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Ponto de Fuga
Imagens que são pinturas
Pelas diferenças, pelas semelhanças, o paralelismo entre Miguel Gontijo e Nelson Maravalhas revela sensibili-dades contempo-râneas expressivas
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Foi publicado, em Belo Horizonte, um livro grande e
bonito, dedicado a Miguel
Gontijo. O patrocinador, graças
a leis de incentivo à cultura (ou
seja, com dinheiro público), é a
companhia Vallourec & Mannesmann do Brasil. Deve ser
um desses brindes destinados a
clientes importantes, que as
firmas poderosas distribuem
no final do ano. Se for assim,
não será encontrado no comércio. No caso, seria uma pena.
Reúne excelentes reproduções de uma obra com altas
qualidades.
Seu título é: "Miguel Gontijo,
Pintura Contaminada". São
acordes ácidos, dissonantes,
operados entre imaginação,
memória pessoal ou coletiva e
domínio pictórico. Desdobra
referências irônicas a grandes
artistas.
Formam pesadelos incertos,
mas coesos, não desprovidos
de beleza. Sugerem simbolismos indecifráveis, a não ser,
talvez, para o próprio artista.
Mas é melhor que ele não explique os enigmas, pois assim
destruiria aquilo que permanece, para o espectador, como interrogação poética.
Ao percorrer as diversas páginas, vem à mente outro pintor cuja grandeza do imaginário apresenta certa afinidade
com a de Gontijo. Trata-se de
Nelson Maravalhas. Gontijo
está em Belo Horizonte, Maravalhas, em Brasília.
Um e outro são pintores, plenamente pintores, apesar de
suas incursões na produção de
objetos artísticos. Mesmo estes, porém, derivam da pintura.
O paralelismo entre ambos,
pelas diferenças, pelas semelhanças, revela sensibilidades
contemporâneas expressivas.
Telas
Nelson Maravalhas e Miguel
Gontijo pintam imagens veementes. Submetem o amor do
ofício a representações de poder significante.
Gontijo é aristocrata. Multiplica detalhes minuciosos, que
insere em composições desenvoltas e seguras. A maneira insistente pela qual traz a história
da arte para sua obra mostra
que, por mais irônicas que sejam suas intenções, há um claro
desejo de se dispor a si próprio
como pertencente à magnífica
dinastia de referências.
É bem evidente que não acredita nos gestos artísticos imateriais, que já tiveram seu tempo
de sucesso, esgotaram-se e encontraram seu apogeu local,
bem tardio, na provinciana e
patética "Bienal do Vazio".
Gontijo recobre telas com arte. Numa delas, intitulada "Código de Barras", pinta sete fileiras horizontais superpostas de
fósforos, queimados ou por
queimar, inserindo na de baixo
a seguinte frase: "Conte os palitos e verá um lindo quadro contemporâneo".
Maravalhas também é um
verdadeiro pintor, mestre de
um imaginário forte.
Mais direto que Gontijo, explora a aspereza dos confrontos
em que insetos gigantescos se
digladiam, em que mulheres
nuas cegam homens frágeis
com foices. Seus quadros incorporam obscuras alusões a estranhas racionalidades, prometidas e nunca reveladas.
Carícias
Maravalhas aflora, com uma
luz falsamente homogênea, falsamente discreta, segura e ácida de fato, seus personagens
perdidos em situações impossíveis e paradoxais (por vezes sexualmente incertos, ambíguos,
mais que ambíguos); seus escorpiões, suas aranhas enormes, que tomam a superfície
inteira do quadro.
Pancadas
Há cenas muito violentas na
arte de Maravalhas. Seu "Holofernes & Judite", duelo apocalíptico dentro da guerra dos sexos, é um pesadelo que esmaga
o espectador. Mas nem precisa
ir tão longe: consegue uma intensidade desesperada e apavorante mesmo em cenas falsamente tranquilas. (Para ver as
obras: www.maravalhas.com.br; www.miguelgontijo.com)
jorgecoli@uol.com.br
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