São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Periferia de Prata

Luis Gusmán fala do novo romance e diz que Buenos Aires já não consegue ocultar a pobreza e a podridão

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Um folheto do Greenpeace escorrega por baixo da porta de uma loja de peles, em Buenos Aires, e transforma a vida do proprietário do estabelecimento. Landa, protagonista de "Pele e Osso", novo romance do argentino Luis Gusmán, sabe que sua profissão, herdada dos pais, está em extinção.
Os protestos dos ativistas são apenas um golpe a mais no decadente mercado de peles que representa para ele mais do que um simples trabalho, um modo de viver e ver o mundo.
Landa passa, então, a ter fantasias de vingança, que se tornam sua razão de vida e, logo, uma obsessão. Primeiro, quer tocar fogo no próprio negócio. Depois, decide planejar um atentado contra um barco do Greenpeace.
Para isso, associa-se a Osso, um homem a quem também pouca coisa restou. Trabalha num barco de transporte no Riachuelo e é um ex-viciado em drogas recentemente convertido ao protestantismo.

Segregação
O desejo de vingança de Landa pode a qualquer momento se transformar num ato terrorista. E é nesse tênue limite que o romance tem lugar. No posfácio da obra, a ensaísta Beatriz Sarlo define "Pele e Osso" como uma literatura sobre os que não leem.
Nota-se, por meio dos diálogos curtos e secos e das descrições difusas das cenas, essa tentativa de mostrar o que se passa com distanciamento. Completa Sarlo: "Este romance procura inflexões diferentes; os diálogos e a trama se ajustam a uma espécie de interdicção; como se se dissesse: isto está acontecendo com os outros, com os que não conhecem os livros onde estas coisas acontecem. Sem enternecimento populista nem miserabilismo".
Em entrevista à Folha, Gusmán (autor também de "O Vidrinho" e "Villa") admite que seus livros estão povoados de personagens segregados pela sociedade, escolha que faz com que seja frequentemente comparado a autores conterrâneos como Roberto Arlt e Manuel Puig.
"A segregação em meus livros pode ser econômica, sexual, moral e às vezes se trata até de uma autossegregação. No caso de Landa, ele é o último representante de algo que se extingue. Mas esses personagens persistem em viver por uma causa que, ainda que pequena, pessoal e ínfima, lhes basta para que se mantenham dignos. É talvez por conta desta épica que minha literatura não se transforma em uma obra puramente marginal, nem no sentido ideológico nem estético."
Boa parte da história se passa nas encostas do Riachuelo e do rio da Prata, onde convivem esgoto e pobreza, e que constitui de certo modo um símbolo do que a sociedade portenha despreza.
Os diálogos evocam o modo de expressar-se da população pobre que vive nos subúrbios. "Sempre se disse que Buenos Aires dá as costas para o rio. Mas não creio que seja assim.
Para além desse híbrido moderno que brotou na cidade e que se chama Puerto Madero, com arranha-céus que ocultam as favelas que há atrás, a cidade já não consegue ocultar nada e tudo convive com o cheiro podre que emana do Riachuelo." "É como se esse cheiro e essa podridão não tivessem metáfora. São tão reais que penetram no olfato das pessoas. E é notável como há quem viva como se não sentisse isso."

Realidade excessiva
"Pele e Osso" é construído a partir de personagens que já tiveram melhores dias na vida e uma cidade que já teve mais encantos. Landa é um homem "demolido por uma realidade que o excede, o afunda na perplexidade", resume Gusmán.
A nostalgia, tema tão caro aos portenhos, está por trás de toda a trama de sua obra. Mas o escritor diz que se defende ao separar esse conceito do da evocação. "Para isso confio na linguagem. Meus personagens podem ser anacrônicos, mas não por conta da maneira como falam nem por sua mitologia. Esses dois elementos são os que impedem que uma obra se torne nostálgica. Os esfaqueadores de Borges são míticos e sua escritura é o que o possibilita não ficar encerrado numa época."
"A nostalgia pretende trazer o passado para o presente. Mas é a linguagem, insisto, a arma de que dispõe o escritor para que o mundo que narra não seja devorado por um momento determinado da história."


PELE E OSSO

Autor: Luis Gusmán
Tradução: Wilson Alves-Bezerra
Editora: Iluminuras (tel. 0/xx/11/ 3031-6161)
Quanto: R$ 44 (224 págs.)




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