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+Política
Obama antes da fama
David Remnick, editor da "New Yorker", lança biografia do presidente para entender como ele consegue "mudar de forma"
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STEPHANIE CLIFFORD
David Remnick, o
editor da revista
"The New Yorker",
não é homem de
desperdiçar uma
oportunidade. Em fevereiro do
ano passado, após acompanhar
o funeral do escritor John Updike [1932-2009], passou pela
Escola de Direito da Universidade Harvard para entrevistar
alguns dos antigos professores
do presidente Barack Obama.
"Escrevi simplesmente para
ver se seria capaz de fazê-lo",
disse Remnick, 51. "Será que isso ia me interessar ou a sensação seria simplesmente de que
esse é um sujeito que fez faculdade de direito... E daí?"
Remnick continuou a escrever, e o resultado é seu sexto livro -"The Bridge" [A Ponte].
A biografia se debruça sobre
a vida e a identidade racial de
Obama, com trechos sobre a
política queniana, a tese de
doutorado da mãe (sobre o trabalho dos ferreiros na Indonésia) e até mesmo a transcrição
de uma gravação de Obama,
adolescente, em sessão de piadas com os amigos.
Para Remnick, a questão não
era se seria possível escrever o
livro e também cuidar da "New
Yorker" -alguns cafés dariam
conta disso-, mas se sua curiosidade iria perdurar. "É preciso
estar incrivelmente interessado, e isso não é algo que acontece a cada cinco minutos."
Em "A Ponte", Remnick pareceu se interessar especialmente por Obama como alguém que consegue "mudar de
forma", como "Obama conseguia mudar de estilo sem abrir
mão de seu caráter genuíno".
Remnick faz reportagens, escreve textos e edita. Ao mesmo
tempo, como o objeto de seu livro, aparentemente calmo e focado, Remnick se esforça muito para dar a impressão de não
estar se esforçando.
"Ele gosta de fazer de conta
que é tudo fácil", disse Malcolm Gladwell, redator da
"New Yorker" e velho colega de
Remnick do "Washington
Post". "Percorre a Redação, bate papo com as pessoas e depois
desaparece e escreve milhares
de palavras em 15 minutos. Tudo isso faz parte dessa coisa de
"fazer parecer que é tudo fácil"."
Redução de custos
Hoje em dia, é difícil fazer
com que o fato de comandar
qualquer publicação, mesmo a
"New Yorker", pareça uma empreitada fácil. As páginas de
anúncios da revista diminuíram 24% no ano passado, pouco menos que a média do setor.
Mas Remnick conseguiu que
ela tivesse um pequeno lucro
operacional, mesmo assim (excluindo os custos gerais corporativos), graças à redução de
custos, como vem fazendo há
anos.
Mas Remnick se destaca na
sede da revista, no endereço Times Square, nº 4, também de
outras maneiras.
Vai ao trabalho de metrô e
não possui a atitude imperiosa
ou volúvel própria de outros
editores-celebridades, incluindo sua antecessora, Tina
Brown. Tende a evitar os restaurantes da moda, dando preferência ao Ouest, um bistrô
americano mediano próximo a
seu apartamento.
Remnick passa seu dia andando de um lugar a outro. "Ele
faz questão de percorrer o circuito inteiro da Redação todos
os dias, fazendo visitas rápidas
às pessoas", disse a editora-
adjunta Pamela Maffei
McCarthy. "Durante esse percurso, junta muitas informações sobre o que está acontecendo por aqui."
"Ele é bom em avaliar o temperamento emocional de diferentes jornalistas e em saber
como arrancar o que cada um
possui de melhor", diz o redator Michael Specter, velho amigo de Remnick.
Remnick frequentemente
diz que não gosta de atrapalhar
seus jornalistas e editores.
"Não quero criar obstáculos
nesse relacionamento delicado", diz. Mas é assíduo quando
se trata de enviar bilhetes de
agradecimento a jornalistas,
que "fazem você sentir que está
fazendo parte de algo importante", lembra Gladwell.
"Preciso me lembrar sempre
de que escrever é realmente difícil", disse Remnick. "Espero
que eu respeite isso muito."
Quanto à empresa, os publishers dizem que Remnick vem
ajudando como pode: almoços
com anunciantes, festas em sua
casa para clientes.
Ele também estudou o orçamento da revista, reduzindo os
valores reservados para mensageiros, táxis, refeições e festas e
reduzindo também os valores
pagos por artigos não utilizados
(que, sob a direção de Tina
Brown, eram altos).
Renovação
Sob a direção de Remnick, a
circulação da revista subiu
23%, para mais de 1 milhão, ao
mesmo tempo em que ele dobrou o preço de cada exemplar
-embora as vendas nas bancas
tenham caído recentemente.
O índice de renovação de assinaturas é de 84,3%, contra
77,3% no início de 1999. Os índices de circulação e de renovação de assinaturas tiveram quedas ligeiras entre 2008 e 2009,
como teve o índice de circulação no setor geral das revistas.
O clima agitado que cercava a
revista antes comandada por
Tina Brown se foi, sendo substituído por reportagens como
as de Seymour Hersh sobre o
Iraque e de Jane Meyer sobre a
tortura e o terrorismo.
Embora certamente existam
leitores que preferem as extravagâncias de Brown aos instintos jornalísticos de Remnick,
este é amplamente respeitado
por manter-se calmo em um
prédio e uma profissão repletos
de neuróticos agitados.
"Acho que ele vê o trabalho
do editor como sendo o de não
ceder à loucura", disse Finder.
Durante o ano que passou escrevendo "A Ponte", acordava
diariamente às 5h30 para escrever e ficava acordado até depois da meia-noite.
Sem fins de semana
Esther B. Fein, sua mulher,
contou que "ele se levantava
muito cedo, voltava ao trabalho
depois de jantar com as crianças e passou mais de um ano
sem tirar férias nem folgar nos
fins de semana".
Uma leva de livros sobre
Obama está prevista para este
ano, e a Knopf se apressou para
lançar o de Remnick. Sua primeira tiragem é de 130 mil
exemplares, mais que os livros
anteriores de Remnick.
As expectativas de Remnick
permanecem modestas -intelectualmente, pelo menos.
"Compreendo a diferença entre jornalismo e erudição, que
chega 20 anos mais tarde", observa, falando da biografia que
escreveu.
"Sou um jornalista -não sou
um Robert Caro [biógrafo duas
vezes ganhador do Pulitzer].
Tenho um emprego regular, e é
um emprego que me consome
bastante -e me dá alegria."
Ao término do jantar com a
repórter -no Ouest, naturalmente-, Remnick tomou um
expresso duplo com um cubinho de açúcar.
Já passava das 22h, mas ainda tinha coisas a fazer.
A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Clara Allain.
ONDE ENCOMENDAR - "The Bridge" (ed. Knopf, 672 págs., US$
29,95, R$ 53), de David Remnick, pode ser encomendado pelo site www.amazon.com
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