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A difusão de um clássico
Estudos de "Hannah Arendt - Pensamento, Persuasão e Poder", de Celso Lafer, mostram a centralidade do conceito de liberdade na reflexão da filósofa alemã
Newton Bignotto
especial para a Folha
A primeira publicação de "Hannah Arendt - Pensamento, Persuasão e Poder", de Celso Lafer,
data de 1979. Arendt era então
uma filósofa praticamente desconhecida
no Brasil, citada apenas por uns poucos
intelectuais, que haviam tomado contato
com seus escritos em inglês ou por meio
das traduções de algumas de suas obras,
empreendidas graças aos esforços do
próprio Lafer junto aos editores brasileiros. Os capítulos publicados na primeira
versão, correspondentes à primeira parte da atual, fornecem ao leitor um panorama amplo e claro do percurso da pensadora. Tomando como ponto de apoio
seu conhecimento dos escritos de
Arendt (1906-1975) e dados colhidos em
contatos pessoais, o autor percorre os caminhos que levaram a filósofa das universidades alemãs do começo do século
20 aos campi americanos com clareza e
rigor.
Tradição filosófica
O ponto alto
dessa parte do livro está no fato de que
Lafer soube expor os aspectos fortes do
pensamento arendtiano conservando o
frescor de suas relações com a tradição
filosófica na qual ela foi formada e o vigor de sua interrogação sobre seu tempo.
Ao insistir no papel que o conceito de liberdade tem na filosofia de Arendt, ele
ofereceu ao leitor uma chave para a compreensão de um percurso que nem sempre é fácil de discernir.
Essa chave era essencial à época, sobretudo porque, nos quadros do acirrado
debate ideológico que dominava os confrontos de intelectuais no Brasil, o pensamento de Arendt parecia estranho, ou
mesmo sem lugar.
Difícil de ser apreendida dentro dos
muitos "ismos" em voga, ela corria o risco de ser rejeitada por não pertencer a
nenhum dos campos, embora muitos insistissem em classificá-la como uma
pensadora conservadora. Lafer recusa
todos os rótulos e mostra que o essencial
da trajetória teórica de Arendt é o fato de
que, ao recuperar a dimensão política da
liberdade, ela abriu as portas para uma
reflexão inovadora sobre a ação e a participação no mundo público.
A segunda parte é composta por textos
escritos nos últimos anos. A linguagem
permanece clara e direta, mas o leitor pode se decepcionar com as repetições, como quando são analisados os critérios
segundo os quais a pensadora pode ser
considerada um clássico do século 20.
Escritos em circunstâncias diversas, os
capítulos nem sempre servem para introduzir o leitor nos caminhos principais
da obra da autora, embora alguns deles
toquem em temas importantes, como é o
caso dos direitos humanos.
Ao final do volume o autor lista não
apenas as traduções das obras de Arendt
para o português, mas também as obras
consagradas a ela em nossa língua. Pena
que esses textos, assim como outros importantes comentários, como é o caso
dos escritos de Taminiaux, sejam pouco
utilizados ao longo do livro. O recurso a
essas fontes enriqueceria em muito a segunda parte, sobretudo diante das profundas mudanças ocorridas no panorama filosófico nacional e internacional
nos últimos anos e que permitem uma
nova avaliação das contribuições da pensadora.
Arendt x Berlin
As referências autobiográficas da nova edição são saborosas
e completam aquelas da primeira parte.
É bastante instigante o capítulo sobre a
relação de Arendt com Isaiah Berlin, um
pensador liberal, que declarava abertamente não gostar da filósofa. Lafer escolhe com propriedade o tema do juízo em
sua formulação kantiana para mostrar
um traço de união entre os dois pensadores, abrindo com isso uma via diferente para a interpretação de alguns aspectos da relação da pensadora com os
meios intelectuais que a acolheram.
No contexto atual dos debates sobre a
natureza das sociedades políticas, teria
sido produtivo mostrar também as profundas diferenças que os separam. Ao tomar dois escritores do campo democrático, pode o leitor servir-se de um antagonismo conhecido para esclarecer alguns traços essenciais da oposição entre
liberais e republicanos. A dificuldade de
classificar Arendt sentida anos atrás continua, mas a exposição de suas filiações,
assim como dos caminhos que descortinou para além de seus círculos imediatos, é uma tarefa importante para os que
se ocupam com a difusão da obra da
pensadora.
Decorridos mais de 20 anos, a publicação de uma segunda edição do livro é
oportuna, uma vez que serve até hoje como uma boa introdução ao pensamento
arendtiano.
Newton Bignotto é professor de filosofia política
na Universidade Federal de Minas Gerais e autor
de, entre outros, "O Tirano e a Cidade" (Discurso
Editorial) e "Origens do Republicanismo Moderno"
(Editora da UFMG).
Hannah Arendt - Pensamento,
Persuasão e Poder
197 págs., R$ 19,50
de Celso Lafer. Ed. Paz e Terra (r. do Triunfo, 177,
CEP 01212-010, SP, tel. 0/xx/11/3337-8399).
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