São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Síntese imperfeita

Caio Prado Jr. é clássico, mas datou em alguns pontos, diz historiadora da USP

EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO

Autor do clássico "Formação do Brasil Contemporâneo" (ed. Brasiliense), o historiador Caio Prado Jr. foi um dos mais influentes do século 20 no país. Para a professora de história moderna na USP Laura de Mello e Souza, ele "ensinou gerações a pensarem sobre o Brasil", tornando-se "um ponto de referência obrigatório".
Em entrevista à Folha, a autora de obras importantes sobre o período colonial brasileiro adverte que Prado Jr. "está ultrapassado em certos pontos" e parte do seu pensamento está datado -como em análises que ele fez sobre a administração colonial.

 

FOLHA - Como a sra. avalia o legado de Caio Prado Jr. hoje?
LAURA DE MELLO E SOUZA
- Posso falar apenas de "Formação do Brasil Contemporâneo", obra que conheço melhor. É um clássico, um marco na historiografia brasileira e na história intelectual do Brasil. Consegue, ao mesmo tempo, ser sintética e interpretativa. Como qualquer obra, tem aspectos que não se mantêm mais, que foram ultrapassados. Mas continua, a meu ver, tendo papel destacado na história intelectual do país. Pode-se contestá-la, nunca ignorá-la.

FOLHA - De que modo "Formação do Brasil Contemporâneo" (1942) criou uma explicação poderosa sobre o Brasil colonial?
MELLO E SOUZA
- Na medida em que chama a atenção para o sentido tomado pela colonização portuguesa na América e mostra que estava primordialmente voltado para enriquecer a metrópole, e não a colônia. Daí a ênfase maior dada à exportação dos produtos coloniais, que rendeu mal-entendidos e polêmicas, sobretudo as críticas sobre seu descaso com o mercado interno. Prado Jr., a meu ver, deu até bastante destaque ao mercado interno, mostrando como se articulava ao externo. Só que mostrou que ninguém vinha para a América plantar milho e mandioca, porque isso não faria dos colonizadores e colonos pessoas prósperas. Eles vinham atrás de ouro, ou para vender escravo, ou para plantar cana etc. Em suma, a colonização voltava-se para os produtos que alcançavam preços altos nos mercados internacionais. Mesmo que se plantasse milho, mandioca, que se criassem porcos, e mesmo que essas atividades fossem lucrativas. Mas não era esse o móvel, o objetivo maior.

FOLHA - Em que seu pensamento está datado na historiografia?
MELLO E SOUZA
- Não gosto do que diz sobre os escravos, pois ainda está muito eivado de formulações próprias à primeira metade do século 20 e que, hoje, soam mal aos nossos ouvidos politicamente corretos. O que diz sobre a administração colonial também é muito datado e até incorreto, como eu mesma tive oportunidade de contestar recentemente [no livro "O Sol e a Sombra", Companhia das Letras]. Mas ele me iluminou quando, no final dos anos 1970, eu estudava os homens livres pobres na mineração, sobretudo porque me permitiu pensar a dialética do ônus e da utilidade dos vadios numa sociedade colonial e escravista. E ele continua iluminando jovens pesquisadores que o leiam direito.

FOLHA - Há imprecisões históricas e interpretativas em sua obra?
MELLO E SOUZA
- Várias, como na de todo historiador, sobretudo os que ousam. Caio Prado Jr. está ultrapassado em certos pontos porque foi um grande historiador no seu tempo.


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