São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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O ovo da serpente

"O Jovem Stálin" busca as raízes autoritárias do ditador soviético ao analisar sua infância e juventude

JOHN LLOYD

A mão que assinou as sentenças de morte de milhares de pessoas um dia escreveu poemas. O cérebro que se estreitou a um ponto adamantino de suspeita contra tudo e todos um dia devorou literatura e conhecimento de todos os tipos. A alma que não se comovia diante dos gritos de agonia de suas vítimas um dia se desesperou diante da morte de uma jovem esposa. O misantropo solitário um dia foi um Don Juan.
O inimigo intolerante de todos os desvios um dia foi bandido. O retrato da infância e juventude de Stálin que Simon Sebag Montefiore traça em seu livro "Young Stalin" [O Jovem Stálin] descreve em detalhes extraordinários a vida de um dos integrantes da grande trilogia de monstros do século 20. Como Hitler e Mao Tse-tung, ele teve origens relativamente humildes. O pai, Vissarion Djugashvili, era um sapateiro que floresceu por algum tempo na cidade de Gori, no interior da Geórgia, mas terminou por desperdiçar todo o seu dinheiro em bebida e a descontar a raiva que sentia na mulher e no filho único.
Como Hitler e Mao, Stálin era um ávido autodidata. Como Mao, mas não como Hitler, tinha um apetite sexual voraz. E, como ambos, era completamente indiferente aos efeitos de sua inumanidade. Existe a tentação de tentar divisar o futuro tirano no menino. A brutalidade doméstica estimulou uma resistência. Assim que desenvolveu força física suficiente, começou a rebater os golpes do pai -uma revolta que pode lhe ter conferido um senso de independência. Os anos que passou em um seminário da Geórgia podem ter despertado sua capacidade de liderança e controle sobre seus pares. A vida como bandido lhe ensinou tanto a ser organizado quanto a ser inclemente. O período que passou em exílio na Sibéria o tornou confiante em sua própria capacidade e ágil no uso dos subterfúgios que lhe permitiriam suas freqüentes fugas.

A descoberta de Lênin
Mas muitas outras pessoas tiveram experiências como essas. Foi sua descoberta de Lênin que o levou a investir seu espírito em uma visão de mundo tanto limitada quanto extrema. Tornou-se, e continuou a ser, um comunista dedicado. De muitas maneiras, o retrato de seus primeiros anos de vida é o de um rebelde à procura de uma causa. Assim que a descobriu, ela o transformou no monstro que o nome que veio a adotar -de "stal", aço, em russo- descreve com perfeição. Sua poesia era bela, e atraiu atenção favorável do mundo literário de sua era. Em um poema, ele imagina um artista que vive cantando canções e tocando seu alaúde de porta em porta, mas que termina amaldiçoado e se vê forçado a beber veneno. "Beba isto, ó amaldiçoado!/ Este é o destino que lhe cabe!/ Não queremos sua verdade/ Nem suas malditas canções."
Stálin sobreviveu para forçar sua verdade pela garganta de um império e garantiu que quem tentasse propor uma alternativa fosse efetivamente forçado a beber veneno. Esta bela biografia demonstra que a criança pode ser pai de muitos possíveis homens. No caso de Stálin, o ferro do marxismo-leninismo penetrou em sua alma na adolescência e envenenou uma larga porção do mundo por décadas.

Este texto saiu no "Financial Times". Tradução de Paulo Migliacci.


YOUNG STALIN
Autor:
Simon Sebag Montefiore
Editora: Weidenfeld & Nicolson
Quanto: 25 libras, R$ 95 (398 págs.)

ONDE ENCOMENDAR
- Livros em inglês podem ser encomendados pelo site www.amazon.co.uk



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