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A estrutura do belo
Estudo discute a relação do antropólogo Lévi-Strauss, que está fazendo cem anos, com as artes plásticas
TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Repensar Lévi-Strauss, com este livro, uns 40 anos
após a polêmica estruturalismo versus
marxismo, é estimulante exercício sobre o estado da arte, da
teoria do conhecimento e do
mundo. Sua obra é vasta e "Lévi-Strauss, Antropologia e Arte", de Dorothea Passetti, amplo; discuti-los em curto texto é
séria redução. Mas dois ou três
pontos se podem destacar.
Primeiro, que o antropólogo
quis formular uma teoria geral
da arte, projeto que o século 20,
no entanto, cedo corroeu. Mas
ele insistiu: sua visão é universalista, fala do homem e da arte
e, para isso, teorias gerais são
necessárias.
Em arte, sua teoria tem dois
pilares: 1) a arte liga a natureza
à cultura; 2) a arte só tem sentido se promove a comunicação.
Disso resulta que a arte depois
do impressionismo, com o abstracionismo e o resto, deixou
de comunicar e, portanto, de
ser arte.
Isso reforça, de início, a idéia
do conservadorismo estético
de Lévi-Strauss., que gostava
das marinhas do século 18.
Mas Passetti, recorrendo a
material variado e esparso, expõe uma nem sempre evidente
complexidade do pensamento
de Lévi-Strauss sobre arte: ele
admirou o Picasso que vai até
os anos 1930 e disse ser o "Escorredor de Garrafas", de Duchamp, uma obra de arte "incontestável" por sair da adega, onde tinha função, e ir para a
galeria.
Na essência, porém, é isto:
ele nunca aceitou o abstracionismo -"escola acadêmica onde cada artista se esmera em
mostrar como faria seus quadros se viesse a pintá-los"-
nem a arte que virou linguagem e se remete apenas a sua
própria história.
Grave erro
É possível uma teoria geral
da arte quando a arte se multiplicou em infinidade de opções? Ou agora só se pode estudar artista por artista, sem pretensões de estender o conhecimento de um para aquele ao lado -num retorno às "vidas de
artistas notáveis" do século 16?
Mas os que assim procedemos não incorremos no grave
erro, segundo Lévi-Strauss, de,
em nome do relativismo cultural, impor a tolerância universal que tudo aplasta?
Antes de voltar ao primeiro
pilar, um segundo ponto de sua
teoria geral: a importância do
"métier".
Para ele, obcecado pelo objeto, o maior problema da arte
moderna é o abandono do "métier" a partir do impressionismo, entendendo-se por "métier" "uma longa observação do
objeto" por parte do artista e
-fica implícito- sua capacidade de dele dar uma comunicação veraz.
A tese de que não havia "métier" no impressionismo é discutível em si mesma.
Pior, não permite enxergar
Warhol, Jeff Koons e os conceituais todos que contornam intencionalmente o "métier" em
seu aspecto mais exterior (tudo
isso, para Lévi-Strauss, é lixo
cultural).
Se é verdade que não é um
conservador simplista em estética, não é menos certo que sua
estética surge como propositiva (ou impositiva) quando hoje
a estética dominante é compreensiva: busca entender, não
apontar.
Com sua teoria geral da arte,
ignora que, como propôs Quevedo, o fugidio é a única coisa
que permanece e dura.
Ele mesmo prefere, em suma, mais do mesmo, mais do
eterno -um mesmo e um eterno que não mais existem porque a natureza já quase não há e
a cultura é outra coisa.
Mas há pontos em Lévi-Strauss que fazem pensar longamente hoje, quando seu oponente ideológico se enfraqueceu ou sumiu. Sua fórmula de
que a arte liga a natureza à cultura me interessa porque estabelece uma distância (que ele
não reconhece em toda sua amplitude) entre arte e cultura.
Regra e exceção
Meu ponto é o de [Jean-Luc]
Godard: cultura é a regra; arte, a
exceção.
Arte não é cultura, como
quer a equação simples. Lévi-Strauss é mais complexo que isso: lida com pares de opostos
sem procurar, como mandava a
cartilha primária, uma dialética
entre eles da qual sairia um suposto terceiro. Em outras palavras -como de fato fica melhor-, arte e cultura são duas
entidades que se estranham
enquanto se confundem. Fundem-se e são distintas.
Há mais coisas a repensar
com Lévi-Strauss agora, como a
idéia de que os artistas modernos procuraram deliberadamente destruir a arte -e o conseguiram. Essa não era à época uma idéia politicamente correta, portanto aceitável.
O ponto de vista usual sobre a
arte ressaltava, como sempre,
os temas construtivos da felicidade, das classes sociais, das
minorias, do humanismo etc.
O outro ponto de vista é esse
segundo o qual uma tendência
em tudo acadêmica dos modernos e contemporâneos (e hoje
se consegue perceber que nessa
idéia há algo de relevante) levou à destruição da arte, maior
que a sugerida por Hegel.
Se assim for (não sei se ele
concordaria com isso), os artistas apenas estariam realizando,
antes, aquilo a que a humanidade está condenada, como Lévi-Strauss insiste em lembrar: seu
desaparecimento da face do
mundo e do universo.
Se os sistemas são homólogos, como ele diz, o da arte mimetiza o destino do sistema
maior. Se ele estiver correto,
muita coisa teria de mudar na
atual esfera da arte (feita, para
dar razão a Baudrillard e Virilio, de simulacros).
Mas, se ele estiver correto, o
homem já se condenou, não há
mais saídas e a arte pode continuar a ser objeto apenas de feiras ou de um corroído debate
ideológico.
Quer dizer, pode seguir sendo... acadêmica. Considerar essa hipótese usando o método de
Lévi-Strauss -que é tomar um
ponto de vista (a arte como um
bem) e seu oposto para entender melhor uma situação- se
torna imperativo.
Seu amor pela arte, de todo
modo, é enorme: acredita que
da humanidade só restarão
suas obras de arte -e as maiores, para outra irritação das
"esquerdas".
Isso já basta para revisitá-lo
com a mediação deste oportuno e largo livro (que talvez apenas pudesse problematizar
mais seu objeto -mas esse pode ser um vício meu).
TEIXEIRA COELHO é curador-chefe do Masp
(Museu de Arte de São Paulo).
LÉVI-STRAUSS,
ANTROPOLOGIA E ARTE
Autora: Dorothea Voegeli Passetti
Editora: Educ/Edusp (tel. 0/xx/11/
3091-4006)
Quanto: R$ 85 (488 págs.)
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