São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2001

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"Euclides da Cunha - Bibliografia Comentada", de Adelino Brandão, reúne 9.320 referências sobre o autor

Um escavador de arquivos

Maurício Santana Dias
da Redação

Como acontece todos os anos, nesta semana está sendo realizada em São José do Rio Pardo uma jornada de estudos sobre Euclides da Cunha, que escreveu "Os Sertões" (1902) nessa cidade do interior paulista. Desta vez, a grande novidade será o lançamento de "Euclides da Cunha - Bibliografia Comentada" (ed. Literarte, tel. 0/xx/ 11/4522-3745), obra que reuniu mais de 9.000 referências sobre o autor de "À Margem da História" e foi elaborada ao longo de 50 anos de pesquisas pelo professor Adelino Brandão, 74.

Euclides da Cunha é um dos autores brasileiros mais estudados, dentro e fora do país. Como foi a pesquisa para a sua bibliografia?
Neste livro recolhi tudo o que saiu de Euclides ou sobre ele desde 1884 até 2000. Meu trabalho se iniciou em 1952, quando comecei a reunir todo esse material. Meu pai participou da Guerra de Canudos, integrando a Brigada Policial do Pará na 4ª Expedição Militar. Em casa, tínhamos livros de Euclides e sobre Canudos. Ou seja, convivi com isso desde pequeno. Mas só percebi a bibliografia como um livro autônomo depois que escrevi a biografia "Paraíso Perdido" (Ibrasa, 1997). Só aí me dei conta de que tinha um material imenso, que jamais caberia como referência bibliográfica no "Paraíso Perdido".

Onde a maior parte desse material foi pesquisada?
Além das muitas bibliotecas e arquivos brasileiros, como a Biblioteca Nacional, a Academia Brasileira de Letras, os arquivos estaduais, estive na Inglaterra, França, Portugal, Estados Unidos, Canadá. Consultei também o arquivo da família de Euclides, que ficava no Rio de Janeiro e hoje está em Cantagalo (RJ), cidade onde ele nasceu. Andei pelo Brasil todo vasculhando dados. Obviamente não deu para recolher tudo o que há. Muita coisa se perdeu definitivamente. Além disso, tenho o meu arquivo particular, com mais de 300 livros sobre Euclides e uma hemeroteca de cerca de 5.000 artigos originais, publicados em jornais como "A Página", "Coluna", "A Folha do Norte", o "Diário de Notícias".

Em 1995 a Biblioteca Nacional editou uma bibliografia com 4.705 referências. O que a sua bibliografia traz de novo?
Bom, uma primeira diferença é a quantidade de referências. Meu livro reúne 9.320 referências bibliográficas, quase o dobro da obra publicada pela BN. Consegui incluir até uma tradução de "Os Sertões" para o chinês, por intermédio de um amigo que se fixou na China e tomou conhecimento dela. Também acrescentei algumas referências em russo, já que conheço o alfabeto cirílico. No entanto a originalidade não está só no volume de registros, mas também nos comentários que faço de todo esse material. Onde há conceitos com os quais não concordo, faço críticas contundentes.

A quem, por exemplo?
Discordo por exemplo de Ataliba Nogueira, especialmente da conclusão de seu livro "Antonio Conselheiro", que o vê como um sujeito preparado e culto. Tampouco compartilho a opinião de Ariano Suassuna, de quem gosto, mas discordo: segundo ele, Euclides não teria entendido bem o Conselheiro. Discordo também de Edmundo Moniz, que fez crítica literária de um ponto de vista estritamente político, sem considerações estéticas. Ele praticamente diz que Euclides era uma besta, só porque não era de esquerda. Ora, Euclides se preocupava com uma interpretação própria do Brasil, estava acima de polêmicas partidárias. Nelson Werneck Sodré, que era de esquerda, tem uma excelente crítica euclidiana; e Plínio Salgado, que era de direita, também. Euclides até escreveu um artigo elogiando Marx, embora não fosse um marxista. O fato é que ele mexeu com tudo: geografia, energia elétrica, engenharia, jornalismo... até delineou uma união aduaneira que antecipava em quase um século o Mercosul.

O sr. descobriu novas informações sobre a biografia do escritor?
Há muito artigo que é simples repetição de coisas fantasiosas, sem base nos documentos. Fui ver o arquivo onde estava o processo criminal sobre a morte de Euclides, tive acesso às peças do processo-crime -inclusive porque sou advogado e trabalhei no Fórum Central. Ele foi morto pelas costas, e não em duelo ou combate com o amante de sua mulher -como diz a lenda. Houve um complô para matá-lo, arquitetado por sua mulher e o assassino. Isso estava no processo, que aliás sumiu misteriosamente, há cerca de dez anos. Mas tirei cópias do laudo técnico feito pelo legista.

Essa é uma longa polêmica... E de que críticos o senhor gosta?
Há grandes trabalhos sendo feitos na Alemanha, onde "Os Sertões" já está na terceira edição. Nos EUA, Robert Levine (da Universidade da Flórida) tem belos estudos sobre Euclides. No Brasil, Gilberto Freyre foi um dos seus melhores críticos. Aprecio também Walnice Nogueira Galvão, Márcio José Lauria, Josué Montello, Antonio Olinto. E há José Calasans, o grande historiador de Canudos, que morreu recentemente. Leandro Tocantins...

E a velha discussão sobre se "Os Sertões" seriam reportagem ou romance?
Impossível chegar a uma conclusão. Afrânio Coutinho achava que era um romance; João Ribeiro, também. Certo. Ele usa a técnica romanesca. Mas ao mesmo tempo faz reportagem. Não trabalha com o fato seco, que é algo muito enfadonho. Euclides teve essa intuição em 1902 e acabou fazendo um épico-reportagem. Para mim, foi o maior repórter que o Brasil já teve (a Walnice não concorda, por uma questão de gênero que eu respeito). Um crítico alemão o chamou de "ensaio romântico", ao qual comparou o "Facundo", de Sarmiento (presidente eleito da Argentina de 1868 a 1874). Cada época terá sua própria visão. O fato é que "Os Sertões" é uma obra-prima de infinitas leituras.



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