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Ponto de fuga
O olhar e a palmatória
Jorge Coli
especial para a Folha
O rosto não se mexe. Alguma coisa
estranha acontece, porém. Por trás da
imobilidade, por trás dos olhos fixos,
ocorreu a mudança de expressão, de
sentimentos. Brota uma força interior
inexplicável. Helen Mirren é uma atriz
como muito poucas existem. Tem 53
anos. Sua carreira projetou-se recentemente fora da Inglaterra graças a um
Grammy, e suas escolhas são incomuns: ela pode passar de Shakespeare,
aclamada no sacrossanto Royal National Theatre de Londres, como Cleópatra, a Mrs. Tingle, professora severa
num filme de adolescentes americanos.
Seja onde for -no seriado britânico
para televisão "Prime Suspect" ou dirigida por Peter Greenaway-, qualquer
personagem por ela interpretado adquire essa verdade estranha que convence o espectador de sua existência
real, parecendo prolongar-se fora da tela ou da cena. O tema de "Teaching
Mrs. Tingle" é ótimo: laços ambíguos
entre professores e alunos, feitos de tirania, inveja, seduções e ódios. Há uma
minuciosa direção de atores. Talvez a
trama, hesitante entre o comédia divertida e as relações perversas, impeça o
filme de ir fundo num sentido ou no
outro.
É verdade que os alunos são tão debilóides, e Helen Mirren tão poderosa,
que a torcida acaba ficando pela professora megera. O diretor de "Teaching
Mrs. Tingle", Kevin Williamson, escreveu os ótimos roteiros dos diferentes
"Scream", filmes de terror situados
também no mundo dos colegiais.
Vade retro
Arnold não é apenas um
monte de músculos. Fez grandes filmes: "Conan 2", na direção fina de Richard Fleischer; os três sob o comando
de James Cameron, sobretudo a obra-prima que é "Exterminador do Futuro"; o mal-amado "The Last Action Hero", reflexão amorosa e pessoal sobre o
fascínio do cinema. Há ainda outros.
Mas o último, "Fim dos Dias", é um
desastre, salvando-se, às vezes, só pelo
avesso. Insere-se na curiosa visão anglo-saxônica de uma Igreja Católica como núcleo de práticas mágicas, bárbaras e arcaicas. Desde pelo menos os romances góticos ingleses do século 18,
desde "O Monge", de Lewis, até "O
Exorcista", por exemplo, essa perspectiva produziu obras bizarras. Aqui, sem
imaginação, cai no ridículo, em que católicos são lamentáveis, e os satanistas,
debilóides.
Um pobre Diabo, grandiloquente, canastrão, com poderes espetaculares,
mas bem ineficazes, quer desesperadamente transar no momento da passagem do milênio. Arnold é mais forte
-e o impede com a ajuda de Deus.
Ajuda, apenas? Não, Arnold é quase
Cristo, crucificado e sacrificando-se para salvar a humanidade.
Divina
Raridade no MoMa: projeção de "Rainha Elizabeth", de 1912,
com Sarah Bernhardt. O filme foi uma
tentativa, bem-sucedida, para recuperar os custos de uma peça suntuosa que
fracassara.
A grande Sarah, com 68 anos, disfarçava as dificuldades de locomoção causadas por sua perna de pau. Longamente, ela permanece imóvel, vendo a
procissão que conduz Essex à morte;
adquire, então, a beleza de uma figura
de Gallé.
Por sinal, todos os gestos são art nouveau, uma espécie de discreta dança sinuosa. Sarah traz sempre os seus galgos, como no retrato pintado por Clairin.
Ecos
Afora as últimas obras de Verdi,
afora a "Gioconda", de Ponchielli, "Il
Guarany" e "Salvatore Rosa", de Carlos
Gomes, só uma outra ópera italiana teve sucesso de fato nos anos de 1870 e
1880. Era "Ruy Blas" (1869), de um certo Marchetti, representada no mundo
inteiro e esquecida depois.
A sua primeira gravação é lançada
pela marca Bongiovanni. Cativante, a
obra faz apreender melhor a cultura
musical do momento em que, mais inspirado e inquieto, Carlos Gomes também compunha.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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