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+Livros
Conceito e ruptura
Professor
de filosofia
rebate crítica feita a
seu livro
no Mais!
da semana
passada
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VLADIMIR SAFATLE
ESPECIAL PARA A FOLHA
No Mais! de 5/10, o
professor de teoria
literária Evando
Nascimento escreveu que meu último livro ["Cinismo e Falência
da Crítica", ed. Boitempo] não
passava, no fundo, de um
amargo arremedo negativista
marcado pelo ecletismo e pela
imprecisão conceitual.
Tais opiniões pessoais não
me incomodariam se não estivessem baseadas em equívocos
grosseiros de leitura a respeito
do que escrevi. Vi-me acusado
de dizer o que não disse e de
não dizer o que disse.
Primeiro, algumas considerações sobre a acusação de
"ecletismo". Em um artifício
retórico não muito recomendável, o resenhista apresenta
uma espécie de índice onomástico do meu livro e diz que os
autores ali citados "são convocados num grande amálgama".
Quem diz amálgama, diz
continuidade, fusão. Ou seja, a
acusação é de que eu teria dito
existir alguma espécie bizarra
de unidade fusional entre Hegel, Austin, Lyotard, Bakhtin,
Lacan, Habermas, Deleuze e
Calvin Klein.
Francamente, nunca defendi
absurdo parecido, a não ser que
o resenhista confunda sistematicamente continuidade com
confrontação e debate.
A noção de ideologia
Na verdade, a partir de uma
matriz que articula psicanálise
lacaniana e tradição dialética
(Hegel, Adorno), procurei estabelecer linhas de ruptura entre
uma teoria da racionalidade cínica, que poderíamos derivar
de tal matriz, e algumas tendências hegemônicas de reflexão sobre processos de racionalização nas sociedades contemporâneas.
Assim, se ele se pergunta sobre "o que Foucault e Deleuze
estão fazendo num texto que
retrocede a uma filosofia da
consciência hegeliana (sic),
aliada a uma teoria psicanalítica lacaniana", a resposta é simples: eles estão, em larga medida, sendo criticados em pontos
regionais e precisos.
O primeiro, devido a aspectos de sua crítica à dita "hipótese repressiva". O segundo, devido a certas conseqüências de
sua articulação entre capitalismo e esquizofrenia, assim como de sua teoria da sexualidade
derivada do masoquismo.
Se afirmei, por exemplo, que
certos pontos da teoria hegeliana da modernidade reaparecem, com sinais invertidos, como teoria do capitalismo avançado no pós-estruturalismo de
Deleuze/Guattari e Lyotard,
trata-se simplesmente de uma
estratégia de crítica a tal inversão. Diga-se de passagem, é no
mínimo peculiar que o resenhista chame "pós-estruturalismo" de "rótulo impreciso",
enquanto ele mesmo se auto-define como especialista em...
"pós-estruturalismo francês".
No mesmo ímpeto, me pede
uma definição clara de ideologia quando há todo um capítulo
dedicado exatamente à exposição da especificidade do conceito adorniano de ideologia e à
necessidade de recuperá-lo.
Wikipédia?
Procuro mostrar como uma
noção contemporânea de ideologia que não faz mais apelo a
conceitos como "falsa consciência" e "reificação" pode
fundamentar-se a partir da
análise de disposições de conduta marcadas por aquilo que
Adorno chama de "sintomas de
consciência duplicada".
Pode-se não concordar com
tal estratégia, mas dizer que ela
esconde uma imprecisão conceitual só faz sentido se o leitor
estiver acostumado apenas
com definições de Wikipédia.
Por fim, há uma fração da intelectualidade nacional que
acredita fazer análise quando
repete adjetivos como "niilismo", "negativismo", "lógica do
pior", "fracassomania" contra
aqueles que desconfiam da força reguladora de chamados edificantes à "convivência mútua
pautada por valores solidários".
Não creio que isso deva ser levado a sério pois, parafraseando [o filósofo] Bento Prado Jr.,
"sempre se é o niilista de alguém". Ou seja, niilista é sempre o outro, aquele que preciso
desqualificar para elevar o fundamento de minha perspectiva
de avaliação à condição de princípio inquestionável.
Como se trata de desqualificação, já se saiu há muito da dimensão da análise para se entrar na lama da injúria.
VLADIMIR SAFATLE leciona filosofia na USP.
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