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O ovo da serpente
"O Jovem Stálin" busca as raízes autoritárias do ditador soviético ao analisar sua infância e juventude
JOHN LLOYD
A mão que assinou as
sentenças de morte
de milhares de pessoas um dia escreveu poemas. O cérebro que se estreitou a um
ponto adamantino de suspeita
contra tudo e todos um dia devorou literatura e conhecimento de todos os tipos.
A alma que não se comovia
diante dos gritos de agonia de
suas vítimas um dia se desesperou diante da morte de uma jovem esposa. O misantropo solitário um dia foi um Don Juan.
O inimigo intolerante de todos
os desvios um dia foi bandido.
O retrato da infância e juventude de Stálin que Simon Sebag
Montefiore traça em seu livro
"Young Stalin" [O Jovem Stálin] descreve em detalhes extraordinários a vida de um dos
integrantes da grande trilogia
de monstros do século 20.
Como Hitler e Mao Tse-tung, ele teve origens relativamente humildes. O pai, Vissarion Djugashvili, era um sapateiro que floresceu por algum
tempo na cidade de Gori, no interior da Geórgia, mas terminou por desperdiçar todo o seu
dinheiro em bebida e a descontar a raiva que sentia na mulher
e no filho único.
Como Hitler e Mao, Stálin
era um ávido autodidata. Como
Mao, mas não como Hitler, tinha um apetite sexual voraz. E,
como ambos, era completamente indiferente aos efeitos
de sua inumanidade.
Existe a tentação de tentar
divisar o futuro tirano no menino. A brutalidade doméstica
estimulou uma resistência. Assim que desenvolveu força física suficiente, começou a rebater os golpes do pai -uma revolta que pode lhe ter conferido um senso de independência.
Os anos que passou em um
seminário da Geórgia podem
ter despertado sua capacidade
de liderança e controle sobre
seus pares. A vida como bandido lhe ensinou tanto a ser organizado quanto a ser inclemente. O período que passou em
exílio na Sibéria o tornou confiante em sua própria capacidade e ágil no uso dos subterfúgios que lhe permitiriam suas
freqüentes fugas.
A descoberta de Lênin
Mas muitas outras pessoas
tiveram experiências como essas. Foi sua descoberta de Lênin que o levou a investir seu
espírito em uma visão de mundo tanto limitada quanto extrema. Tornou-se, e continuou a
ser, um comunista dedicado.
De muitas maneiras, o retrato de seus primeiros anos de vida é o de um rebelde à procura
de uma causa. Assim que a descobriu, ela o transformou no
monstro que o nome que veio a
adotar -de "stal", aço, em russo- descreve com perfeição.
Sua poesia era bela, e atraiu
atenção favorável do mundo literário de sua era. Em um poema, ele imagina um artista que
vive cantando canções e tocando seu alaúde de porta em porta, mas que termina amaldiçoado e se vê forçado a beber veneno. "Beba isto, ó amaldiçoado!/
Este é o destino que lhe cabe!/
Não queremos sua verdade/
Nem suas malditas canções."
Stálin sobreviveu para forçar
sua verdade pela garganta de
um império e garantiu que
quem tentasse propor uma alternativa fosse efetivamente
forçado a beber veneno.
Esta bela biografia demonstra que a criança pode ser pai de
muitos possíveis homens.
No caso de Stálin, o ferro do
marxismo-leninismo penetrou
em sua alma na adolescência e
envenenou uma larga porção
do mundo por décadas.
Este texto saiu no "Financial Times". Tradução de Paulo Migliacci.
YOUNG STALIN
Autor: Simon Sebag Montefiore
Editora: Weidenfeld & Nicolson
Quanto: 25 libras, R$ 95 (398 págs.)
ONDE ENCOMENDAR
- Livros em inglês podem ser encomendados pelo site www.amazon.co.uk
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