São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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O espião que entrou numa fria


Em novo romance, John le Carré faz bom entretenimento, mas não reedita melhores obras

MICHIKO KAKUTANI

O último romance de John le Carré, "A Most Wanted Man" [Um Homem Muito Procurado, ed. Scribner, 336 págs., US$ 28, R$ 62], se passa em Hamburgo (Alemanha), cidade onde Mohamed Atta e outros membros da Al Qaeda se prepararam para o ataque aos EUA -uma "cidade culpada", que abrigou essa célula terrorista e que, nos anos que passaram desde os atentados, tornou-se um ponto focal das inteligências alemã, americana e britânica. É nessa Hamburgo pós-11 de Setembro que agentes desses três países se dedicam a um jogo de vigilância e detenção com altas apostas. É aqui que um imigrante ilegal e suspeito de terrorismo e vários cidadãos honestos e liberais são apanhados em suas redes de manipulação e traição. Embora a história seja animada pelo íntimo conhecimento que Le Carré tem do ramo e de seus insights psicológicos, o romance é prejudicado por uma narrativa excessivamente esquematizada. Em conseqüência, o claro-escuro moral e as ambigüidades matizadas que distinguem seus romances da Guerra Fria dão lugar, nestas páginas, a uma narrativa mais previsível, que às vezes beira o sentimentalismo e a artificialidade. Como em muitos romances anteriores seus, o protagonista é um homem que luta para entender o legado de seu pródigo pai. Issa, que aparece nas ruas de Hamburgo procurando refúgio, diz que é da Tchechênia e, embora seja "sem país, sem teto, um ex-prisioneiro e ilegal", diz que, com a ajuda de Alá, pretende estudar medicina no Ocidente.

Passaporte
Mais tarde, alegará que seu pai -um coronel russo chamado Karpov, que teria violentado sua mãe tchechena e a abandonado à morte- contrabandeou uma grande soma de dinheiro para fora do país, e que ele, Issa, recebeu instruções para contatar Tommy Brue, o único sócio sobrevivente de um banco particular chamado Brue Frères. Ele não quer tocar em um euro desse dinheiro sujo, acrescenta, mas espera que de alguma forma Brue possa ajudá-lo a obter um passaporte alemão e uma permissão de residência. Os movimentos de Issa são rastreados pelas autoridades alemãs, algumas das quais afirmam que ele é um "criminoso russo islâmico com uma longa lista de condenações por ações militares", um homem perigoso que escapou da prisão e que se infiltrou na Alemanha. Enquanto isso, vários cidadãos de bem de Hamburgo decidem ajudar Issa. Em vez de ver nele um perigoso militante, vêem um jovem traumatizado, que aspira a ser médico e gosta de escutar Tchaikóvski. Leyla, uma emigrada russa, e seu filho Melik dão refúgio temporário a Issa em seu apartamento, mas temem que isso comprometa suas chances de obter a cidadania alemã. E uma jovem advogada chamada Annabel Richter, que trabalha para a organização Santuário Norte, o aceita como cliente. E, de maneira muito previsível, uma série de emaranhados emocionais complica as coisas. Le Carré orquestra esses desenvolvimentos de modo suave, mas prolixo -como um autor de roteiros de suspense ligado no piloto automático. E, enquanto seus retratos de Annabel e alguns agentes da inteligência alemã são emocionalmente detalhados, Issa e Abdullah permanecem figuras frágeis e esquemáticas -mais símbolos que seres humanos. Nesse sentido, o desprezo de Le Carré pela abordagem dos EUA pós-11 de Setembro à guerra ao terror não apenas dá lugar a uma história contada em preto-e-branco -sem os cinzas que distinguiram suas famosas novelas de Smiley- como também resulta em um final que o leitor prevê com grande antecedência.

A íntegra deste texto saiu no "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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