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Leia trecho de "Um Estudo Crítico da História"
Perspectivas para o século 21
HELIO JAGUARIBE
Conforme foi discutido brevemente na última seção do capítulo
18, as perspectivas para as primeiras décadas do século 21 são dependentes da espécie de evolução
que terá lugar na sociedade de
consumo de massas contemporânea, tecnológica, intransitiva e, estreitamente vinculado a ela, do tipo de ordem mundial que irá surgir.
A sociedade tecnológica intransitiva de massas atual está gerando um novo tipo de personalidade: o homem descartável. O homem descartável como trabalhador, como burocrata, como presidente, que pode ser substituído
por outros homens descartáveis.
Entretanto, conforme o que foi
observado anteriormente, uma
sociedade de consumo totalmente intransitiva não é auto-sustentável. Há dois resultados possíveis. Um deles seria a formação de
um mundo orwelliano no qual a
elite do poder instituiria uma administração tecnocrática autoritária, por meio da qual seria mantido o consumismo intransitivo,
em troca do apoio dado à elite no
poder.
A outra alternativa seria uma
sociedade tecnológica neo-helenística, contendo muitos padrões
e níveis de comportamento diferentes, na qual o consumismo intransitivo seria mantido sob a direção de uma elite tecnológica
neo-estóica dedicada à produção
e aos assuntos públicos.
Na discussão precedente desses
modelos, foi enfatizado que tanto
a experiência histórica, nos casos
dos reinos helenísticos e da Roma
imperial, quanto o exemplo presente da mais adiantada sociedade tecnológica de consumo de
massas de nossos tempos indicam que a hipótese tecnológica
neo-helenística é a que mais provavelmente vai prevalecer.
O tipo de ordem mundial que
vai surgir no decorrer das primeiras décadas do século 21 será condicionado principalmente pelas
tendências que nossa sociedade
tecnológica de consumo de massas vai seguir. Uma sociedade de
massas orwelliana geraria uma
ordem mundial de tipo orwelliano, baseada na coordenação internacional das elites de poder dominantes, sob liderança norte-americana. Uma evolução diferente e mais provável da sociedade de hoje abriria a possibilidade
de dois modelos alternativos: a
"pax americana" ou uma ordem
mundial multipolar patrocinada
pela ONU, levando à "pax universalis".
No momento em que escrevo, a
intervenção militar da Otan na Iugoslávia, em resposta ao genocídio promovido pelos sérvios em
Kosovo, indica a maneira pela
qual os Estados Unidos estão tentando impor a "pax americana". É
uma pax da Otan sob liderança
americana. Neste momento, é impossível prever como vai terminar
essa intervenção, após a aceitação
imposta a Milosevic das condições ditadas pela Otan.
O que se pode prever, entretanto, é que o modelo de paz da Otan
será submetido a um teste importante e possivelmente decisivo. Se
a aliança da Otan se perpetuar,
mesmo que com algumas deserções menores, o projeto de hegemonia norte-americana no mundo, sob o manto da Otan, será
consolidado por algum tempo.
Mas a nova ordem mundial resultante de uma "pax da Otan", assumindo o lugar da "pax americana", seria marcada pela ausência
de universalidade e de permanência estável. Representaria o primeiro passo em direção a uma
nova bipolaridade futura, na medida em que importantes potências exteriores à Otan, como China, Rússia, Índia, o mundo islâmico e outras, contestariam essa ordem, inicialmente de maneira
passiva e, no decorrer de algumas
décadas, de forma ativa.
Outra hipótese é que a aliança
da Otan não sobreviva, deixando
apenas o Reino Unido como
membro ativo e, mesmo assim,
provavelmente por não muito
tempo. Se importantes países europeus optassem por retirar-se
da Otan ou da participação ativa
na Aliança Atlântica, a decisão os
levaria a organizar seu próprio
sistema independente de defesa,
gerando uma política externa independente e uma integração política muito mais estreita. Resultaria desses processos uma Europa "européia". Com ela, seria dado um passo importante em direção a uma ordem mundial multipolar e patrocinada pela ONU, levando à "pax universalis".
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