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"Com o concreto, pode-se pensar o passado como curiosidade'
DOS ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
"Ver surgir da folha de papel em
branco um palácio, um teatro, é uma
coisa que emociona." O autor da frase, Oscar Niemeyer, fez essa mágica
pelo menos uma dezena de vezes só
em 2004. Leia os principais trechos
da entrevista que ele concedeu ao
Mais!, na última segunda-feira, em
seu escritório de Copacabana.
(MCC e SC)
Folha - Neste ano o sr. fez o teatro
para São Paulo, no Ibirapuera, três
prédios novos para Brasília, a estação
de barcas para Niterói, o museu dentro do mar, em Fortaleza, e está projetando um conjunto de prédios para o
governo de Minas. Tem ainda a escultura de Paris...
Oscar Niemeyer - ... e fiz também o
projeto para Itaipu! Esse é, talvez o
mais completo. Eles gostaram tanto
que, do lado paraguaio, querem fazer a mesma coisa. A natureza do lugar é muito bonita e tem um prédio
administrativo, um grande auditório, tem um lago que eu fiz, uma passagem sobre o lago, uma torre. É, assim, muito movimentado, não é? Ficou bem, eu acho que vai ser importante, principalmente, essa coisa de
ter dois conjuntos, um do lado brasileiro e outro lado paraguaio, que devem ter unidade, mas, ao mesmo
tempo, têm que ser diferentes. Isso
para a arquitetura é um programa
novo que aparece: têm que ter unidade, mas dentro da diferença.
Folha - A diferença é por causa dos
países?
Niemeyer - A gente tem de variar,
são dois conjuntos independentes,
mas há unidade entre eles. A torre,
não me lembro agora, mas deve ter
uns cem metros. Tem um restaurante lá, uma ponte coberta que é nova,
um laboratório de pesquisas, um auditório também. Nesses últimos meses eu fiz muita coisa, mas fui variando. Por exemplo, eu fiz o centro administrativo de Minas Gerais, que é
uma solução que espantou um pouco o governador Aécio Neves. Ele
pensou que ia ver um conjunto com
palácio e 17 secretarias. Mas chegou
aqui e viu que não: são só cinco prédios. Eu fiz as secretarias em dois
prédios -e caminhei com uma arquitetura de escala maior. As secretarias ficam todas contidas em dois
prédios altos, com 200 metros de
comprimento e
18 andares. Assim, sobrou espaço para os
jardins.
"Os meus projetos são mais aprovados pelo texto do que que pelos desenhos; ninguém entende de arquitetura, que é fantasia"
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Caminhei
nesse projeto
como quando
fiz a Universidade de Constantine, na Argélia. Eles queriam fazer mais
de 20 prédios:
cada escola teria
um prédio. Mas
escolhi outro caminho, fiz um prédio para ciências e outro para artes.
A solução em Belo Horizonte foi parecida com esses dois prédios novos
que têm administração, auditório,
biblioteca. É, atualmente, a obra que
eu gosto mais, ela tem um sentido
assim monumental, que contrasta
com a cidade -e é muito bonita.
Folha - O sr. gosta mais dessa do que
o Congresso brasileiro?
Niemeyer - São muito diferentes...
Em Brasília gosto muito do projeto
do Congresso... Brasília foi uma obra
feita de aventura, de corrida, sem
programa, mas, se você for lá, gostando ou não dos prédios, não poderá dizer que já viu algo parecido. Isso
é importante, a surpresa diante da
obra realizada.
Folha - Falando em obra realizada,
não foi construída a mesquita de
Constantine...
Niemeyer - Pois é, agora tem um
grupo de muçulmanos que quer fazer uma mesquita em Niterói. Mas
no tempo em que projetei a mesquita, na Argélia, levei para o presidente
Boumédienne [1927-1978, líder terceiro-mundista que, em 1962, liderou a rebelião de independência
contra a França] e ele disse: "Essa é
uma mesquita revolucionária!". Aí
eu respondi: "Obrigado, a revolução
não pode parar." E não podia mesmo. Parou e a coisa se degradou,
porque eu trabalhei na Argélia em
tempos assim muito propícios. Eles
vinham de vencer a revolução contra a França.
Folha - O sr. não acha que Brasília
também tinha um clima de reinventar
o mundo, que era uma tendência muito forte nos anos 60?
Niemeyer - Brasília começou na
Pampulha. Fiz Pampulha, com JK,
em dois anos. Pampulha fez sucesso
-e Brasília foi como um prolongamento. Eu me lembro que ele veio na
minha casa: "Oscar, nós fizemos
Pampulha, agora vamos construir a
nova capital". E foi isso mesmo.
Pampulha foi o primeiro projeto
que eu fiz já dentro do caminho da
minha arquitetura: uma solução
mais leve, mais espaçada, procurando a surpresa. Depois ele me ofereceu outro trabalho, e fiz Brasília.
Folha - Depois de citar aquela lista
de obras recentes, a pergunta é: de
onde o sr. tira energia para criar coisas tão diferentes?
Niemeyer - Ah, você sabe, a gente
sempre fala que o arquiteto precisa
desenhar. Desenho figurativo, mas,
na realidade, a arquitetura está na
cabeça, a mão é o veículo. Quando a
gente senta para desenhar já tem
uma idéia na cabeça, já examinou o
programa, o terreno. Tudo isso faz
parte. Eu faço uma arquitetura -e
acho que não deve existir uma arquitetura ideal, que se repita, monótona... Cada arquiteto deve fazer a
sua. Faço a minha, com toda liberdade, sem querer saber nada de ninguém. Depois do concreto, você hoje
pode pensar no passado como curiosidade. Relembrar o primeiro arco, a primeira curva, as catedrais,
mas o vocabulário de hoje é tão rico,
tão importante...
Começou tudo de novo, inclusive,
com a sociedade moderna, exigindo
espaço maiores.
Aí aparece o concreto, aparece a curva. A curva muitas vezes é uma imposição do concreto.
Folha - O que o sr. pensa, por exemplo, quando cria esse prédio para Itaipu? O passado da arquitetura tem algum peso?
Niemeyer - Penso no terreno, no
que existe em volta, no ambiente.
Penso no programa... Quando eu fiz
Pampulha, fiz a primeira curva da
igreja, na segunda mais alta, era porque, o terreno, embaixo, pedia isso.
Arquitetura e função são duas coisas
que não merecem discussão.
Quando eu vejo a sede do Partido [Comunista, o PCF], em Paris, e alguns anos
depois eles quiseram fazer o jornal
["L'Humanité", órgão oficial do partido], eles me chamaram. Quando
fiz a sede da editora Mondadori, nos
arredores de Milão, eles me chamaram para fazer um outro prédio no
centro da cidade. Quer dizer, os prédios funcionam, de modo que essa
discussão de forma e função é bobagem.
Eu faço uma arquitetura com muito cuidado. Quando chego a uma solução, começo a escrever um texto
descritivo, explico como é a arquitetura. Tanto que os meus projetos são
mais aprovados pelo texto do que
pelos desenhos. Ninguém entende
de arquitetura, que é fantasia, e os
detalhes principais, que nos emocionam, porque são bonitos, são a base
da boa arquitetura.
Ver surgir da folha branca do papel um palácio, um teatro, é uma
coisa que emociona...
Folha - Como estão as coisas em relação ao Caminho Niemeyer?
Niemeyer - Vão bem, a mim o que
mais interessa é que todo o conjunto
vai ser uma praça. O palco do teatro
se abre para a praça, com as pessoas
vendo o que se passa no teatro, a
música, a dança... Do outro lado da
praça, a Fundação Oscar Niemeyer,
e tem o mar defronte, o Rio, de modo que é um ambiente muito festivo.
Folha - O sr. está fazendo agora teatros que são abertos...
Niemeyer - É, por exemplo, em São
Paulo, agora, eu fiz o auditório do
parque Ibirapuera abrindo para os
fundos. Assim, as pessoas poderão
participar numa escala maior dos espetáculos.
Folha - A idéia é impor uma escala diferente?
Niemeyer - A idéia é levar às pessoas de fora do teatro o que está se
passando lá dentro. Quando fiz a catedral de Brasília, eu criei um corredor escuro, de modo que o sujeito
chega na nave e tem um contraste de
luz. Criei a fachada, o espaço de vidro transparente, a pessoa está ali rezando, olha para fora e vê o céu, imagina que o Senhor está lá esperando... Teve um bispo que queria colocar lá uma santa, mas uma santa
muito feia...
Mas, no geral, eu tive sorte, quando cheguei a Brasília, o arcebispo era
meu primo, era um Almeida, e eu
sou Ribeiro de Almeida. Niemeyer é
o outro avô de parte de pai, mas o
avô com quem vivi a vida inteira era
Ribeiro de Almeida. Tinha sempre
-como era comum antigamente,
nas famílias mais tradicionais- um
padre e um médico na família. E eu
vivi numa família antiga, cheia de
preconceito, com o retrato do papa
na parede. Quando saí para a vida, vi
que a vida é tão injusta...
Folha - Como é que o sr. se tornou militante comunista?
Niemeyer - A vida me fez ver que esse era o caminho. Digo que a vida é o
mais importante. A arquitetura não
muda nada. Está sempre do lado dos
mais ricos. O importante é acreditar
que a vida pode ser melhor.
Folha - O sr. não se incomoda com esse fato de a arquitetura estar sempre
ao lado dos mais ricos?
Niemeyer - Mas é isso que eu digo, a
vida vai mudar a arquitetura. Porque a pobreza é situação da maioria
das pessoas. O dia em que elas estiverem em igualdade, a arquitetura
vai estar de acordo com isso. Geralmente, essas obras que ficam ao lado
de favelas, perto das áreas pobres,
são obras pequenas, modestas, como se a obra fosse um prolongamento da pobreza existente. Mas é
preciso mudar.
Fiz uma praça em Caxias, teatro e
biblioteca, com o mesmo empenho,
a mesma liberdade com que eu faria
em Copacabana. Não deve haver
discriminação. Nos Cieps, as crianças mais pobres entravam lá com orgulho, como se a vida estivesse melhorando e eles pudessem participar
de coisas melhores, que, até então, só
as crianças ricas tinham.
Folha - O sr. nunca se incomodou em
trabalhar muito mais para o poder do
que para os mais pobres?
Niemeyer - A minha arquitetura
não vai discutir política. Quando começou Brasília, fui chamado à polícia política. A reação do Juscelino,
que estava presente, foi dizer para eu
não ir: "Você não pode ir, tiram o
seu retrato e eu não posso te receber
no palácio". E aí ele reagiu, telefonou
logo para o [Amaury] Kruel, que era
o chefe de polícia, e disse: "Olha, o
Niemeyer não pode entrar aí, ele é o
meu elemento-chave em Brasília".
"Toda cidade vai pouco a pouco se degradando; é o poder imobiliário, difícil de conter; o que aconteceu com Brasília ocorre em São Paulo, no Rio"
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Ao fazer o Memorial da América Latina, em São Paulo, fiz a escultura
com a mão lá, a mão representando
a América Latina se organizando. O
governador, o [Orestes] Quércia, foi
muito correto o tempo todo, e eu me
dei muito bem com ele, como me dei
com a maioria dos políticos com
quem trabalhei.
Folha - Nos anos 60, na época da ditadura no Brasil, o senhor chegou a
trabalhar para os militares no projeto
do Ministério do Exército. Isso não
criava conflitos entre o comunista e o
arquiteto?
Niemeyer - Não, eles foram espertos, porque botaram comigo, por
um ano, um militar antigo que tinha
trabalhado com o Juscelino. E, um
dia, me lembro, ele disse: "Olha, Oscar, você vai ser preso. Me avisaram
do Rio que você vai ser preso, porque você deu dinheiro para um militante escondido em Brasília". E me
lembro de que, no dia seguinte,
quando resolvi dar uma espiada no
meu escritório para ver se tinha alguma coisa que me comprometesse,
peguei logo um livro do [Carlos]
Marighella [militante da esquerda
armada, procurado pela polícia na
ditadura militar], com uma dedicatória muito fraternal. Mas não me
prenderam. Fui muitas vezes chamado à polícia política...
Folha - O sr. não tinha conflitos de
consciência ao ver companheiros sendo presos nos anos ao mesmo tempo
em que o prédio do Ministério do Exército era construído?
Niemeyer - Quando estourou o golpe, eu estava na Europa, tinha ido
trabalhar na França. Lembro que, ao
me despedir do Darcy Ribeiro, ele
disse: "Estamos no poder!". Cheguei
lá e, um mês depois, recebi a notícia
do golpe. Depois eu vim, me chamaram diversas vezes, mas outros companheiros foram mais verificados.
Mas tive que sair, não dava para trabalhar no Brasil. Eles me fizeram ficar lá, mas, por outro lado, me deram a oportunidade de mostrar o
meu trabalho no exterior.
O sr. está criando prédios em Brasília para o Eixo Monumental?
Niemeyer - Tivemos sorte. Agora
apareceu o [governador do Distrito
Federal ] Joaquim Roriz disposto a
completar o Eixo Monumental. A
parte cultural, a biblioteca, o museu,
a zona de lazer, os cinemas, isso tudo
está sendo feito. Para espanto lá de
Brasília, está surgindo o antigo museu, que é uma cúpula de 80 metros,
de modo que o prédio vai ser o mais
importante, tecnicamente muito arrojado. A biblioteca já está com a estrutura pronta.
Folha - Brasília passou por muitas
mudanças e vai fazer 45 anos. Como o
sr. avalia a cidade hoje?
Niemeyer - Toda cidade vai pouco
a pouco se degradando. É o poder
imobiliário, difícil de conter. O que
aconteceu com Brasília ocorre também em São Paulo e no Rio. Um dia
o Tom Jobim me disse: "Para ver São
Paulo é bom ir de maca, assim posso
ver o céu". O que me espanta em
Brasília é que, o Plano Piloto do Lucio Costa é muito bom, a parte de
habitação ligada ao comércio local,
as escolas, tudo funciona bem. Eu
gosto do Rio, que é uma esculhambação, mas quem mora em Brasília
gosta, o céu aparece mais. Eu acredito no comunismo, ele pode melhorar a vida, organizar as cidades, com
as pessoas vivendo igualmente. De
modo que essa idéia não é a de voltar
aos pessimistas da história, mas é
sentir que o homem tem de ser modesto, tem de olhar para o céu.
Folha - Seu aniversário é no próximo
dia 15, a quarta-feira. Como é que vai
ser?
Niemeyer - Eu vou sumir. Nada é
importante, cada um deixa uma historinha e desaparece.
Folha - O sr. continua acreditando
que é possível uma revolução comunista que iguale ou torne mais igualitária a sociedade?
Niemeyer - Depois da Revolução de
outubro de 1917, a União Soviética
durou 70 anos. A próxima vai durar
muito mais. Esse mundo dominado
pelos EUA, essa força é uma vergonha para a humanidade. Vivemos o
momento pior do capitalismo, o capitalismo está acabando e tem de ser
mais cruel, mais violento. A América
Latina está em condições, se for bem
conduzida, de ser organizar. O Hugo
Chávez, na Venezuela, prega essa
idéia. O caminho agora é o do nacionalismo, é patriótico.
Folha - O que o sr. acha do governo
Lula?
Niemeyer - Acho que o Lula é operário, é um sujeito decente, nós temos esperança ainda.
Folha - A arquiteta iraquiana Zaha
Hadid, radicada em Londres, que ganhou este ano o Prêmio Pritzker [considerado o Nobel da arquitetura], diz
que a obra do sr. a influenciou. Existe
uma escola Niemeyer na arquitetura?
Niemeyer - Cada arquiteto tem a
sua arquitetura. Eu tenho a minha,
minha maneira de trabalhar é no
sentido de uma arquitetura mais livre, mas respeito a arquitetura dos
outros. Tem muito arquiteto bom
no mundo inteiro. Mas o importante é a vida.
Folha - O sr. acha que a sua arquitetura tem essa liberdade por causa do
pensamento que o levou a romper
com uma série de cânones do modernismo, como a linha reta?
Niemeyer - A minha arquitetura
começou na Pampulha, em 1940.
Mas não tem nada disso. Eu sou um
arquiteto como os outros, faço a minha arquitetura. Mas foi o concreto
armado que me levou a avançar. Hoje o Brasil tem arquitetos novos.
Agora, a gente luta contra o mau
gosto, contra a burrice ativa, o poder
familiar, que tudo modifica. As coisas antigas deveriam ser preservadas.
"Brasília foi decorrência da Pampulha; foi o início dessa arquitetura
mais livre,
mais audaciosa
no uso da técnica"
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Trabalhei com o Rodrigo Melo
Franco de Andrade e foi fantástico,
uma figura importante, a que mais
atuou na minha formação, a vida inteira. Um dia, conversando com ele
defronte o palácio, ali em Ouro Preto, ele se dizia preocupado, achando
que aquilo, aqueles prédios barrocos, tudo podia cair feito um baralho
de cartas.
Folha - E o Mário de Andrade?
Niemeyer - Naquele tempo eu era
jovem, mas participava das reuniões
lá do patrimônio, mais como
ouvinte. E ouvia
o Mário, falante, ele era uma
figura muito inteligente.
Folha - O sr. conheceu o Lucio
Costa um pouco
antes?
Niemeyer -
Ah! O Lucio
Costa também
foi muito útil
nessa luta para
preservar o patrimônio. Ele
era o mais informado, mas o Rodrigo foi a figura
principal. O Rodrigo e o [Gustavo]
Capanema. Quando me lembro do
tempo do Capanema, lembro como
era muito melhor, ele soube defender as artes, a cultura... No gabinete
dele, apareciam o Villa-Lobos, o
Portinari.
Folha - O Ministério da Educação, do
Capanema, é 1936, Pampulha foi
inaugurada em 1940...
Niemeyer - Fui fazer Pampulha
graças ao Capanema, que fez uma
ponte e me apresentou ao Juscelino,
o prefeito de Belo Horizonte. E
quando veio Pampulha, como disse,
fui trabalhar com JK, fiquei dois
anos ao lado dele. Depois veio Brasília, foi uma decorrência. Pampulha
foi um sucesso. Foi o início da minha
arquitetura, dessa arquitetura mais
livre, mais vazada, mais audaciosa
no emprego da técnica.
Folha - E essa coisa de o Portinari ter
colaborado com o sr.?
Niemeyer - Tínhamos os artistas
plásticos. Eu acho muito importante
isso. Agora, por exemplo, não havia
condições de chamar um artista para fazer a decoração lá do Museu de
Niterói e resolvi eu mesmo fazer.
Vocês vão lá ver a fachada de azulejo, imitando a Pampulha, e as mulheres, fui eu que desenhei. E dentro
tem um croquis com um desenho de
uma manifestação pública entrando
no teatro, de 40 metros. É muito importante essa integração da arquitetura com a pintura e com a escultura. No museu do Paraná, há um salão enorme, para exposições grandes, como a que fizemos com obras
da Tomie Ohtake, do Franz Weissmann e minhas.
Acho em geral que os museus devem ser mais educativos. Isso é imperativo nos dias de hoje. E tem o
projeto do Oceanário de Niterói,
próximo ao MAC, onde estudamos
um prédio dentro do mar.
Folha - O museu em Fortaleza também é dentro do mar? Parece que o sr.
está gostando de enfrentar novos desafios, de fazer prédios assim.
Niemeyer - Não é. É que o prédio
tem que ser feito no local onde tiver
que ser feito. Na minha casa na estrada das Canoas, aqui no Rio, não
mexi no terreno. O projeto do Museu de Niterói também foi uma solução assim: tinha o terreno, tinha o
mar, as montanhas do Rio ao fundo,
era um espetáculo fantástico -eu tinha que preservar isso tudo.
Qualquer arquitetura deve poder
ser explicada em poucas palavras. O
projeto está na cabeça, a gente pensa,
pensa, tem o programa já conhecido
e ele surge.
Folha - O sr. pensa dormindo também? Acontece de
sonhar com uma solução arquitetônica?
Niemeyer - Uma
vez foi mais ou menos assim. Eu estava
na Argélia, estava
deitado já para dormir, estava pensando antes e continuei
pensando, aí projetei a mesquita em
pensamento. Nos
projetos em andamento, por exemplo, que têm problemas que não saem
da cabeça, de repente me surge uma
idéia para resolvê-los.
Folha - Dá a impressão, vendo as
obras do teatro de Niterói, que o sr.
está se permitindo dar mais vazão à
veia artística, é verdade?
Niemeyer - Eu estou fazendo esculturas. Fiz a escultura para Paris agora. Não é um desenho realista. Sugere a mão, sugere os dedos, tem oito
metros de altura por seis, no espaço,
de ferro. No passado fiz esculturas
instaladas no Leme, na praia. O pessoal gostava, achava que estava bonito, eram formas soltas. Mas o prefeito César Maia não deu importância para ela, e elas não existem mais.
Folha - É verdade que o sr. está estudando cosmologia?
Niemeyer - Não, não... Temos um
grupo que se reúne aqui, mas é só
para me informar... O sujeito sensível olha para o céu e vê que é pequenino, que é uma merda insignificante. Mas, de qualquer jeito, nada é importante, cada homem deixa sua historinha -e acabou.
Folha - É verdade que o sr. está
aprendendo a tocar cavaquinho ou é
lenda?
Niemeyer - Não, eu tocava um pouquinho... Agora o Martinho da Vila
me deu um cavaquinho, porque eu
fiz o projeto da escola de samba, em
Vila Isabel. O Martinho é fantástico.
E gosto muito do Chico Buarque
também, ele sabe se colocar.
Folha - Falando ainda de arte: e o
pintor Candido Portinari?
Niemeyer - Foi tão importante, um
grande pintor. Mas outros artistas
menores, como José Pancetti, com a
sua simplicidade de marinheiro, fizeram coisas tão lindas, aquelas marinhas. E Di Cavalcanti, tão amável,
tão interessante, boêmio.
(MCC e SC)
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