São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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Lançado na França, seminário de Jacques Lacan discute o conceito de angústia em Freud e Otto Rank

EM BUSCA DO REAL INOMINÁVEL

Elisabeth Roudinesco
para o "Le Monde"

Reservado até hoje a especialistas, em versão transcrita por Michel Roussan, o seminário de Jacques Lacan sobre a angústia é o 11º a ter seu texto estabelecido por Jacques-Alain Miller desde 1973.
Ele próprio angustiado desde sempre, Lacan, marcado tanto pela fenomenologia quanto pelas grandes perguntas heideggerianas sobre a "Dasein" (a existência humana), não poderia deixar de refletir sobre essa questão. Entretanto, para compreender sua contribuição essencial à clínica da angústia, é preciso entender de que maneira Sigmund Freud fez esse conceito entrar para o campo da psicanálise.
Preocupado em não se restringir às descrições clássicas, Freud começa por diferenciar a angústia do medo e do pavor. De natureza existencial, a angústia, a seu ver, é um estado psíquico que independe de qualquer relação com um objeto: é uma espécie de espera permanente que pode, quando se torna patológica, levar a condutas obsidiantes, fóbicas ou compulsivas, quando não a um estado melancólico.
Contrariamente à angústia, o medo sempre diz respeito a um objeto identificável. Temos medo de alguma coisa que pode advir: morte, separação, tortura, doença, sofrimento, degradação física etc.
Quanto ao pavor, ele diz respeito a um objeto indefinível. Se compararmos agora o pavor ao medo e à angústia, constataremos que o pavor se diferencia do medo na medida em que é suscitado por um perigo para o qual não estamos preparados e que, portanto, não possui objeto. À diferença da angústia, o pavor não supõe nenhuma espera. E pode provocar uma nevrose traumática.
Tratando-se da angústia, Freud afirma, para começar, que o nascimento seria o protótipo de todas as situações de angústia. Em 1924, Otto Rank retoma essa tese para afirmar que cada sujeito não faz mais do que repetir, durante toda sua vida, a história traumática de sua separação do corpo materno. Seja qual for sua inovação, essa teoria possui, entretanto, um inconveniente muito grande: ela corre o risco de fazer do parto e da separação biológica um trauma em si. Segundo esse modelo, todas as nevroses não seriam, então, mais do que conseqüências de uma causalidade externa ao sujeito: abusos sexuais, violências de guerra ou domésticas, doenças etc.
Em 1926, em resposta a Otto Rank, Freud expôs seu pensamento em "Inibição, Sintoma, Angústia". Ele distingue a angústia diante de um perigo real, a angústia automática e o sinal de angústia. A primeira é causada pelo perigo que a motiva, a segunda é uma reação a uma situação social, a terceira é um mecanismo puramente psíquico que reproduz uma situação traumática vivida anteriormente e à qual o eu reage por meio de uma defesa.
Lacan analisa e comenta todas essas definições. Mas ele cria um conceito de angústia que difere daquele de Freud. Numa perspectiva menos darwiniana e, em alguns aspectos, mais ontológica, ele faz da angústia uma estrutura constitutiva da organização psíquica.
Além disso, ele a vê menos como um estado próprio do sujeito angustiado do que como o próprio significante de toda subjetividade humana. Para Lacan, a angústia acontece quando a ausência do objeto, necessária à expressão do desejo, acaba faltando, a ponto de prender o sujeito a um real inominável que lhe escapa e o ameaça. Essa "ausência da ausência" sufoca o desejo e se traduz por fantasmas de autodestruição: caos, fusão com o corpo materno, alucinações, espectros de insetos, imagens de deslocamentos ou de castração.
Do ponto de vista clínico, a angústia, quando se torna patológica, pode ser superada se o sujeito conseguir desviar-se desse trauma real e distanciar-se do pavor da ausência, fonte de decepção. Ele pode, então, apreender seu significado, isto é, na terminologia lacaniana, designar o grande Outro, essa lei simbólica que o determina em sua relação com o desejo.
Podemos compreender: a angústia é ao mesmo tempo necessária à vida do desejo, impossível de evitar, sob pena de engodo, e, finalmente, relativamente controlável, quando sua origem pode ser simbolizada. Assim, é inútil procurar eliminá-la por completo com a ajuda de medicamentos.


Elisabeth Roudinesco é historiadora da psicanálise francesa, autora de "Jacques Lacan" (Companhia das Letras) e "Por Que a Psicanálise" (Jorge Zahar).
Tradução de Clara Allain.


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