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+ Literatura
Crítica de precisão
O escritor sul-africano e Prêmio Nobel J.M. Coetzee disseca a arte da narração em Faulkner, Beckett, Philip Roth e outros
JUSTIN CARTWRIGHT
I
nner Workings" [Mecanismos Internos, ed. Harvill Secker, 320 págs,
17,99 libras, R$ 73] é uma
coletânea de ensaios e crítica literária do mais alto nível.
É um exame minucioso do
modo como trabalham os escritores e do contexto histórico-cultural em que trabalham,
imbuído de uma ampla compreensão de suas influências e
preocupações.
Também é uma visão de como funciona a mente de Coetzee, os temas que mais lhe interessam e os escritores que o influenciaram de algum modo.
Em quase todos esses ensaios, que vão de Italo Svevo a
Saul Bellow -são 21 ao todo-,
encontro algumas pistas significativas sobre o que Coetzee
aprecia, e agora realmente sinto ter uma compreensão muito
melhor de seu romance "Slow
Man" [Homem Vagaroso], devido ao ensaio que escreve sobre Philip Roth.
Mas vamos começar pelo começo. Quando ele discute autores europeus como Italo Svevo
e Robert Walser, vemos a linha
condutora dos ensaios: os distúrbios na Europa do início do
século 20 e as conseqüências
do deslocamento, do exílio e,
especialmente para os judeus,
dos horrores do nazismo.
Os efeitos da tradução
Tudo isso tem ressonâncias
óbvias para os sul-africanos.
Mas também vemos como a
tradução é importante para
Coetzee.
Ele examina determinadas
frases em italiano, alemão e
francês, as dificuldades de traduzir dialetos, as mudanças nas
premissas culturais sobre tradução, o uso de coloquialismos,
que freqüentemente caem em
desuso, e os efeitos sutis e não
tão sutis das ênfases e excisões
dos tradutores.
Coetzee lida com um de
meus autores preferidos, [o alemão] W.G. Sebald, citando como frase dele: "Se nos olharmos de uma grande altura, é assustador perceber quão pouco
sabemos de nossa espécie, nosso propósito e nosso fim". E,
Coetzee acrescenta, um rodopio da mente é o que acontece
quando nos vemos do ponto de
vista de Deus.
Está razoavelmente óbvio
em "Desonra", "Elizabeth Costello" [ambos pela Cia. das Letras] e "Homem Vagaroso" que
Coetzee considera ridículas
muitas das premissas metafísicas por trás do racionalismo.
Sua preocupação com os direitos dos animais, tema de
"Elizabeth Costello", se deve
tanto à arrogância e à cegueira
dessas premissas quanto ao interesse pelo destino dos bichos.
Mas o ensaio sobre "Complô
contra a América" [Companhia
das Letras] de Philip Roth foi
para mim a chave, para usar
uma das palavras favoritas de
Coetzee, da compreensão de
"Homem Vagaroso".
Tudo é ficção
Em "Homem Vagaroso", a
personagem chamada Elizabeth Costello, uma romancista
australiana idosa, chega do romance "Elizabeth Costello" e
parece estar escrevendo a vida
do "Homem Vagaroso" ou nos
dizendo que, de todo modo, tudo é ficção.
Agora penso que "Homem
Vagaroso" é um convite para
criarmos nosso próprio significado, uma justificativa da idéia
de que a poesia é mais verdadeira que a história.
Poucos discordariam de que,
em relação à África do Sul, as
memórias de Coetzee foram
muito mais "verdadeiras" do
que os romances mais obviamente políticas de qualquer
outro escritor.
Outros ensaios, sobre Bellow, Naipaul, Celan, Beckett,
Faulkner e Gordimer, são todos
da mesma alta qualidade.
Ao contrário de muitas coletâneas de jornalismo, este livro
será lido e apreciado por qualquer pessoa que se interesse
pelos mecanismos internos da
literatura, ao longo de décadas.
A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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