São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Ponto de Fuga

Imagens que são pinturas


Pelas diferenças, pelas semelhanças, o paralelismo entre Miguel Gontijo e Nelson Maravalhas revela sensibili-dades contempo-râneas expressivas


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Foi publicado, em Belo Horizonte, um livro grande e bonito, dedicado a Miguel Gontijo. O patrocinador, graças a leis de incentivo à cultura (ou seja, com dinheiro público), é a companhia Vallourec & Mannesmann do Brasil. Deve ser um desses brindes destinados a clientes importantes, que as firmas poderosas distribuem no final do ano. Se for assim, não será encontrado no comércio. No caso, seria uma pena.
Reúne excelentes reproduções de uma obra com altas qualidades. Seu título é: "Miguel Gontijo, Pintura Contaminada". São acordes ácidos, dissonantes, operados entre imaginação, memória pessoal ou coletiva e domínio pictórico. Desdobra referências irônicas a grandes artistas.
Formam pesadelos incertos, mas coesos, não desprovidos de beleza. Sugerem simbolismos indecifráveis, a não ser, talvez, para o próprio artista. Mas é melhor que ele não explique os enigmas, pois assim destruiria aquilo que permanece, para o espectador, como interrogação poética.
Ao percorrer as diversas páginas, vem à mente outro pintor cuja grandeza do imaginário apresenta certa afinidade com a de Gontijo. Trata-se de Nelson Maravalhas. Gontijo está em Belo Horizonte, Maravalhas, em Brasília. Um e outro são pintores, plenamente pintores, apesar de suas incursões na produção de objetos artísticos. Mesmo estes, porém, derivam da pintura.
O paralelismo entre ambos, pelas diferenças, pelas semelhanças, revela sensibilidades contemporâneas expressivas.

Telas
Nelson Maravalhas e Miguel Gontijo pintam imagens veementes. Submetem o amor do ofício a representações de poder significante. Gontijo é aristocrata. Multiplica detalhes minuciosos, que insere em composições desenvoltas e seguras. A maneira insistente pela qual traz a história da arte para sua obra mostra que, por mais irônicas que sejam suas intenções, há um claro desejo de se dispor a si próprio como pertencente à magnífica dinastia de referências.
É bem evidente que não acredita nos gestos artísticos imateriais, que já tiveram seu tempo de sucesso, esgotaram-se e encontraram seu apogeu local, bem tardio, na provinciana e patética "Bienal do Vazio".
Gontijo recobre telas com arte. Numa delas, intitulada "Código de Barras", pinta sete fileiras horizontais superpostas de fósforos, queimados ou por queimar, inserindo na de baixo a seguinte frase: "Conte os palitos e verá um lindo quadro contemporâneo". Maravalhas também é um verdadeiro pintor, mestre de um imaginário forte.
Mais direto que Gontijo, explora a aspereza dos confrontos em que insetos gigantescos se digladiam, em que mulheres nuas cegam homens frágeis com foices. Seus quadros incorporam obscuras alusões a estranhas racionalidades, prometidas e nunca reveladas.

Carícias
Maravalhas aflora, com uma luz falsamente homogênea, falsamente discreta, segura e ácida de fato, seus personagens perdidos em situações impossíveis e paradoxais (por vezes sexualmente incertos, ambíguos, mais que ambíguos); seus escorpiões, suas aranhas enormes, que tomam a superfície inteira do quadro.

Pancadas
Há cenas muito violentas na arte de Maravalhas. Seu "Holofernes & Judite", duelo apocalíptico dentro da guerra dos sexos, é um pesadelo que esmaga o espectador. Mas nem precisa ir tão longe: consegue uma intensidade desesperada e apavorante mesmo em cenas falsamente tranquilas. (Para ver as obras: www.maravalhas.com.br; www.miguelgontijo.com)

jorgecoli@uol.com.br


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