São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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+ Literatura

Crítica de precisão

O escritor sul-africano e Prêmio Nobel J.M. Coetzee disseca a arte da narração em Faulkner, Beckett, Philip Roth e outros

JUSTIN CARTWRIGHT

I nner Workings" [Mecanismos Internos, ed. Harvill Secker, 320 págs, 17,99 libras, R$ 73] é uma coletânea de ensaios e crítica literária do mais alto nível. É um exame minucioso do modo como trabalham os escritores e do contexto histórico-cultural em que trabalham, imbuído de uma ampla compreensão de suas influências e preocupações. Também é uma visão de como funciona a mente de Coetzee, os temas que mais lhe interessam e os escritores que o influenciaram de algum modo. Em quase todos esses ensaios, que vão de Italo Svevo a Saul Bellow -são 21 ao todo-, encontro algumas pistas significativas sobre o que Coetzee aprecia, e agora realmente sinto ter uma compreensão muito melhor de seu romance "Slow Man" [Homem Vagaroso], devido ao ensaio que escreve sobre Philip Roth. Mas vamos começar pelo começo. Quando ele discute autores europeus como Italo Svevo e Robert Walser, vemos a linha condutora dos ensaios: os distúrbios na Europa do início do século 20 e as conseqüências do deslocamento, do exílio e, especialmente para os judeus, dos horrores do nazismo.

Os efeitos da tradução
Tudo isso tem ressonâncias óbvias para os sul-africanos. Mas também vemos como a tradução é importante para Coetzee. Ele examina determinadas frases em italiano, alemão e francês, as dificuldades de traduzir dialetos, as mudanças nas premissas culturais sobre tradução, o uso de coloquialismos, que freqüentemente caem em desuso, e os efeitos sutis e não tão sutis das ênfases e excisões dos tradutores.
Coetzee lida com um de meus autores preferidos, [o alemão] W.G. Sebald, citando como frase dele: "Se nos olharmos de uma grande altura, é assustador perceber quão pouco sabemos de nossa espécie, nosso propósito e nosso fim". E, Coetzee acrescenta, um rodopio da mente é o que acontece quando nos vemos do ponto de vista de Deus.
Está razoavelmente óbvio em "Desonra", "Elizabeth Costello" [ambos pela Cia. das Letras] e "Homem Vagaroso" que Coetzee considera ridículas muitas das premissas metafísicas por trás do racionalismo. Sua preocupação com os direitos dos animais, tema de "Elizabeth Costello", se deve tanto à arrogância e à cegueira dessas premissas quanto ao interesse pelo destino dos bichos. Mas o ensaio sobre "Complô contra a América" [Companhia das Letras] de Philip Roth foi para mim a chave, para usar uma das palavras favoritas de Coetzee, da compreensão de "Homem Vagaroso".

Tudo é ficção
Em "Homem Vagaroso", a personagem chamada Elizabeth Costello, uma romancista australiana idosa, chega do romance "Elizabeth Costello" e parece estar escrevendo a vida do "Homem Vagaroso" ou nos dizendo que, de todo modo, tudo é ficção. Agora penso que "Homem Vagaroso" é um convite para criarmos nosso próprio significado, uma justificativa da idéia de que a poesia é mais verdadeira que a história.
Poucos discordariam de que, em relação à África do Sul, as memórias de Coetzee foram muito mais "verdadeiras" do que os romances mais obviamente políticas de qualquer outro escritor. Outros ensaios, sobre Bellow, Naipaul, Celan, Beckett, Faulkner e Gordimer, são todos da mesma alta qualidade. Ao contrário de muitas coletâneas de jornalismo, este livro será lido e apreciado por qualquer pessoa que se interesse pelos mecanismos internos da literatura, ao longo de décadas.


A íntegra deste texto saiu no "Independent". Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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