São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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+ 3 questões Sobre ópera

1. Por que se montam tão poucas óperas no Brasil?
2. O que enraíza a ópera nas tradições culturais de um país?
3.Como aproximá-la das novas gerações?

Fernando Bicudo
responde

1.
Principalmente a falta de política, de patriotismo e o desamor. Desde o impiedoso genocídio cultural promovido por Collor, a nossa cultura entrou em decadência, inclusive com a extinção da maior dádiva que a nossa classe artística já recebeu, a Lei Sarney. A atual suposta Lei Federal de Incentivo à Cultura nada mais é do que a Lei Rouanet do Collor, que hoje mais atrapalha do que ajuda. Nos áureos anos da Lei Sarney, de 84 a 89, consegui montar 31 óperas no Municipal do Rio de Janeiro, com média de 12 récitas cada. Hoje, o Ministério da Cultura/Funarte, para piorar, prefere dar milhões para montagens de óperas na Bulgária. De 96 a 98, o povo brasileiro financiou viagens anuais pelo Brasil de técnicos, solistas, coro e orquestra da Ópera da Bulgária e gravação de três CDs e três vídeos. Após esse absurdo, em 99, uma cooperativa cultural sem fins lucrativos, a Ópera Brasil, não conseguiu nenhuma verba do Ministério da Cultura/Funarte para sua versão nacional de "O Escravo", de Carlos Gomes (1836-1896), que empregou mais de 500 criadores e artistas do Brasil e promoveu inédita e vitoriosa turnê por capitais de todas as regiões brasileiras. Também falta aos teatros de ópera se unirem em co-produções para baratear custos, ampliar temporadas e abrir mercado para nossos artistas.

2.
A ópera é a síntese das artes, a mais cara. Mas não deve ser elitista. Só sobrevive, em todo o mundo, com recursos dos governos, que devem promover programas educacionais, formação de platéia e apresentações ao ar livre. Como fizemos, em 1986, na quinta da Boa Vista no Rio, apresentando "Aída", de Verdi (1813-1901), completa, com cenários e de graça, para um público ainda recorde de meio milhão de pessoas.

3.
Criando novidades, alternando versões tradicionais com arrojadas. A primeira vez em que se usou raio laser em iluminação no Brasil foi na minha versão de "Orfeu e Eurídice", de Gluck, em 84. Criei polêmica ao lançar o Gerald Thomas como diretor de ópera em "O Navio Fantasma", de Wagner; "Madame Butterfly", de Tomie Ohtake, e "Ariadne auf Naxos", de Ana Carolina e Burle Marx. Introduzi no Brasil o uso das legendas em ópera. Pensar ópera como música e teatro total.


Júlio Medaglia
responde

1.
Faz-se pouca ópera no Brasil porque o gênero envolve uma estrutura de produção muito grande e cara. São maestros, encenadores, cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, solistas, coro, orquestra, balé, ensaiadores, carpinteiros, costureiras, maquinistas, chefias várias, assistentes etc., além de empresários captadores de patrocínios. Para que haja rotina e agilidade de produção operística, é necessário que esse batalhão de profissionais superqualificados faça parte fixa de nossos teatros, o que infelizmente não ocorre. Assim sendo, a cada tentativa de produção de uma ópera, o "tour de force" é gigantesco, a seleção e busca desse exército e compra de materiais são estressantes e os custos altíssimos, o que inviabiliza a maior presença do gênero em nossa vida cultural.

2.
Por ser um espetáculo multicultural, a ópera tem se prestado a retratar componentes históricos de países com grande alegoria, algumas delas se tornando verdadeiros símbolos pátrios. Ao musicalizar lendas germânicas -antes da existência da própria Alemanha-, Wagner pretendia fazer de sua música um símbolo étnico. Algo semelhante ocorreu com Verdi na época das disputas regionais que resultaram na unificação da Itália, quando sua música era quase panfletária, ou com Carlos Gomes que, falando o idioma musical-dramatúrgico universal da época, o operismo italiano, não só homenageou seu país, abordando a saga da miscigenação, como, pelo sucesso enorme de sua obra, fez o Brasil se tornar mais conhecido. Independentemente do sentido quase sempre trágico das óperas, há também a opereta, que, com bom humor e senso crítico, se torna uma verdadeira crônica de costumes de épocas, portanto igualmente importante historicamente e culturalmente.

3.
O brasileiro perdeu o hábito de curtir o teatro musicado. Se se fizesse um grande projeto de sensibilização coletiva para o gênero, talvez se pudessem montar inicialmente os musicais brasileiros (tipo Chiquinha Gonzaga), depois as grandes óperas e musicais, cantadas em português. Em seguida, óperas que poderiam ser traduzidas para serem compreendidas -algumas delas se prestam a isso sem se tornarem ridículas- e, por fim, as grandes óperas em idioma original com legendas em português.
QUEM SÃO

Fernando Bicudo
É diretor-geral do Teatro Arthur Azevedo, em São Luís (MA), tendo montado, entre outras, a ópera "O Escravo", de Carlos Gomes.

Júlio Medaglia
É diretor artístico e regente titular do Teatro Municipal de São Paulo, criador da Amazonas Filarmônica, em Manaus, e autor de "Música Impopular" (Editora Globo).

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