São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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+Política

Obama antes da fama


David Remnick, editor da "New Yorker", lança biografia do presidente para entender como ele consegue "mudar de forma"


STEPHANIE CLIFFORD

David Remnick, o editor da revista "The New Yorker", não é homem de desperdiçar uma oportunidade. Em fevereiro do ano passado, após acompanhar o funeral do escritor John Updike [1932-2009], passou pela Escola de Direito da Universidade Harvard para entrevistar alguns dos antigos professores do presidente Barack Obama.
"Escrevi simplesmente para ver se seria capaz de fazê-lo", disse Remnick, 51. "Será que isso ia me interessar ou a sensação seria simplesmente de que esse é um sujeito que fez faculdade de direito... E daí?" Remnick continuou a escrever, e o resultado é seu sexto livro -"The Bridge" [A Ponte].
A biografia se debruça sobre a vida e a identidade racial de Obama, com trechos sobre a política queniana, a tese de doutorado da mãe (sobre o trabalho dos ferreiros na Indonésia) e até mesmo a transcrição de uma gravação de Obama, adolescente, em sessão de piadas com os amigos.
Para Remnick, a questão não era se seria possível escrever o livro e também cuidar da "New Yorker" -alguns cafés dariam conta disso-, mas se sua curiosidade iria perdurar. "É preciso estar incrivelmente interessado, e isso não é algo que acontece a cada cinco minutos." Em "A Ponte", Remnick pareceu se interessar especialmente por Obama como alguém que consegue "mudar de forma", como "Obama conseguia mudar de estilo sem abrir mão de seu caráter genuíno".
Remnick faz reportagens, escreve textos e edita. Ao mesmo tempo, como o objeto de seu livro, aparentemente calmo e focado, Remnick se esforça muito para dar a impressão de não estar se esforçando.
"Ele gosta de fazer de conta que é tudo fácil", disse Malcolm Gladwell, redator da "New Yorker" e velho colega de Remnick do "Washington Post". "Percorre a Redação, bate papo com as pessoas e depois desaparece e escreve milhares de palavras em 15 minutos. Tudo isso faz parte dessa coisa de "fazer parecer que é tudo fácil"."

Redução de custos
Hoje em dia, é difícil fazer com que o fato de comandar qualquer publicação, mesmo a "New Yorker", pareça uma empreitada fácil. As páginas de anúncios da revista diminuíram 24% no ano passado, pouco menos que a média do setor.
Mas Remnick conseguiu que ela tivesse um pequeno lucro operacional, mesmo assim (excluindo os custos gerais corporativos), graças à redução de custos, como vem fazendo há anos.
Mas Remnick se destaca na sede da revista, no endereço Times Square, nº 4, também de outras maneiras.
Vai ao trabalho de metrô e não possui a atitude imperiosa ou volúvel própria de outros editores-celebridades, incluindo sua antecessora, Tina Brown. Tende a evitar os restaurantes da moda, dando preferência ao Ouest, um bistrô americano mediano próximo a seu apartamento.
Remnick passa seu dia andando de um lugar a outro. "Ele faz questão de percorrer o circuito inteiro da Redação todos os dias, fazendo visitas rápidas às pessoas", disse a editora- adjunta Pamela Maffei McCarthy. "Durante esse percurso, junta muitas informações sobre o que está acontecendo por aqui."
"Ele é bom em avaliar o temperamento emocional de diferentes jornalistas e em saber como arrancar o que cada um possui de melhor", diz o redator Michael Specter, velho amigo de Remnick. Remnick frequentemente diz que não gosta de atrapalhar seus jornalistas e editores.
"Não quero criar obstáculos nesse relacionamento delicado", diz. Mas é assíduo quando se trata de enviar bilhetes de agradecimento a jornalistas, que "fazem você sentir que está fazendo parte de algo importante", lembra Gladwell.
"Preciso me lembrar sempre de que escrever é realmente difícil", disse Remnick. "Espero que eu respeite isso muito." Quanto à empresa, os publishers dizem que Remnick vem ajudando como pode: almoços com anunciantes, festas em sua casa para clientes.
Ele também estudou o orçamento da revista, reduzindo os valores reservados para mensageiros, táxis, refeições e festas e reduzindo também os valores pagos por artigos não utilizados (que, sob a direção de Tina Brown, eram altos).

Renovação
Sob a direção de Remnick, a circulação da revista subiu 23%, para mais de 1 milhão, ao mesmo tempo em que ele dobrou o preço de cada exemplar -embora as vendas nas bancas tenham caído recentemente.
O índice de renovação de assinaturas é de 84,3%, contra 77,3% no início de 1999. Os índices de circulação e de renovação de assinaturas tiveram quedas ligeiras entre 2008 e 2009, como teve o índice de circulação no setor geral das revistas. O clima agitado que cercava a revista antes comandada por Tina Brown se foi, sendo substituído por reportagens como as de Seymour Hersh sobre o Iraque e de Jane Meyer sobre a tortura e o terrorismo.
Embora certamente existam leitores que preferem as extravagâncias de Brown aos instintos jornalísticos de Remnick, este é amplamente respeitado por manter-se calmo em um prédio e uma profissão repletos de neuróticos agitados.
"Acho que ele vê o trabalho do editor como sendo o de não ceder à loucura", disse Finder. Durante o ano que passou escrevendo "A Ponte", acordava diariamente às 5h30 para escrever e ficava acordado até depois da meia-noite.

Sem fins de semana
Esther B. Fein, sua mulher, contou que "ele se levantava muito cedo, voltava ao trabalho depois de jantar com as crianças e passou mais de um ano sem tirar férias nem folgar nos fins de semana".
Uma leva de livros sobre Obama está prevista para este ano, e a Knopf se apressou para lançar o de Remnick. Sua primeira tiragem é de 130 mil exemplares, mais que os livros anteriores de Remnick.
As expectativas de Remnick permanecem modestas -intelectualmente, pelo menos. "Compreendo a diferença entre jornalismo e erudição, que chega 20 anos mais tarde", observa, falando da biografia que escreveu.
"Sou um jornalista -não sou um Robert Caro [biógrafo duas vezes ganhador do Pulitzer]. Tenho um emprego regular, e é um emprego que me consome bastante -e me dá alegria."
Ao término do jantar com a repórter -no Ouest, naturalmente-, Remnick tomou um expresso duplo com um cubinho de açúcar. Já passava das 22h, mas ainda tinha coisas a fazer.

A íntegra deste texto saiu no "New York Times".

Tradução de Clara Allain.



ONDE ENCOMENDAR - "The Bridge" (ed. Knopf, 672 págs., US$ 29,95, R$ 53), de David Remnick, pode ser encomendado pelo site www.amazon.com



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