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Platão neocon
FILÓSOFO DA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE RELÊ OBRA DO PENSADOR
GREGO À LUZ DA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA
PEDRO PAULO A. FUNARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando da invasão do Iraque
pelos EUA, em
2003, sabia-se
que um dos principais assessores de Donald
Rumsfeld, então secretário
da Defesa, era o eminente
classicista Victor Davis Hanson.
Hanson notabilizou-se pelo livro "The Western Way of
War" (O Modo Ocidental da
Guerra, University of California Press), além de outros
best-sellers, em particular
sobre a Guerra do Peloponeso, no século 5º a.C., entre Esparta e Atenas e seus respectivos aliados.
Ele formulou a teoria de
que o erro de Atenas, campeã
da democracia, foi não ter cuidado da exportação do seu
modo de vida democrático.
Esse erro os Estados Unidos não cometeriam e levariam a chama da liberdade e
da democracia às terras do
Oriente Médio. A aplicação
dessa doutrina levou a um dos
maiores desastres da política
externa americana.
Estado ideal
Agora, o filósofo da Universidade de Cambridge Simon
Blackburn volta ao tema do
papel dos estudos sobre a Antigüidade nos rumos e nas vidas dos homens em nossa
época, em pleno século 21.
Sobre a "República" de Platão, obra de quase 2.500 anos,
livro de filosofia, tudo indicaria tratar-se de algo distante,
no tempo, no espaço e no âmbito das preocupações cotidianas. Nada disso.
Blackburn visa a mostrar
como o movimento neoconservador se funda numa leitura da obra de Platão e direciona não apenas a política externa agressiva dos Estados Unidos como toda uma série de
ações autoritárias.
O pai fundador do moderno
neoconservadorismo, Leo
Strauss [1899-1793], teórico
político e estudioso de Platão,
pôde defender noções tão
contemporâneas como a
"Blitzkrieg", o terrorismo, a
adoração do livre mercado e
da ética da escola de comércio
como se surgissem das páginas do pensador grego antigo.
A busca platônica pelo Estado ideal ignora os valores da
democracia, do igualitarismo
e da liberdade e mostra o caminho para um pesadelo.
Blackburn não hesita em
acionar Hitler e o regime nazista, cujo Estado autoritário e
totalitário compartilharia
muitos aspectos da "politeia"
ideal de Platão.
A única doutrina que permanece, expressa de viva voz
por Sócrates ao final da obra, é
aquela segundo a qual quem
está no governo é levado a dizer nobres mentiras para o
bem do Estado. Strauss e os
neoconservadores aproveitaram-se disso para justificar ditaduras e plutocracias. O Platão "neocon" está distante da figura reconhecida por todos,
inclusive por Aristóteles.
Mas isso pouco importa,
pois os usos reacionários de
Platão, em nossos dias, não
deixam de ter as mais nefastas
conseqüências.
Edson Bini parte de outras
preocupações ao traduzir e
comentar três diálogos platônicos. No "Teeteto", em homenagem ao conceituado matemático morto em 369 a.C., o tema da conversa é a definição
de conhecimento, a epistemologia. Em "Protágoras", volta-se para a natureza da virtude,
a "areté".
Mas é no "Sofista" que Platão questiona os conceitos de
sofista, homem político e filósofo e em que a coletânea se
aproxima, de alguma forma,
da obra de Blackburn.
[O presidente dos EUA,
George W.] Bush não aparece
uma única vez nem os neoconservadores são mencionados. Já isso ressalta que Platão
pode ser lido de outra forma,
com outros objetivos.
Nos três diálogos, o contraditório salta aos olhos e leva à
admiração mesmo os menos
interessados no mundo grego
antigo. Perscrutar a alma, a
educação, o certo e o errado, a
verdade e a mentira -esses
são temas que se mostram
atuais e, de certo modo, mais
perenes do que as façanhas e
desventuras militares americanas no Iraque e alhures.
Usos do passado
Ambos os livros nos conduzem a um tema essencial: os
usos do passado. Como o nome já diz, o passado já passou e
não existe mais.
Num país cujo lema na bandeira é o progresso, a fuga para
o futuro, e num mundo que
em que tudo fica obsoleto em
pouco tempo, de maneira cada
vez mais rápida, nem sempre
parece relevante lembrar que
o presente e o futuro não podem prescindir da reflexão sobre o passado.
Quantos soldados americanos no Iraque leram Platão ou
Tucídides e sua descrição da
Guerra do Peloponeso? Quantos conhecem Victor Davis
Hanson ou Leo Strauss, que
neles se fundaram? Quantos
de nós nos questionamos sobre o que é o conhecimento?
Os dois livros, em sua diversidade, se completam para
alertar que vivemos uma vida
acrítica por nossa conta e risco. Ou perdemos a vida, sem
saber por quê.
PEDRO PAULO A. FUNARI é professor titular
do departamento de história e coordenador do
núcleo de estudos estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (SP).
A REPÚBLICA DE PLATÃO
Autor: Simon Blackburn
Tradução: Roberto Franco Valente
Editora: Zahar (tel. 0/xx/21/ 2108-0808)
Quanto: R$ 29 (188 págs.)
DIÁLOGOS I - TEETETO, SOFISTA, PROTÁGORAS
Autor: Platão
Tradução: Edson Bini
Editora: Edipro (0/xx/11/ 3107-4788)
Quanto: R$ 58 (320 págs.)
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