São Paulo, Domingo, 12 de Setembro de 1999
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Obra de Yi Sáng é culto coreano

da Redação

"Olho-de-Corvo" levou dois anos e meio para ser organizado, traduzido e anotado por Yun Jung Im, coreana naturalizada brasileira. Antes, Yun Jung Im já havia publicado outras duas antologias de poemas coreanos: "O Pássaro Que Comeu o Sol - Poesia Moderna da Coréia" (ed. Arte Pau-Brasil) e "Sijô - Poesiacanto Coreana Clássica" (ed. Iluminuras), este em parceria com Alberto Marsicano.
O livro que a Perspectiva ora publica permite uma visão bastante abrangente da obra de Yi Sáng, "descoberto" no Brasil pelo poeta e tradutor Paulo Leminski. A primeira parte inclui, nesta ordem, cinco dos mais famosos contos do autor, cinco escritos que oscilam entre o ensaio e a ficção, e 15 poemas da série "Olho-de-Corvo", comentados um a um em notas no final da seção. A segunda parte começa com uma breve biografia sobre Yi Sáng e termina com seis textos críticos sobre sua obra, escritos entre 1937 (ano de sua morte) e 1995 (publicação das "Obras Completas", em quatro volumes).
O volume, que também traz fotos e ilustrações do poeta, se encerra com um apêndice sobre "O Alfabeto Coreano, os Ideogramas Chineses e a Romanização", em que a organizadora traça um histórico da língua coreana.
Ali o leitor brasileiro fica sabendo, por exemplo, que a escrita coreana foi criada em meados do século 15 pelo rei Sejong, o Grande (1397-1450), que não se conformava com a discrepância que havia entre a língua fala e a escrita (na época, usava-se o ideograma chinês). O mais curioso é que essa nova escrita, baseada num alfabeto fonêmico de 28 letras e instituída por decreto, acabou de fato se tornando a língua coreana que hoje se lê nos jornais de Seul -com a diferença de que hoje as 28 letras foram reduzidas a 24, dez vogais e 14 consoantes básicas.
Yun Jung Im conta que o maior problema no trabalho de tradução do coreano para o português é a romanização, ou seja, a transposição do alfabeto coreano para o romano. Isso se torna particularmente difícil no caso da poesia de Yi Sáng, um radical experimentador da linguagem. "Mesmo hoje, a maioria dos coreanos diria que os textos de Yi Sáng são incompreensíveis. A primeira vez que li o conto "Aranha Encontra Porco", por exemplo, não entendi absolutamente nada. Tudo nele é estranho", confessa a tradutora.
Depois de muito discutir com o poeta Haroldo de Campos, que assina a orelha do livro e é citado como o responsável pela "revisão poética", a tradução da primeira frase do conto ficou assim: "Naquelanoite aesposarolouescadaabaixo -eumsenhormuitoesperto jádeixoualertado quenãoépraficarlamentandoàtoa coisasdemanhã" (pág. 45).
Mesmo para os escritores mais ousados da moderna literatura coreana, cujo início os compêndios de história literária costumam datar em 1908, as invenções de Yi Sáng eram impenetráveis. "A dificuldade de leitura não era tanto decodificar o uso singular que Yi Sáng fazia da estrutura silábica; note-se que ele não quebra com a sintaxe", observa a tradutora. Mais difícil era entender o sentido daquelas repetições obsessivas e das figuras semi-humanas.
O fato de ter passado mais de dois anos trabalhando "obsessivamente" com a obra de Yi Sáng trouxe inclusive algumas consequências a Yun Jung Im. "Acabei entrando no espírito. Discuti muito com o meu analista. O fato é que terminei incorporando a pulsão de morte, a apatia e a preguiça de Yi Sáng", diz ela.
Neste século a literatura coreana, principalmente em poesia, foi cada vez mais influenciada por literaturas ocidentais, assimilando o surrealismo, o existencialismo, o poema visual. Isso permitiu que a obra de Yi Sáng, embora ainda hoje vista como marginal ("um caso literário"), fosse progressivamente incorporada pelo cânone.
"Hoje, na Coréia, praticam-se literaturas de todas as tendências, sem nenhum constrangimento. Por isso Yi Sáng é um nome sempre citado e, embora não unanimemente, bastante cultuado, não só no meio underground, mas também dentro do establishment literário. O seu conto "Asas" é leitura obrigatória em todos os currículos", comenta Yun Jung Im.
Sobre nomes relevantes da moderna literatura coreana, Im cita: "Dos que produziram antes de 45, são importantes, em prosa, Kim Dong-In e Yi Kwang-su; em poesia, Kim So-wol e Yi Yuk-sa (este último tornado público somente após 45). Na fase pós-45, mencionaria os narradores Hwang Sun-won e Yi Mun-Yol e os poetas Kim Chun-su e Park In-hwan".
Dando continuidade à divulgação da literatura de seu país, Yun Jung Im tem em vista dois novos projetos: uma coletânea de contos (prevista para 2002) e a tradução de Yi Sáng para o inglês. (MSD)


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