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Utopias de prancheta
Universalismo é o calcanhar-de-aquiles do urbanismo modernista, dizem especialistas
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O
concreto de Brasília e de Chandigarh, a cidade indiana desenhada
por Le Corbusier,
ainda estava fresco quando
uma das mais fortes críticas ao
urbanismo modernista foi publicada.
Em seu livro "Morte e Vida
de Grandes Cidades" (1961,
lançado no Brasil pela Martins
Fontes), a jornalista americana
Jane Jacobs critica a idéia das
cidades-jardim e das metrópoles ordenadas e setorizadas
imaginadas pelos modernistas.
Apesar de se referir aos projetos arrasa-quarteirão que
substituíram os velhos centros
de grandes cidades norte-americanas por arranha-céus, viadutos e vias expressas, Jacobs
acaba atacando o planejamento modernista.
A americana, inspirada pela
Nova York em que morava, defende a densidade das metrópoles, a calçada como ponto de
encontro, a mistura de funções
no mesmo quarteirão - prédios para morar e trabalhar,
com lojas e bares nos térreos,
criando vizinhanças vivas a
qualquer horário ou dia.
O "caos" da cidade tradicional contra a organização e a
monumentalidade das novas
cidades. O sucesso das teses de
Jacobs praticamente decretou
o envelhecimento precoce desse novo urbanismo.
"Concordo com Jacobs que
as cidades mais vitais são aquelas que crescem acumulando
uma necessária mistura de
usos e usuários por extensos
períodos de tempo", diz a urbanista americana Sarah Ichioka,
professora da London School
of Economics.
"O modernismo apresentou
modelos universais, incompatíveis com aspectos locais, como clima e cultura", diz o arquiteto croata Marko Brajovic,
professor do Instituto Europeo
di Design, de São Paulo.
"Hoje em dia não se pode
mais pensar em desenhar uma
cidade de fora, com gestos de
tal escala, sem pensar a evolução desde seu interior, de seu
metabolismo", diz.
Um mundo mais justo
O que é consenso entre os especialistas ouvidos pela Folha
é o lado positivo da utopia
-afinal, modernistas acreditavam que a arquitetura e o urbanismo determinariam o comportamento das pessoas e teriam o poder de criar um mundo mais justo.
"Brasília pode ser vista como
uma capital utópica de um país
socialista, que seria mais rico e
mais justo", diz Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial
(RJ) e autor de "Moderno e
Brasileiro" (ed. Jorge Zahar).
Mas sua inauguração foi seguida por inflação, recessão,
golpe militar e ditadura. A utopia das pranchetas foi atropelada em pouco tempo. "Brasília
leva a culpa por problemas que
são do Brasil, não só dela, como
a favelização, o crescimento
desordenado, a pobreza e a
feiúra", diz Cavalcanti.
O crítico André Correa do
Lago, membro do conselho do
departamento de arquitetura
do Museu de Arte Moderna de
Nova York (MoMa), diz que
Brasília "não é o futuro, representa uma época", e cita várias
soluções ainda vigentes.
"Muitos bairros novos de
Brasília tentam seguir o espírito das superquadras. É uma experiência rara, onde 100% do
piso é espaço público. O privado fica acima dos pilotis (colunas). Embaixo, nesses térreos
abertos, as crianças podem
brincar protegidas da chuva e
as pessoas podem passar por
baixo, sem precisar contornar a
construção", diz.
"Brasília tem essa ocupação
do terreno que é irrepetível hoje no Brasil por conta da especulação imobiliária. Qualquer
cidade brasileira que cresceu
no mesmo período é pior que
Brasília. Em uma rua residencial de São Paulo duas casas são
destruídas para se construir
um prédio de 15 andares, sem
medir o impacto."
Outros conceitos muito criticados à época ainda são repetidos. "É irônico que opositores
ao modernismo repitam que
quando uma área da cidade é
disfuncional, o melhor é destruir tudo e construir a partir
do zero. Vários conjuntos habitacionais modernistas têm sido
destruídos na Europa", lembra
a urbanista Ichioka.
"Outra idéia que sobrevive é
a presunção de que um arquiteto iluminado pode criar uma
cidade socialmente perfeita de
uma tacada. Vários projetos de
grandes astros da arquitetura
seguem essa idéia", diz.
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