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O preço da arte
"Anedotas
do Destino"
traz 5 contos
de fatura
perfeita
escritos pela dinamarquesa Karen Blixen
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
A
editora Cosacnaify
publicou, de Karen
Blixen (ou Isak Dinesen, pseudônimo
que adotava), "Anedotas do Destino".
São cinco contos formais, isso no tempo em que se tentava
revolucionar as regras da literatura. Dir-se-ia uma velha
contadora de histórias, à beira
da lareira de uma casa escandinava. Serena, sem obrigações
com a realidade, narradora todo-poderosa que tudo sabe, um
mandarim distante de seus
personagens que moram no
passado, não conversam normalmente e com quem acontecem coisas que jamais aconteceriam comigo ou com você ou
mesmo com ela.
Dinamarquesa, escrevia em
inglês, nutrida pela biblioteca
da própria casa. Escutara quando criança as sagas nórdicas e,
leitora ávida, era amiga íntima
de Shakespeare.
Seus livros sobre a África são
diários, documentários sensíveis: "Sombras na Relva" e "A
Fazenda Africana". É nos contos que transita entre o imaginário e o mágico.
Obstáculos
O que deixam entrever é que
Karen Blixen enfrenta a vida
como uma corrida de obstáculos. Há que ultrapassá-los e arcar com as conseqüências,
construindo assim uma história própria, realizando um destino. Quem não se arrisca corre
o perigo de não viver, de não
cumprir um projeto maior.
Deus gosta de nos pregar peças, a vida corre, os acontecimentos se precipitam, morrem
aqueles que amamos e, "como
só existimos felizes através do
outro", o que nos sobra? Podemos contar histórias, as nossas
e as dos outros. Recriar a realidade. Escrever foi a escolha de
Karen Blixen, depois de se ocupar por muito tempo em somente viver.
Sempre se gabou de não ter o
menor interesse em tratar de
questões sociais (fascinada pelo "Livro das Mil e Uma Noites"
[editora Globo], gostava de
lembrar que os árabes ainda se
reuniam em praças para escutar as histórias de Sherazade).
Era assim que queria seduzir.
Pelo interesse.
Em um dos parágrafos de "A
Festa de Babette", para mim o
conto mais bem estruturado do
livro -uma comédia sutil-,
aparece uma pista para o processo de narrar de Blixen.
As duas patroas da francesa
Babette ("communarde" fugitiva e cozinheira que chegara
àquele fiorde da Noruega havia
12 anos) dão permissão a ela
para fazer o jantar comemorativo do centenário de nascimento do pai, pastor de uma
seita fundada por ele próprio.
Havia ainda na cidade alguns
poucos seguidores, velhos, puritanos, mais duros que nó de
pinho. No momento em que
Babette começa as compras,
pagando com o dinheiro que
ganhara numa loteria parisiense, ela se agiganta.
As patroas percebem que a
comida não será a de sempre, a
sopa de bacalhau e pão preto.
Na cozinha, à luz dos lampiões,
enxergaram a cabeça de serpente de uma tartaruga.
Mal-entendido
Que terrível mal-entendido!
O pai seria festejado com um
sabá de bruxas. Martine, uma
das irmãs, corre para os fiéis
que ainda restam e explica a
tragédia. Não sabia o que comeriam na festa. Teriam que calar
sobre as tentações e prazeres
da mesa e fingir que nada percebiam. Os amigos do pai entenderam a causa justa da irmã
tão querida, entenderam muito
bem, apesar dela "não ter mencionado de fato a tartaruga,
mas era algo presente em seu
rosto e sua voz".
Em "Tempestades", o sonho
de um velho ator era produzir
"A Tempestade", de William
Shakespeare, e não faria "Ariel
descer sobre o palco, dependurado por arames em suas asas.
Ao diabo com isso!... São as palavras do poeta que devem fazer Ariel voar!".
Está aí o segredo das fábulas
bem contadas. Nem tartarugas
nem fios de metal aparentes.
Pavorosa solidão
O assunto recorrente é a perfeição, a arte, o melhor possível.
Babette se declara artista e despreza seu prêmio para fazer
uma refeição perfeita. Ariel
deixa o amado para não traí-lo
com sua vocação mais íntima,
que é o teatro.
Isak Dinesen entendia desse
assunto -o sacrifício da vida
pela arte e o preço a ser pago. E
não resiste em colocar na boca
de uma de suas heroínas um lamento. Quer saber de seu mestre qual a compensação para
essa vida tão desastrosa que os
artistas levam.
Ao que seu professor responde: "Em compensação ganhamos a desconfiança do mundo... E nossa pavorosa solidão.
Nada mais".
ANEDOTAS DO DESTINO
Autor: Karen Blixen
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 44 (216 págs.)
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