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Obra de Yi Sáng é culto coreano
da Redação
"Olho-de-Corvo" levou dois
anos e meio para ser organizado,
traduzido e anotado por Yun
Jung Im, coreana naturalizada
brasileira. Antes, Yun Jung Im já
havia publicado outras duas antologias de poemas coreanos: "O
Pássaro Que Comeu o Sol - Poesia
Moderna da Coréia" (ed. Arte
Pau-Brasil) e "Sijô - Poesiacanto
Coreana Clássica" (ed. Iluminuras), este em parceria com Alberto
Marsicano.
O livro que a Perspectiva ora
publica permite uma visão bastante abrangente da obra de Yi
Sáng, "descoberto" no Brasil pelo
poeta e tradutor Paulo Leminski.
A primeira parte inclui, nesta ordem, cinco dos mais famosos
contos do autor, cinco escritos
que oscilam entre o ensaio e a ficção, e 15 poemas da série "Olho-de-Corvo", comentados um a um
em notas no final da seção. A segunda parte começa com uma
breve biografia sobre Yi Sáng e
termina com seis textos críticos
sobre sua obra, escritos entre 1937
(ano de sua morte) e 1995 (publicação das "Obras Completas", em
quatro volumes).
O volume, que também traz fotos e ilustrações do poeta, se encerra com um apêndice sobre "O
Alfabeto Coreano, os Ideogramas
Chineses e a Romanização", em
que a organizadora traça um histórico da língua coreana.
Ali o leitor brasileiro fica sabendo, por exemplo, que a escrita coreana foi criada em meados do século 15 pelo rei Sejong, o Grande
(1397-1450), que não se conformava com a discrepância que havia entre a língua fala e a escrita
(na época, usava-se o ideograma
chinês). O mais curioso é que essa
nova escrita, baseada num alfabeto fonêmico de 28 letras e instituída por decreto, acabou de fato se
tornando a língua coreana que
hoje se lê nos jornais de Seul
-com a diferença de que hoje as
28 letras foram reduzidas a 24, dez
vogais e 14 consoantes básicas.
Yun Jung Im conta que o maior
problema no trabalho de tradução do coreano para o português é
a romanização, ou seja, a transposição do alfabeto coreano para o
romano. Isso se torna particularmente difícil no caso da poesia de
Yi Sáng, um radical experimentador da linguagem. "Mesmo hoje,
a maioria dos coreanos diria que
os textos de Yi Sáng são incompreensíveis. A primeira vez que li
o conto "Aranha Encontra Porco",
por exemplo, não entendi absolutamente nada. Tudo nele é estranho", confessa a tradutora.
Depois de muito discutir com o
poeta Haroldo de Campos, que
assina a orelha do livro e é citado
como o responsável pela "revisão
poética", a tradução da primeira
frase do conto ficou assim: "Naquelanoite aesposarolouescadaabaixo -eumsenhormuitoesperto
jádeixoualertado quenãoépraficarlamentandoàtoa coisasdemanhã" (pág. 45).
Mesmo para os escritores mais
ousados da moderna literatura
coreana, cujo início os compêndios de história literária costumam datar em 1908, as invenções
de Yi Sáng eram impenetráveis.
"A dificuldade de leitura não era
tanto decodificar o uso singular
que Yi Sáng fazia da estrutura silábica; note-se que ele não quebra
com a sintaxe", observa a tradutora. Mais difícil era entender o sentido daquelas repetições obsessivas e das figuras semi-humanas.
O fato de ter passado mais de
dois anos trabalhando "obsessivamente" com a obra de Yi Sáng
trouxe inclusive algumas consequências a Yun Jung Im. "Acabei
entrando no espírito. Discuti
muito com o meu analista. O fato
é que terminei incorporando a
pulsão de morte, a apatia e a preguiça de Yi Sáng", diz ela.
Neste século a literatura coreana, principalmente em poesia, foi
cada vez mais influenciada por literaturas ocidentais, assimilando
o surrealismo, o existencialismo,
o poema visual. Isso permitiu que
a obra de Yi Sáng, embora ainda
hoje vista como marginal ("um
caso literário"), fosse progressivamente incorporada pelo cânone.
"Hoje, na Coréia, praticam-se literaturas de todas as tendências,
sem nenhum constrangimento.
Por isso Yi Sáng é um nome sempre citado e, embora não unanimemente, bastante cultuado, não
só no meio underground, mas
também dentro do establishment
literário. O seu conto "Asas" é leitura obrigatória em todos os currículos", comenta Yun Jung Im.
Sobre nomes relevantes da moderna literatura coreana, Im cita:
"Dos que produziram antes de 45,
são importantes, em prosa, Kim
Dong-In e Yi Kwang-su; em poesia, Kim So-wol e Yi Yuk-sa (este
último tornado público somente
após 45). Na fase pós-45, mencionaria os narradores Hwang Sun-won e Yi Mun-Yol e os poetas
Kim Chun-su e Park In-hwan".
Dando continuidade à divulgação da literatura de seu país, Yun
Jung Im tem em vista dois novos
projetos: uma coletânea de contos
(prevista para 2002) e a tradução
de Yi Sáng para o inglês.
(MSD)
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