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+ sociedade
O preço de um escravo
Segundo professor de Harvard, países mais pobres da África hoje são os que mais exportaram escravos no passado
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Estatísticas comprovam: vender escravos
faz mal à África. É o
que diz Nathan Nunn,
33, professor de economia na Universidade Harvard. Nunn apresentou, no início do ano, resultados de uma
pesquisa que correlaciona a exportação de escravos no passado à baixa renda de hoje.
A pesquisa usou informações
do Projeto Base de Dados do
Comércio Transatlântico de
Escravos, que reúne documentos diversos, como inventários,
arquivos religiosos e registros
de compra e venda, relacionados ao tráfico de escravos africanos do século 15 ao 19.
No artigo "Efeitos de Longo
Prazo do Comércio de Escravos Africanos", publicado no
"Quarterly Journal of Economics", Nunn diz que "não apenas o uso de escravos é deletério para uma sociedade, mas a produção de escravos, ocorrida
por meio da guerra doméstica,
da pilhagem e dos seqüestros,
também tem impactos negativos no desenvolvimento".
Em seus estudos, o Brasil
aparece perfeitamente enquadrado à linha de correlação segundo a qual quanto maior a
proporção de escravos na população em 1750, menor o PIB
per capita em 2000. E, do outro
lado do Atlântico, as regiões
africanas que mais exportaram
escravos se tornaram os países
de menor renda hoje.
Apesar de colegas o criticarem por cruzar dados no mínimo heterogêneos, o estudo já é
visto nos EUA como prova matemática do dano causado pelo
Ocidente à África. Em entrevista à Folha, Nunn não arrisca
conclusões práticas. Devem-se
reparações à África? "Não estudei esse ponto."
FOLHA - O que relaciona a escravidão do passado à pobreza de hoje?
NATHAN NUNN - Meu estudo trata dos canais de ligação mais
prováveis. Um é a formação dos
Estados -o comércio escravista historicamente inibiu o desenvolvimento de grandes Estados estáveis. Outro é o fracionamento étnico: o comércio de
escravos inibiu a formação de
grupos étnicos maiores.
FOLHA - Guerra e escravidão já não
eram características comuns entre
povos africanos antes do comércio
escravista com o Ocidente?
NUNN - A escravidão e a guerra
eram provavelmente comuns
antes do comércio escravista,
mas o escravismo certamente
aumentou sua ocorrência.
FOLHA - Como foi feita a pesquisa?
Há registros confiáveis tratando de
escravos, por exemplo, em 1500?
NUNN - Há registros datados
dos anos 1500. Os dados estão
disponíveis apenas para certos
anos e para certos países. As informações mais antigas são
particularmente dispersas,
mas isso só poderia ter como
conseqüência que não encontrássemos nenhuma relação
entre os dados. Ao invés disso,
apesar da má qualidade dos dados, vemos correlações fortes
entre os números.
FOLHA - O Ocidente tem "culpa"?
NUNN - Não sei bem o que isso
significa. Europeus estiveram
envolvidos em parte do comércio de escravos, assim como
africanos e árabes.
FOLHA - Em seu texto "Legados
Históricos", o sr. diz que, em certas
regiões da África, "por causa da estabilidade dos equilíbrios de baixa
produção, a sociedade fica presa ao
equilíbrio "subótimo" mesmo depois
de encerrado o período de extração
externa" [tráfico de escravos e colonialismo]. Isso quer dizer que esses
povos se acostumaram à pobreza?
NUNN - Não. É porque temos
dois equilíbrios nesse modelo.
O jugo colonial fez a sociedade
mudar de um equilíbrio para o
outro. No equilíbrio, a produção é baixa porque há uma alta
quantidade de "rent-seeking"
[submissão de políticas públicas aos interesses particulares
visando ao acúmulo de riqueza
individual]. Há muito "rent-seeking" porque a produção é
baixa, e assim por diante. Desse
modo há um equilíbrio estável,
auto-sustentado.
FOLHA - E como é que a escravidão
não produziu riqueza para os descendentes dos caçadores e vendedores de escravos?
NUNN - Não há estudos sobre a
riqueza individual de descendentes dos caçadores e comerciantes de escravos. Por conta
da minha pesquisa, sabemos
que o nível médio de renda em
um país é negativamente afetado pelo comércio de escravos.
Mas não sabemos como foi afetada a renda de certos grupos.
FOLHA - Quero dizer: não se formaram "Estados escravistas"? A riqueza de certos reinos atuais não é herdeira do escravismo?
NUNN - Alguns Estados, como
o axanti e o oyo, desenvolveram
um consumo do escravismo.
Esses Estados predatórios
enriqueceram com o comércio
de escravos, mas eram instáveis
e duraram pouco. Aparentemente, não possuíam as instituições necessárias para resistir ao tempo. Teoricamente, o
escravismo poderia ter causado
centralização nesses países
predadores, mas na prática deve ter causado enfraquecimento e fragmentação da política.
FOLHA - Quais são as especificidades da escravidão na América portuguesa?
NUNN - O que distinguiu Portugal é que foi um dos primeiros países europeus a exportar
escravos durante o tráfico escravista atlântico -e foi o último país europeu a parar.
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