de Antonin Artaud. Não
para que esse nome venha a ser
reintroduzido na história da literatura bem-pensante do século 20, mas para desemaranhar a confusão entre o verdadeiro poder de subversão de
seu trabalho e o mito que este
terminou por gerar.
Um dos efeitos dessa fascinação foi não perceber a loucura
de Artaud, acima de tudo, como
forma de alienação e sofrimento, mas como puro poder de
criação e anarquia.
A extraordinária singularidade de Artaud se viu, por isso,
diluída de maneira severa, em
prol da generalização sem contornos e também dos grupos
que dela se apropriaram: os
praticantes da antipsiquiatria,
os rebeldes do Maio de 68 ou os
poetas da geração beat.
Chegou a hora de avaliar essa
perturbação de maneira consciente, deixando de lado o fanatismo e as imprecações que
imitam de maneira estéril a atitude do poeta.
Em relativamente pouco
tempo, com brilhantismo incomparável, Artaud propôs como necessidade absoluta a integração entre seu eu -ou os
seres em geral- e a literatura.
O primeiro ato foi sua correspondência com Jacques Rivière, diretor-geral da "Nouvelle
Revue Française", publicada
em 1924 -testemunho de impotência e prova de uma "lucidez absolutamente anormal".
Modelo de lucidez
Todos os escritos que viriam
posteriormente, quer fossem
marcados pela loucura, quer
não, seriam invariavelmente
exemplos da mesma terrível lucidez. Quando da publicação de
"L'Ombilic des Limbes" [O
Umbílico dos Limbos], em
1925, Roger Vitrac já sublinhava o fato de que "a cadeira jamais esteve postada tão longe
da exploração do pensamento".
Uma avaliação que se aplica a
toda a obra de Artaud.
A notável edição das obras
coligidas do escritor, em 2004
[ed. Gallimard], com edição de
Evelyne Grossman, permitiu
que retornássemos aos livros e
aos textos em si, esclarecidos
por uma seleção ponderada de
cartas e documentos.
A exposição da Biblioteca
Nacional francesa, em Paris,
sobre Artaud e a grande biografia de Florence de Mèredieu
("C'Était Antonin Artaud", Isto
Era Antonin Artaud, ed. Fayard, 1.090 págs., 35, R$ 101)
constituem as outras peças
desse processo que poderia ser
definido como "reabilitação".
A elas devemos acrescentar
um ensaio inédito e inacabado
de Paule Thévenin ("Antonin
Artaud - Fin de l'Ère Chrétienne", O Fim da Era Cristã, ed.
Ligne/Léo Scheer, 300 págs.,
19, R$ 55).
Eletrochoques
Thévenin aborda a questão
do relacionamento entre Artaud, o surrealismo e André
Breton. Mèridieu se baseia no
trabalho de Michel Foucault
para analisar as relações entre
Artaud, a psiquiatria e as instituições de saúde mental bem
como o papel dos psiquiatras e
de suas mulheres!
Desde os 17 anos de idade, em
1914, em Marselha, o jovem Artaud começou a sentir os primeiros sintomas de sua doença.
"A catástrofe da guerra correspondeu, para mim, a uma catástrofe íntima do ser, a uma
desorientação da sexualidade",
explicaria o poeta em 1945, ao
final de uma nova guerra passada em hospícios, em Ville-Evrard e Rodez, onde recebeu
tratamento por eletrochoque.
Foi em sua enfermidade que
Artaud lançou "feitiços" e "sortilégios" contra diversas pessoas, entre as quais "Hitler,
chanceler do Reich", para exorcizar as maldições que elas representavam.
O contexto familiar (mais positivo do que se costumava retratar) e as afiliações literárias
de Artaud são analisados com
igual atenção aos detalhes. Nos
dois casos, não se pode afirmar
que Artaud tenha surgido do
nada. Um dos méritos do trabalho de Mèredieu é garantir que
nos lembremos disso. E essa
constatação em nada diminui a
estatura do escritor.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
francês podem ser encomendados
no site www.alapage.com
NO BRASIL - Traduções de Artaud
disponíveis: "O Teatro e Seu Duplo" (ed. Martins Fontes), "Linguagem e Vida" (ed. Perspectiva) e
"Van Gogh -O Suicida da Sociedade" (ed. José Olympio).
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