São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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Ponto de fuga

Caixas-d'água, silos, gasômetros

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

São fotos em preto e branco, sem contraste. Diante do céu, sempre limpo de nuvens, a imagem é frontal, isolada, evidente, mas esvaziada de tensões ou dramas. Não há também, nessa austeridade, nenhum tom "metafísico". Não há pessoas ou animais. No Centro Georges Pompidou, em Beaubourg, Paris, reuniu-se, em mostra importante, a obra de Bernd e Hilla Becher. Esses fotógrafos alemães retratam, desde os anos de 1950, construções industriais correntes: caixas d'água, silos, gasômetros, grandes fornos, torres de resfriamento, toda uma tipologia de edifícios utilitários, ligados à indústria. O levantamento se repete há décadas, sempre do mesmo modo. A intenção primeira seria documentar construções que desapareciam aos poucos: motivo bem secundário diante de neutralidade tão singular. As legendas são lacônicas, sem nada de uma ficha informativa de inventário. Nenhum indício que permita identificar uma imagem mais nova ou mais velha. As formas, muito parecidas, não são idênticas, e fotos representando caixas-d'água, por exemplo, todas do mesmo tamanho, postas em conjunto, fascinam pelas pequenas variações visuais.
As fotos dos Becher eram conhecidas, estiveram mesmo na Bienal de São Paulo, em 1977. Agora, na exposição parisiense, atingiram um fenomenal sucesso de público e de crítica. O catálogo esgotou-se em pouco tempo. Mas é difícil dizer porque seduzem tanto. Talvez pelo contraste com as imagens dramáticas, espetaculares, gritantes, que, cada vez mais, nos invadem. Mostram, como fantasmas que já perderam sua realidade, um mundo silencioso, uma modernidade residual e antiga.

Respingos
Turner, Whistler e Monet são pintores sempre vizinhos nos manuais de história da arte. Essa aproximação se dá por razões concretas. Whistler (1834-1903) e Monet (1840-1926) se conheceram bem, e ambos eram fascinados por Turner (1775-1851), artista de geração anterior. Os três, paisagistas, captaram os reflexos do Tâmisa e de Veneza. Praticavam também uma pintura da pincelada desenvolta, das matérias e das cores, em oposição às regras do desenho.
Todas essas afinidades, mais o fato de estarem (ao menos Turner e Monet) entre os favoritos do público, conduziram a uma exposição que reúne a trinca, apresentada primeiro em Toronto, depois em Paris e agora na Tate Britain, em Londres.
A mostra é sobretudo interessante porque, de modo involuntário, derruba o lugar-comum. A aproximação revela-se de superfície: arte da pincelada, sem dúvida, mas com técnicas e resultados tão distintos. Turner cria um mundo impulsionado pelo gesto dinâmico, onde a energia corpórea se faz energia da obra, das tempestades, dos naufrágios, em que águas e nuvens turbilhonam. Whistler, o mais profundo, o mais sutil, o mais poético, é o pintor das passagens, das nuanças intermediárias, dos acordes, das harmonias silenciosas.
Ambos criam paisagens interiores, movimentadas ou calmas. Monet, ao contrário, precisa do motivo e da observação imediata. Instala o cavalete ao ar livre e transpõe para a tela a dança suave e efêmera da luz.

Ver
O impressionismo não se define apenas pela recusa do desenho, pelo emprego da pincelada solta. É, de uma certa forma, um realismo. Depende da observação, funda-se numa intuição analítica imediata dos efeitos atmosféricos e luminosos. Sacha Guitry [1885-1957] filmou Monet pintando, em Giverny. O olho mal pousava sobre a tela, para voltar, concentrado, ao motivo.

Volta
Em 1995, uma grande retrospectiva Whistler foi mostrada em Londres, Paris e Washington. Ela revelava que esse pintor, norte-americano de nascimento e inglês de adoção, estava entre os mais altos do século 19. Mas não despertou, naquele momento, grande entusiasmo e passou um pouco despercebida.
Agora, na mostra comparativa, há um consenso: diante de Turner e Monet, Whistler sai vencedor. Não vale a pena, porém, ficar medindo alturas entre altíssimos.


Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail - jorgecoli@uol.com.br


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