São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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"Com o concreto, pode-se pensar o passado como curiosidade'

DOS ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

"Ver surgir da folha de papel em branco um palácio, um teatro, é uma coisa que emociona." O autor da frase, Oscar Niemeyer, fez essa mágica pelo menos uma dezena de vezes só em 2004. Leia os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Mais!, na última segunda-feira, em seu escritório de Copacabana. (MCC e SC)
 

Folha - Neste ano o sr. fez o teatro para São Paulo, no Ibirapuera, três prédios novos para Brasília, a estação de barcas para Niterói, o museu dentro do mar, em Fortaleza, e está projetando um conjunto de prédios para o governo de Minas. Tem ainda a escultura de Paris...
Oscar Niemeyer -
... e fiz também o projeto para Itaipu! Esse é, talvez o mais completo. Eles gostaram tanto que, do lado paraguaio, querem fazer a mesma coisa. A natureza do lugar é muito bonita e tem um prédio administrativo, um grande auditório, tem um lago que eu fiz, uma passagem sobre o lago, uma torre. É, assim, muito movimentado, não é? Ficou bem, eu acho que vai ser importante, principalmente, essa coisa de ter dois conjuntos, um do lado brasileiro e outro lado paraguaio, que devem ter unidade, mas, ao mesmo tempo, têm que ser diferentes. Isso para a arquitetura é um programa novo que aparece: têm que ter unidade, mas dentro da diferença.

Folha - A diferença é por causa dos países?
Niemeyer -
A gente tem de variar, são dois conjuntos independentes, mas há unidade entre eles. A torre, não me lembro agora, mas deve ter uns cem metros. Tem um restaurante lá, uma ponte coberta que é nova, um laboratório de pesquisas, um auditório também. Nesses últimos meses eu fiz muita coisa, mas fui variando. Por exemplo, eu fiz o centro administrativo de Minas Gerais, que é uma solução que espantou um pouco o governador Aécio Neves. Ele pensou que ia ver um conjunto com palácio e 17 secretarias. Mas chegou aqui e viu que não: são só cinco prédios. Eu fiz as secretarias em dois prédios -e caminhei com uma arquitetura de escala maior. As secretarias ficam todas contidas em dois prédios altos, com 200 metros de comprimento e 18 andares. Assim, sobrou espaço para os jardins.


"Os meus projetos são mais aprovados pelo texto do que que pelos desenhos; ninguém entende de arquitetura, que é fantasia"


Caminhei nesse projeto como quando fiz a Universidade de Constantine, na Argélia. Eles queriam fazer mais de 20 prédios: cada escola teria um prédio. Mas escolhi outro caminho, fiz um prédio para ciências e outro para artes. A solução em Belo Horizonte foi parecida com esses dois prédios novos que têm administração, auditório, biblioteca. É, atualmente, a obra que eu gosto mais, ela tem um sentido assim monumental, que contrasta com a cidade -e é muito bonita.

Folha - O sr. gosta mais dessa do que o Congresso brasileiro?
Niemeyer -
São muito diferentes... Em Brasília gosto muito do projeto do Congresso... Brasília foi uma obra feita de aventura, de corrida, sem programa, mas, se você for lá, gostando ou não dos prédios, não poderá dizer que já viu algo parecido. Isso é importante, a surpresa diante da obra realizada.

Folha - Falando em obra realizada, não foi construída a mesquita de Constantine...
Niemeyer -
Pois é, agora tem um grupo de muçulmanos que quer fazer uma mesquita em Niterói. Mas no tempo em que projetei a mesquita, na Argélia, levei para o presidente Boumédienne [1927-1978, líder terceiro-mundista que, em 1962, liderou a rebelião de independência contra a França] e ele disse: "Essa é uma mesquita revolucionária!". Aí eu respondi: "Obrigado, a revolução não pode parar." E não podia mesmo. Parou e a coisa se degradou, porque eu trabalhei na Argélia em tempos assim muito propícios. Eles vinham de vencer a revolução contra a França.

Folha - O sr. não acha que Brasília também tinha um clima de reinventar o mundo, que era uma tendência muito forte nos anos 60?
Niemeyer -
Brasília começou na Pampulha. Fiz Pampulha, com JK, em dois anos. Pampulha fez sucesso -e Brasília foi como um prolongamento. Eu me lembro que ele veio na minha casa: "Oscar, nós fizemos Pampulha, agora vamos construir a nova capital". E foi isso mesmo. Pampulha foi o primeiro projeto que eu fiz já dentro do caminho da minha arquitetura: uma solução mais leve, mais espaçada, procurando a surpresa. Depois ele me ofereceu outro trabalho, e fiz Brasília.

Folha - Depois de citar aquela lista de obras recentes, a pergunta é: de onde o sr. tira energia para criar coisas tão diferentes?
Niemeyer -
Ah, você sabe, a gente sempre fala que o arquiteto precisa desenhar. Desenho figurativo, mas, na realidade, a arquitetura está na cabeça, a mão é o veículo. Quando a gente senta para desenhar já tem uma idéia na cabeça, já examinou o programa, o terreno. Tudo isso faz parte. Eu faço uma arquitetura -e acho que não deve existir uma arquitetura ideal, que se repita, monótona... Cada arquiteto deve fazer a sua. Faço a minha, com toda liberdade, sem querer saber nada de ninguém. Depois do concreto, você hoje pode pensar no passado como curiosidade. Relembrar o primeiro arco, a primeira curva, as catedrais, mas o vocabulário de hoje é tão rico, tão importante...
Começou tudo de novo, inclusive, com a sociedade moderna, exigindo espaço maiores.
Aí aparece o concreto, aparece a curva. A curva muitas vezes é uma imposição do concreto.

Folha - O que o sr. pensa, por exemplo, quando cria esse prédio para Itaipu? O passado da arquitetura tem algum peso?
Niemeyer -
Penso no terreno, no que existe em volta, no ambiente. Penso no programa... Quando eu fiz Pampulha, fiz a primeira curva da igreja, na segunda mais alta, era porque, o terreno, embaixo, pedia isso. Arquitetura e função são duas coisas que não merecem discussão.
Quando eu vejo a sede do Partido [Comunista, o PCF], em Paris, e alguns anos depois eles quiseram fazer o jornal ["L'Humanité", órgão oficial do partido], eles me chamaram. Quando fiz a sede da editora Mondadori, nos arredores de Milão, eles me chamaram para fazer um outro prédio no centro da cidade. Quer dizer, os prédios funcionam, de modo que essa discussão de forma e função é bobagem.
Eu faço uma arquitetura com muito cuidado. Quando chego a uma solução, começo a escrever um texto descritivo, explico como é a arquitetura. Tanto que os meus projetos são mais aprovados pelo texto do que pelos desenhos. Ninguém entende de arquitetura, que é fantasia, e os detalhes principais, que nos emocionam, porque são bonitos, são a base da boa arquitetura.
Ver surgir da folha branca do papel um palácio, um teatro, é uma coisa que emociona...

Folha - Como estão as coisas em relação ao Caminho Niemeyer?
Niemeyer -
Vão bem, a mim o que mais interessa é que todo o conjunto vai ser uma praça. O palco do teatro se abre para a praça, com as pessoas vendo o que se passa no teatro, a música, a dança... Do outro lado da praça, a Fundação Oscar Niemeyer, e tem o mar defronte, o Rio, de modo que é um ambiente muito festivo.

Folha - O sr. está fazendo agora teatros que são abertos...
Niemeyer -
É, por exemplo, em São Paulo, agora, eu fiz o auditório do parque Ibirapuera abrindo para os fundos. Assim, as pessoas poderão participar numa escala maior dos espetáculos.

Folha - A idéia é impor uma escala diferente?
Niemeyer -
A idéia é levar às pessoas de fora do teatro o que está se passando lá dentro. Quando fiz a catedral de Brasília, eu criei um corredor escuro, de modo que o sujeito chega na nave e tem um contraste de luz. Criei a fachada, o espaço de vidro transparente, a pessoa está ali rezando, olha para fora e vê o céu, imagina que o Senhor está lá esperando... Teve um bispo que queria colocar lá uma santa, mas uma santa muito feia...
Mas, no geral, eu tive sorte, quando cheguei a Brasília, o arcebispo era meu primo, era um Almeida, e eu sou Ribeiro de Almeida. Niemeyer é o outro avô de parte de pai, mas o avô com quem vivi a vida inteira era Ribeiro de Almeida. Tinha sempre -como era comum antigamente, nas famílias mais tradicionais- um padre e um médico na família. E eu vivi numa família antiga, cheia de preconceito, com o retrato do papa na parede. Quando saí para a vida, vi que a vida é tão injusta...

Folha - Como é que o sr. se tornou militante comunista?
Niemeyer -
A vida me fez ver que esse era o caminho. Digo que a vida é o mais importante. A arquitetura não muda nada. Está sempre do lado dos mais ricos. O importante é acreditar que a vida pode ser melhor.

Folha - O sr. não se incomoda com esse fato de a arquitetura estar sempre ao lado dos mais ricos?
Niemeyer -
Mas é isso que eu digo, a vida vai mudar a arquitetura. Porque a pobreza é situação da maioria das pessoas. O dia em que elas estiverem em igualdade, a arquitetura vai estar de acordo com isso. Geralmente, essas obras que ficam ao lado de favelas, perto das áreas pobres, são obras pequenas, modestas, como se a obra fosse um prolongamento da pobreza existente. Mas é preciso mudar.
Fiz uma praça em Caxias, teatro e biblioteca, com o mesmo empenho, a mesma liberdade com que eu faria em Copacabana. Não deve haver discriminação. Nos Cieps, as crianças mais pobres entravam lá com orgulho, como se a vida estivesse melhorando e eles pudessem participar de coisas melhores, que, até então, só as crianças ricas tinham.

Folha - O sr. nunca se incomodou em trabalhar muito mais para o poder do que para os mais pobres?
Niemeyer -
A minha arquitetura não vai discutir política. Quando começou Brasília, fui chamado à polícia política. A reação do Juscelino, que estava presente, foi dizer para eu não ir: "Você não pode ir, tiram o seu retrato e eu não posso te receber no palácio". E aí ele reagiu, telefonou logo para o [Amaury] Kruel, que era o chefe de polícia, e disse: "Olha, o Niemeyer não pode entrar aí, ele é o meu elemento-chave em Brasília".


"Toda cidade vai pouco a pouco se degradando; é o poder imobiliário, difícil de conter; o que aconteceu com Brasília ocorre em São Paulo, no Rio"


Ao fazer o Memorial da América Latina, em São Paulo, fiz a escultura com a mão lá, a mão representando a América Latina se organizando. O governador, o [Orestes] Quércia, foi muito correto o tempo todo, e eu me dei muito bem com ele, como me dei com a maioria dos políticos com quem trabalhei.

Folha - Nos anos 60, na época da ditadura no Brasil, o senhor chegou a trabalhar para os militares no projeto do Ministério do Exército. Isso não criava conflitos entre o comunista e o arquiteto?
Niemeyer -
Não, eles foram espertos, porque botaram comigo, por um ano, um militar antigo que tinha trabalhado com o Juscelino. E, um dia, me lembro, ele disse: "Olha, Oscar, você vai ser preso. Me avisaram do Rio que você vai ser preso, porque você deu dinheiro para um militante escondido em Brasília". E me lembro de que, no dia seguinte, quando resolvi dar uma espiada no meu escritório para ver se tinha alguma coisa que me comprometesse, peguei logo um livro do [Carlos] Marighella [militante da esquerda armada, procurado pela polícia na ditadura militar], com uma dedicatória muito fraternal. Mas não me prenderam. Fui muitas vezes chamado à polícia política...

Folha - O sr. não tinha conflitos de consciência ao ver companheiros sendo presos nos anos ao mesmo tempo em que o prédio do Ministério do Exército era construído?
Niemeyer -
Quando estourou o golpe, eu estava na Europa, tinha ido trabalhar na França. Lembro que, ao me despedir do Darcy Ribeiro, ele disse: "Estamos no poder!". Cheguei lá e, um mês depois, recebi a notícia do golpe. Depois eu vim, me chamaram diversas vezes, mas outros companheiros foram mais verificados. Mas tive que sair, não dava para trabalhar no Brasil. Eles me fizeram ficar lá, mas, por outro lado, me deram a oportunidade de mostrar o meu trabalho no exterior.

O sr. está criando prédios em Brasília para o Eixo Monumental?
Niemeyer -
Tivemos sorte. Agora apareceu o [governador do Distrito Federal ] Joaquim Roriz disposto a completar o Eixo Monumental. A parte cultural, a biblioteca, o museu, a zona de lazer, os cinemas, isso tudo está sendo feito. Para espanto lá de Brasília, está surgindo o antigo museu, que é uma cúpula de 80 metros, de modo que o prédio vai ser o mais importante, tecnicamente muito arrojado. A biblioteca já está com a estrutura pronta.

Folha - Brasília passou por muitas mudanças e vai fazer 45 anos. Como o sr. avalia a cidade hoje?
Niemeyer -
Toda cidade vai pouco a pouco se degradando. É o poder imobiliário, difícil de conter. O que aconteceu com Brasília ocorre também em São Paulo e no Rio. Um dia o Tom Jobim me disse: "Para ver São Paulo é bom ir de maca, assim posso ver o céu". O que me espanta em Brasília é que, o Plano Piloto do Lucio Costa é muito bom, a parte de habitação ligada ao comércio local, as escolas, tudo funciona bem. Eu gosto do Rio, que é uma esculhambação, mas quem mora em Brasília gosta, o céu aparece mais. Eu acredito no comunismo, ele pode melhorar a vida, organizar as cidades, com as pessoas vivendo igualmente. De modo que essa idéia não é a de voltar aos pessimistas da história, mas é sentir que o homem tem de ser modesto, tem de olhar para o céu.

Folha - Seu aniversário é no próximo dia 15, a quarta-feira. Como é que vai ser?
Niemeyer -
Eu vou sumir. Nada é importante, cada um deixa uma historinha e desaparece.

Folha - O sr. continua acreditando que é possível uma revolução comunista que iguale ou torne mais igualitária a sociedade?
Niemeyer -
Depois da Revolução de outubro de 1917, a União Soviética durou 70 anos. A próxima vai durar muito mais. Esse mundo dominado pelos EUA, essa força é uma vergonha para a humanidade. Vivemos o momento pior do capitalismo, o capitalismo está acabando e tem de ser mais cruel, mais violento. A América Latina está em condições, se for bem conduzida, de ser organizar. O Hugo Chávez, na Venezuela, prega essa idéia. O caminho agora é o do nacionalismo, é patriótico.

Folha - O que o sr. acha do governo Lula?
Niemeyer -
Acho que o Lula é operário, é um sujeito decente, nós temos esperança ainda.

Folha - A arquiteta iraquiana Zaha Hadid, radicada em Londres, que ganhou este ano o Prêmio Pritzker [considerado o Nobel da arquitetura], diz que a obra do sr. a influenciou. Existe uma escola Niemeyer na arquitetura?
Niemeyer -
Cada arquiteto tem a sua arquitetura. Eu tenho a minha, minha maneira de trabalhar é no sentido de uma arquitetura mais livre, mas respeito a arquitetura dos outros. Tem muito arquiteto bom no mundo inteiro. Mas o importante é a vida.

Folha - O sr. acha que a sua arquitetura tem essa liberdade por causa do pensamento que o levou a romper com uma série de cânones do modernismo, como a linha reta?
Niemeyer -
A minha arquitetura começou na Pampulha, em 1940. Mas não tem nada disso. Eu sou um arquiteto como os outros, faço a minha arquitetura. Mas foi o concreto armado que me levou a avançar. Hoje o Brasil tem arquitetos novos. Agora, a gente luta contra o mau gosto, contra a burrice ativa, o poder familiar, que tudo modifica. As coisas antigas deveriam ser preservadas.


"Brasília foi decorrência da Pampulha; foi o início dessa arquitetura mais livre, mais audaciosa no uso da técnica"


Trabalhei com o Rodrigo Melo Franco de Andrade e foi fantástico, uma figura importante, a que mais atuou na minha formação, a vida inteira. Um dia, conversando com ele defronte o palácio, ali em Ouro Preto, ele se dizia preocupado, achando que aquilo, aqueles prédios barrocos, tudo podia cair feito um baralho de cartas.

Folha - E o Mário de Andrade?
Niemeyer -
Naquele tempo eu era jovem, mas participava das reuniões lá do patrimônio, mais como ouvinte. E ouvia o Mário, falante, ele era uma figura muito inteligente.

Folha - O sr. conheceu o Lucio Costa um pouco antes?
Niemeyer -
Ah! O Lucio Costa também foi muito útil nessa luta para preservar o patrimônio. Ele era o mais informado, mas o Rodrigo foi a figura principal. O Rodrigo e o [Gustavo] Capanema. Quando me lembro do tempo do Capanema, lembro como era muito melhor, ele soube defender as artes, a cultura... No gabinete dele, apareciam o Villa-Lobos, o Portinari.

Folha - O Ministério da Educação, do Capanema, é 1936, Pampulha foi inaugurada em 1940...
Niemeyer -
Fui fazer Pampulha graças ao Capanema, que fez uma ponte e me apresentou ao Juscelino, o prefeito de Belo Horizonte. E quando veio Pampulha, como disse, fui trabalhar com JK, fiquei dois anos ao lado dele. Depois veio Brasília, foi uma decorrência. Pampulha foi um sucesso. Foi o início da minha arquitetura, dessa arquitetura mais livre, mais vazada, mais audaciosa no emprego da técnica.

Folha - E essa coisa de o Portinari ter colaborado com o sr.?
Niemeyer -
Tínhamos os artistas plásticos. Eu acho muito importante isso. Agora, por exemplo, não havia condições de chamar um artista para fazer a decoração lá do Museu de Niterói e resolvi eu mesmo fazer. Vocês vão lá ver a fachada de azulejo, imitando a Pampulha, e as mulheres, fui eu que desenhei. E dentro tem um croquis com um desenho de uma manifestação pública entrando no teatro, de 40 metros. É muito importante essa integração da arquitetura com a pintura e com a escultura. No museu do Paraná, há um salão enorme, para exposições grandes, como a que fizemos com obras da Tomie Ohtake, do Franz Weissmann e minhas.
Acho em geral que os museus devem ser mais educativos. Isso é imperativo nos dias de hoje. E tem o projeto do Oceanário de Niterói, próximo ao MAC, onde estudamos um prédio dentro do mar.

Folha - O museu em Fortaleza também é dentro do mar? Parece que o sr. está gostando de enfrentar novos desafios, de fazer prédios assim.
Niemeyer -
Não é. É que o prédio tem que ser feito no local onde tiver que ser feito. Na minha casa na estrada das Canoas, aqui no Rio, não mexi no terreno. O projeto do Museu de Niterói também foi uma solução assim: tinha o terreno, tinha o mar, as montanhas do Rio ao fundo, era um espetáculo fantástico -eu tinha que preservar isso tudo.
Qualquer arquitetura deve poder ser explicada em poucas palavras. O projeto está na cabeça, a gente pensa, pensa, tem o programa já conhecido e ele surge.

Folha - O sr. pensa dormindo também? Acontece de sonhar com uma solução arquitetônica?
Niemeyer -
Uma vez foi mais ou menos assim. Eu estava na Argélia, estava deitado já para dormir, estava pensando antes e continuei pensando, aí projetei a mesquita em pensamento. Nos projetos em andamento, por exemplo, que têm problemas que não saem da cabeça, de repente me surge uma idéia para resolvê-los.

Folha - Dá a impressão, vendo as obras do teatro de Niterói, que o sr. está se permitindo dar mais vazão à veia artística, é verdade?
Niemeyer -
Eu estou fazendo esculturas. Fiz a escultura para Paris agora. Não é um desenho realista. Sugere a mão, sugere os dedos, tem oito metros de altura por seis, no espaço, de ferro. No passado fiz esculturas instaladas no Leme, na praia. O pessoal gostava, achava que estava bonito, eram formas soltas. Mas o prefeito César Maia não deu importância para ela, e elas não existem mais.

Folha - É verdade que o sr. está estudando cosmologia?
Niemeyer -
Não, não... Temos um grupo que se reúne aqui, mas é só para me informar... O sujeito sensível olha para o céu e vê que é pequenino, que é uma merda insignificante. Mas, de qualquer jeito, nada é importante, cada homem deixa sua historinha -e acabou.

Folha - É verdade que o sr. está aprendendo a tocar cavaquinho ou é lenda?
Niemeyer -
Não, eu tocava um pouquinho... Agora o Martinho da Vila me deu um cavaquinho, porque eu fiz o projeto da escola de samba, em Vila Isabel. O Martinho é fantástico. E gosto muito do Chico Buarque também, ele sabe se colocar.

Folha - Falando ainda de arte: e o pintor Candido Portinari?
Niemeyer -
Foi tão importante, um grande pintor. Mas outros artistas menores, como José Pancetti, com a sua simplicidade de marinheiro, fizeram coisas tão lindas, aquelas marinhas. E Di Cavalcanti, tão amável, tão interessante, boêmio. (MCC e SC)


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