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Síntese imperfeita
Caio Prado Jr.
é clássico,
mas datou em alguns pontos, diz historiadora da USP
EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO
Autor do clássico
"Formação do Brasil Contemporâneo" (ed. Brasiliense), o historiador
Caio Prado Jr. foi um dos mais
influentes do século 20 no país.
Para a professora de história
moderna na USP Laura de Mello e Souza, ele "ensinou gerações a pensarem sobre o Brasil", tornando-se "um ponto de
referência obrigatório".
Em entrevista à Folha, a autora de obras importantes sobre o período colonial brasileiro adverte que Prado Jr. "está
ultrapassado em certos pontos" e parte do seu pensamento
está datado -como em análises
que ele fez sobre a administração colonial.
FOLHA - Como a sra. avalia o legado de Caio Prado Jr. hoje?
LAURA DE MELLO E SOUZA - Posso
falar apenas de "Formação do
Brasil Contemporâneo", obra
que conheço melhor. É um
clássico, um marco na historiografia brasileira e na história
intelectual do Brasil. Consegue,
ao mesmo tempo, ser sintética
e interpretativa.
Como qualquer obra, tem aspectos que não se mantêm
mais, que foram ultrapassados.
Mas continua, a meu ver, tendo
papel destacado na história intelectual do país. Pode-se contestá-la, nunca ignorá-la.
FOLHA - De que modo "Formação
do Brasil Contemporâneo" (1942)
criou uma explicação poderosa sobre o Brasil colonial?
MELLO E SOUZA - Na medida em
que chama a atenção para o
sentido tomado pela colonização portuguesa na América e
mostra que estava primordialmente voltado para enriquecer
a metrópole, e não a colônia.
Daí a ênfase maior dada à exportação dos produtos coloniais, que rendeu mal-entendidos e polêmicas, sobretudo as
críticas sobre seu descaso com
o mercado interno.
Prado Jr., a meu ver, deu até
bastante destaque ao mercado
interno, mostrando como se articulava ao externo. Só que
mostrou que ninguém vinha
para a América plantar milho e
mandioca, porque isso não faria dos colonizadores e colonos
pessoas prósperas.
Eles vinham atrás de ouro, ou
para vender escravo, ou para
plantar cana etc.
Em suma, a colonização voltava-se para os produtos que alcançavam preços altos nos
mercados internacionais.
Mesmo que se plantasse milho, mandioca, que se criassem
porcos, e mesmo que essas atividades fossem lucrativas.
Mas não era esse o móvel, o
objetivo maior.
FOLHA - Em que seu pensamento
está datado na historiografia?
MELLO E SOUZA - Não gosto do
que diz sobre os escravos, pois
ainda está muito eivado de formulações próprias à primeira
metade do século 20 e que, hoje, soam mal aos nossos ouvidos politicamente corretos.
O que diz sobre a administração colonial também é muito
datado e até incorreto, como eu
mesma tive oportunidade de
contestar recentemente [no livro "O Sol e a Sombra", Companhia das Letras].
Mas ele me iluminou quando, no final dos anos 1970, eu
estudava os homens livres pobres na mineração, sobretudo
porque me permitiu pensar a
dialética do ônus e da utilidade
dos vadios numa sociedade colonial e escravista. E ele continua iluminando jovens pesquisadores que o leiam direito.
FOLHA - Há imprecisões históricas
e interpretativas em sua obra?
MELLO E SOUZA - Várias, como na
de todo historiador, sobretudo
os que ousam. Caio Prado Jr.
está ultrapassado em certos
pontos porque foi um grande
historiador no seu tempo.
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