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"Sonho de uma Noite de Verão" e "Macbeth", adaptadas para a prosa e dirigidas a jovens leitores e encenadores, ressaltam a força dramática das peças e se mostram uma boa iniciação à obra do autor inglês
A ficção legal de Shakespeare
Beth A. Keiser - 18.abr.2002/Associated Press
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Encenação de "Sonho de uma Noite de Verão", de William Shakespeare, em Nova York |
Luiz Fernando Ramos
especial para a Folha
Shakespeare é sempre um desafio a
qualquer tradutor, seja o que verte
o inglês do bardo numa nova língua, seja o que encena -e traduz
em matéria teatral- o que era antes literatura dramática. Em qualquer uma dessas formas de tradução há resultados
mais e menos felizes. Imagine-se um arco em que numa extremidade esteja a
adaptação sofrível de uma peça de Shakespeare para história em quadrinhos e
em outra uma montagem em inglês assistida no próprio Globe Theatre de Londres, hoje reconstituído.
Independentemente da qualidade da
tradução, se fosse possível estabelecer
uma gradação de fidelidade ao original,
cada meio escolhido tem suas próprias
leis, e a tradução deve ser julgada não em
relação a um ideal estático, mas de acordo com as condições dinâmicas em que
se insere. A coleção "Shakespeare" da
editora Objetiva pretende atingir um público infanto-juvenil e servir como um
convite a que marinheiros de primeira
viagem possam navegar na ficção shakespeariana. Essa pretensão foi alcançada, sem dúvida, na prosa desenvolta com
que Fernando Nuno traduziu peças como "Sonho de Uma Noite de Verão" e
"Macbeth".
Sentidos inequívocos
Os puristas
poderão argumentar que, mais do que
uma tradução, há uma transfiguração,
quando se verte o que eram falas ritmadas, ainda que muitas vezes em versos
brancos, em prosa coloquial e se lança
mão de um vocabulário corrente para
explicitar as elípticas metáforas de Shakespeare. No cômputo geral, contudo, as
vantagens que essa facilitação no acesso
trazem não são pequenas, e, ademais,
qualquer iniciante em Shakespeare poderá sempre evoluir para traduções mais
elaboradas, para a leitura no original e,
idealmente, até para a condição de espectador das peças encenadas no Globe
Theatre.
Shakespeare talvez seja o autor mais
globalizado do planeta, tendo sido adaptado e devorado pelas mais diversas culturas. No caso da adaptação para o formato romance ou novela, como no caso
das traduções de Nuno, o que chama a
atenção é o comportamento de sua dramaturgia nesse desdobramento ou nessa
torção que a mudança de registro provoca. Potencialidades não-exploradas se
revelam, e regiões tomadas como inacessíveis se deixam tocar. Isso acontece particularmente na elucidação das metáforas cujos sentidos, sempre ariscos na rapidez da palavra curta e sintética do verso, a prosa separa e exibe de forma linear,
tornando-os inequívocos.
Com certeza há um empobrecimento
da forma, mas que resulta em clarificação narrativa. À medida que o tradutor
segue rigorosamente a estrutura das cenas, todas as entradas e saídas e outras
rubricas, o desenho do arco da ação dramática é sublinhado e se destaca.
Falta de espaço
Ao mesmo tempo,
muitas vezes as metáforas parecem latejar na forma narrativa, querendo explodir além da prosa. Como se esta não lhes
oferecesse espaço para as circunvoluções
a que, enquanto poesia, aspiram. Outro
problema é que as indicações cênicas estão sobrecarregadas na função narrativa,
somando-se, ao comentário normalmente discreto da rubrica, a fala de um
narrador explícito, que apresenta os personagens e informa quando começam
ou deixam de falar.
São prejuízos inevitáveis das opções
adotadas, mas que não chegam a invalidar o projeto de Nuno. Ao contrário,
além de garantir acessibilidade, ele apresenta com a sua adaptação ângulos de
leitura das respectivas peças que desnudam suas estruturas essenciais e se faz
útil não só ao jovem leitor, mas também
ao jovem encenador.
Nesse balanço de perdas e ganhos que
a constrição da matéria shakespeariana
na forma narrativa enseja, há que ressaltar, ainda, a notável flexibilidade que as
peças "Macbeth" e "Sonho de Uma Noite de Verão" revelaram ao se moldarem a
essas novas circunstâncias. Sendo ambas
peças em que a habilidade de Shakespeare como tecelão de tramas intrincadas
excede e em que ações humanas estimuladas por forças sobrenaturais resultam
ora em tragédia, ora em concórdia e harmonia, essa versatilidade foi particularmente evidenciada.
O tradutor Fernando Nuno já tinha
lançado esse ano versões semelhantes de
"Hamlet" e "Romeu e Julieta" e promete
adaptar mais oito peças de Shakespeare.
Terá sido um esforço meritório na divulgação no Brasil do maior poeta dramático da língua inglesa. É preciso, porém,
ter claro que essas adaptações não esgotam as possibilidades de aproximação
com aquela dramaturgia. Ler Shakespeare numa tradução que resgatasse a riqueza musical e formal de seus versos permitiria uma fruição de qualidade muito
superior.
Mal comparando, seria como assistir a
um gol de Pelé em imagens reais em vez
de, como é o caso nessas adaptações de
Nuno, assisti-lhe numa animação, percebendo a jogada só pelo seu desenho esquemático, descarnada das nuanças rítmicas e dos detalhes plásticos.
Luiz Fernando Ramos é professor de teoria e história do teatro do departamento de artes cênicas da USP. É autor de "O Parto de Godot e Outras Encenações Imaginárias" (ed. Hucitec).
Sonho de uma Noite de Verão
108 págs., R$ 22,90
de William Shakespeare. Tradução e adaptação de Fernando Nuno. Ed. Objetiva (r.
Cosme Velho, 103, CEP 22241-090, RJ, tel.
0/xx/21/2556-7824).
Macbeth
112 págs., R$ 22,90
de William Shakespeare. Tradução e adaptação de Fernando Nuno. Ed. Objetiva.
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