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Periferia de Prata
Luis Gusmán
fala do novo romance e diz que Buenos Aires
já não consegue ocultar
a pobreza e a podridão
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA
Um folheto do
Greenpeace escorrega por baixo da
porta de uma loja
de peles, em Buenos Aires, e transforma a vida
do proprietário do estabelecimento. Landa, protagonista de
"Pele e Osso", novo romance
do argentino Luis Gusmán, sabe que sua profissão, herdada
dos pais, está em extinção.
Os protestos dos ativistas são
apenas um golpe a mais no decadente mercado de peles que
representa para ele mais do
que um simples trabalho, um
modo de viver e ver o mundo.
Landa passa, então, a ter fantasias de vingança, que se tornam sua razão de vida e, logo,
uma obsessão. Primeiro, quer
tocar fogo no próprio negócio.
Depois, decide planejar um
atentado contra um barco do
Greenpeace.
Para isso, associa-se a Osso,
um homem a quem também
pouca coisa restou. Trabalha
num barco de transporte no
Riachuelo e é um ex-viciado
em drogas recentemente convertido ao protestantismo.
Segregação
O desejo de vingança de Landa pode a qualquer momento
se transformar num ato terrorista. E é nesse tênue limite que
o romance tem lugar. No posfácio da obra, a ensaísta Beatriz
Sarlo define "Pele e Osso" como uma literatura sobre os que
não leem.
Nota-se, por meio dos diálogos curtos e secos e das descrições difusas das cenas, essa tentativa de mostrar o que se passa
com distanciamento.
Completa Sarlo: "Este romance procura inflexões diferentes; os diálogos e a trama se
ajustam a uma espécie de interdicção; como se se dissesse: isto
está acontecendo com os outros, com os que não conhecem
os livros onde estas coisas
acontecem. Sem enternecimento populista nem miserabilismo".
Em entrevista à Folha, Gusmán (autor também de "O Vidrinho" e "Villa") admite que
seus livros estão povoados de
personagens segregados pela
sociedade, escolha que faz com
que seja frequentemente comparado a autores conterrâneos
como Roberto Arlt e Manuel
Puig.
"A segregação em meus livros pode ser econômica, sexual, moral e às vezes se trata
até de uma autossegregação.
No caso de Landa, ele é o último representante de algo que
se extingue. Mas esses personagens persistem em viver por
uma causa que, ainda que pequena, pessoal e ínfima, lhes
basta para que se mantenham
dignos. É talvez por conta desta
épica que minha literatura não
se transforma em uma obra puramente marginal, nem no sentido ideológico nem estético."
Boa parte da história se passa
nas encostas do Riachuelo e do
rio da Prata, onde convivem esgoto e pobreza, e que constitui
de certo modo um símbolo do
que a sociedade portenha despreza.
Os diálogos evocam o modo
de expressar-se da população
pobre que vive nos subúrbios.
"Sempre se disse que Buenos
Aires dá as costas para o rio.
Mas não creio que seja assim.
Para além desse híbrido moderno que brotou na cidade e
que se chama Puerto Madero,
com arranha-céus que ocultam
as favelas que há atrás, a cidade
já não consegue ocultar nada e
tudo convive com o cheiro podre que emana do Riachuelo."
"É como se esse cheiro e essa
podridão não tivessem metáfora. São tão reais que penetram
no olfato das pessoas. E é notável como há quem viva como se
não sentisse isso."
Realidade excessiva
"Pele e Osso" é construído a
partir de personagens que já tiveram melhores dias na vida e
uma cidade que já teve mais encantos. Landa é um homem
"demolido por uma realidade
que o excede, o afunda na perplexidade", resume Gusmán.
A nostalgia, tema tão caro aos
portenhos, está por trás de toda
a trama de sua obra. Mas o escritor diz que se defende ao separar esse conceito do da evocação.
"Para isso confio na linguagem. Meus personagens podem
ser anacrônicos, mas não por
conta da maneira como falam
nem por sua mitologia. Esses
dois elementos são os que impedem que uma obra se torne
nostálgica. Os esfaqueadores
de Borges são míticos e sua escritura é o que o possibilita não
ficar encerrado numa época."
"A nostalgia pretende trazer
o passado para o presente. Mas
é a linguagem, insisto, a arma
de que dispõe o escritor para
que o mundo que narra não seja
devorado por um momento determinado da história."
PELE E OSSO
Autor: Luis Gusmán
Tradução: Wilson Alves-Bezerra
Editora: Iluminuras (tel. 0/xx/11/
3031-6161)
Quanto: R$ 44 (224 págs.)
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