|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
"Euclides da Cunha - Bibliografia Comentada", de
Adelino Brandão, reúne 9.320 referências sobre o autor
Um escavador de arquivos
Maurício Santana Dias
da Redação
Como acontece todos os anos,
nesta semana está sendo realizada em São José do Rio Pardo
uma jornada de estudos sobre
Euclides da Cunha, que escreveu "Os
Sertões" (1902) nessa cidade do interior
paulista. Desta vez, a grande novidade
será o lançamento de "Euclides da Cunha - Bibliografia Comentada" (ed. Literarte, tel. 0/xx/ 11/4522-3745), obra que
reuniu mais de 9.000 referências sobre o
autor de "À Margem da História" e foi
elaborada ao longo de 50 anos de pesquisas pelo professor Adelino Brandão, 74.
Euclides da Cunha é um dos autores brasileiros mais estudados, dentro e fora do
país. Como foi a pesquisa para a sua bibliografia?
Neste livro recolhi tudo o que saiu de
Euclides ou sobre ele desde 1884 até
2000. Meu trabalho se iniciou em
1952, quando comecei a reunir todo
esse material. Meu pai participou da
Guerra de Canudos, integrando a Brigada Policial do Pará na 4ª Expedição
Militar. Em casa, tínhamos livros de
Euclides e sobre Canudos. Ou seja,
convivi com isso desde pequeno. Mas
só percebi a bibliografia como um livro autônomo depois que escrevi a
biografia "Paraíso Perdido" (Ibrasa,
1997). Só aí me dei conta de que tinha
um material imenso, que jamais caberia como referência bibliográfica no
"Paraíso Perdido".
Onde a maior parte desse material foi pesquisada?
Além das muitas bibliotecas e arquivos brasileiros, como a Biblioteca Nacional, a Academia Brasileira de Letras, os arquivos estaduais, estive na
Inglaterra, França, Portugal, Estados
Unidos, Canadá. Consultei também o
arquivo da família de Euclides, que ficava no Rio de Janeiro e hoje está em
Cantagalo (RJ), cidade onde ele nasceu. Andei pelo Brasil todo vasculhando dados. Obviamente não deu
para recolher tudo o que há. Muita
coisa se perdeu definitivamente.
Além disso, tenho o meu arquivo particular, com mais de 300 livros sobre
Euclides e uma hemeroteca de cerca
de 5.000 artigos originais, publicados
em jornais como "A Página", "Coluna", "A Folha do Norte", o "Diário de
Notícias".
Em 1995 a Biblioteca Nacional editou uma
bibliografia com 4.705 referências. O que
a sua bibliografia traz de novo?
Bom, uma primeira diferença é a
quantidade de referências. Meu livro
reúne 9.320 referências bibliográficas,
quase o dobro da obra publicada pela
BN. Consegui incluir até uma tradução de "Os Sertões" para o chinês, por
intermédio de um amigo que se fixou
na China e tomou conhecimento dela. Também acrescentei algumas referências em russo, já que conheço o alfabeto cirílico. No entanto a originalidade não está só no volume de registros, mas também nos comentários
que faço de todo esse material. Onde
há conceitos com os quais não concordo, faço críticas contundentes.
A quem, por exemplo?
Discordo por exemplo de Ataliba Nogueira, especialmente da conclusão
de seu livro "Antonio Conselheiro",
que o vê como um sujeito preparado e
culto. Tampouco compartilho a opinião de Ariano Suassuna, de quem
gosto, mas discordo: segundo ele, Euclides não teria entendido bem o
Conselheiro. Discordo também de
Edmundo Moniz, que fez crítica literária de um ponto de vista estritamente político, sem considerações estéticas. Ele praticamente diz que Euclides era uma besta, só porque não
era de esquerda. Ora, Euclides se
preocupava com uma interpretação
própria do Brasil, estava acima de polêmicas partidárias. Nelson Werneck
Sodré, que era de esquerda, tem uma
excelente crítica euclidiana; e Plínio
Salgado, que era de direita, também.
Euclides até escreveu um artigo elogiando Marx, embora não fosse um
marxista. O fato é que ele mexeu com
tudo: geografia, energia elétrica, engenharia, jornalismo... até delineou
uma união aduaneira que antecipava
em quase um século o Mercosul.
O sr. descobriu novas informações sobre a
biografia do escritor?
Há muito artigo que é simples repetição de coisas fantasiosas, sem base
nos documentos. Fui ver o arquivo
onde estava o processo criminal sobre
a morte de Euclides, tive acesso às peças do processo-crime -inclusive
porque sou advogado e trabalhei no
Fórum Central. Ele foi morto pelas
costas, e não em duelo ou combate
com o amante de sua mulher -como
diz a lenda. Houve um complô para
matá-lo, arquitetado por sua mulher
e o assassino. Isso estava no processo,
que aliás sumiu misteriosamente, há
cerca de dez anos. Mas tirei cópias do
laudo técnico feito pelo legista.
Essa é uma longa polêmica... E de que críticos o senhor gosta?
Há grandes trabalhos sendo feitos na
Alemanha, onde "Os Sertões" já está
na terceira edição. Nos EUA, Robert
Levine (da Universidade da Flórida)
tem belos estudos sobre Euclides. No
Brasil, Gilberto Freyre foi um dos seus
melhores críticos. Aprecio também
Walnice Nogueira Galvão, Márcio José Lauria, Josué Montello, Antonio
Olinto. E há José Calasans, o grande
historiador de Canudos, que morreu
recentemente. Leandro Tocantins...
E a velha discussão sobre se "Os Sertões" seriam reportagem ou romance?
Impossível chegar a uma conclusão.
Afrânio Coutinho achava que era um
romance; João Ribeiro, também. Certo. Ele usa a técnica romanesca. Mas
ao mesmo tempo faz reportagem.
Não trabalha com o fato seco, que é
algo muito enfadonho. Euclides teve
essa intuição em 1902 e acabou fazendo um épico-reportagem. Para mim,
foi o maior repórter que o Brasil já teve (a Walnice não concorda, por uma
questão de gênero que eu respeito).
Um crítico alemão o chamou de "ensaio romântico", ao qual comparou o
"Facundo", de Sarmiento (presidente
eleito da Argentina de 1868 a 1874).
Cada época terá sua própria visão. O
fato é que "Os Sertões" é uma obra-prima de infinitas leituras.
Texto Anterior: Lançamentos Próximo Texto: As civilizações e o silêncio Índice
|