São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

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O homem do presidente

Livro traça os perfis de Nixon e de Kissinger e investiga sua relação intensa e nada pacífica

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O presidente americano Richard Nixon [que governou os EUA de 1969 a 1974] e Henry Kissinger, seu secretário de Estado, prorrogaram desnecessariamente a Guerra do Vietnã [1959-75] por quatro anos, provocando milhares de mortes evitáveis, e tramaram intensamente contra o presidente Salvador Allende, do Chile, morto no golpe de 1973.
Era isso o que diziam os críticos daquela administração republicana, que terminou há 35 anos com a renúncia do presidente para evitar o impeachment em decorrência dos crimes praticados no caso Watergate [que vieram à tona em uma série de reportagens do jornal "The Washington Post" revelando a existência de um esquema ilegal montado pelo governo Nixon para vigiar o Partido Democrata, no prédio Watergate].
Agora, o que eram suposições largamente aceitas ganha o peso de verdade factual, com a divulgação de extensa documentação analisada pelo historiador Robert Dallek em "Nixon e Kissinger - Parceiros no Poder". Embora Dallek também trabalhe com dados divulgados anteriormente, suas conclusões são referendadas pela consulta a material de arquivos oficiais que ainda não havia sido utilizado. O autor teve à disposição milhões de páginas de documentos da Segurança Nacional, 2.800 horas de fitas gravadas por Nixon e 20 mil páginas com transcrições de conversas telefônicas de Kissinger.
Dallek, que escreve bem e não sufoca o leitor com a grande quantidade de informações, pinta um bom perfil dos personagens que dominaram a política externa dos Estados Unidos por cinco anos e meio, entre 1969 e 1974. Não deixa dúvida de que eram muito diferentes. Nixon era "um quacre de uma cidade pequena do sul da Califórnia que conquistou proeminência por meio da política"; Kissinger era um "imigrante judeu-alemão cuja inteligência inata o levou ao primeiro escalão dos acadêmicos americanos".
Os dois tiveram uma convivência intensa e nada pacífica. Nixon, diz Dallek, "estava certo ao suspeitar que Kissinger se considerava um intelectual superior manipulando um presidente maleável". Para Kissinger, o presidente era um "cérebro de ameba", o que dizia em conversas particulares. Para Nixon, o secretário era "o meu garoto judeu", o que dizia até na sua frente, para humilhá-lo.
O ponto em comum entre eles, nota o historiador, era o sonho grandioso de reformular as questões internacionais. A principal delas era a Guerra do Vietnã, problema herdado da administração anterior, democrata [Lyndon Johnson, 1963-69]. Os dois queriam acabar com a guerra, claro. Mas faziam questão de "um acordo com honra", ou seja, desejavam um Vietnã do Sul autônomo, "o que justificaria os sacrifícios feitos até então pelos EUA".
Os comunistas do Vietnã do Norte, no entanto, não aceitavam condições para a retirada das tropas americanas do Vietnã do Sul. E estavam em condições de impor sua vontade. O próprio Kissinger tinha ciência disso. Mesmo antes de assumir o cargo, avaliava que a guerra era impossível de ser vencida.
Diante dessa admissão, a continuação do conflito só pode ser classificada como um ato de hipocrisia política. A dupla se sentia acuada: se eles retirassem os soldados sem contrapartida, estariam derrotados; se os mantivessem em combate, estariam apenas adiando o fim, sem mudar o desfecho. Foi o que acabou acontecendo quando, em 1975, os comunistas tomaram Saigon [hoje Ho Chi Minh], a capital sul-vietnamita.
Dallek aponta um segundo equívoco na posição de Nixon e Kissinger. "Eles acreditavam erroneamente que abandonar Saigon ao seu próprio destino teria terríveis consequências para a política externa dos Estados Unidos em todo o mundo, principalmente em sua luta contra o comunismo".
Para ele, o presidente francês Charles de Gaulle estava certo ao dizer que "uma saída rápida do Vietnã teria ajudado e não arruinado a credibilidade dos Estados Unidos".
No Chile, Nixon e Kissinger cometeram o mesmo erro, achando que o governo socialista de Allende representava ameaça aos EUA. Dallek, que considera a suposição paranoica, descreve detalhadamente como a CIA [agência de inteligência dos EUA] tentou evitar sua eleição e, uma vez eleito, como fez de tudo para sabotar seu governo e apoiar os militares que acabaram dando o golpe em [11 de] setembro de 1973.
Menos de um ano depois, Nixon renunciou. Passaria o resto de sua vida, os 20 anos seguintes [Nixon morreu em 1994], tentando fixar a imagem do grande estadista, responsável pelo degelo entre EUA e China, como forma de minimizar Watergate e uma política externa por vezes desastrosa. Dallek não tira o mérito de Richard Nixon em relação à China, mas redimensiona a iniciativa ao contrastá-la com os equívocos cometidos no Vietnã e no Chile.

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A Aventura do Dinheiro" e "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha), entre outros.


NIXON E KISSINGER

Autor: Robert Dallek
Tradução: Bárbara Duarte
Editora: Jorge Zahar (tel. 0/xx/21/ 2108-0808)
Quanto: R$ 89 (750 págs.)




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