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Ponto de fuga
Caixas-d'água, silos, gasômetros
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
São fotos em preto e branco, sem contraste. Diante
do céu, sempre limpo de
nuvens, a imagem é frontal, isolada, evidente, mas esvaziada de tensões ou dramas. Não
há também, nessa austeridade,
nenhum tom "metafísico". Não
há pessoas ou animais. No Centro Georges Pompidou, em
Beaubourg, Paris, reuniu-se, em
mostra importante, a obra de
Bernd e Hilla Becher. Esses fotógrafos alemães retratam, desde
os anos de 1950, construções industriais correntes: caixas d'água, silos, gasômetros, grandes
fornos, torres de resfriamento,
toda uma tipologia de edifícios
utilitários, ligados à indústria. O
levantamento se repete há décadas, sempre do mesmo modo. A
intenção primeira seria documentar construções que desapareciam aos poucos: motivo bem
secundário diante de neutralidade tão singular. As legendas
são lacônicas, sem nada de uma
ficha informativa de inventário.
Nenhum indício que permita
identificar uma imagem mais
nova ou mais velha. As formas,
muito parecidas, não são idênticas, e fotos representando caixas-d'água, por exemplo, todas
do mesmo tamanho, postas em
conjunto, fascinam pelas pequenas variações visuais.
As fotos dos Becher eram conhecidas, estiveram mesmo na
Bienal de São Paulo, em 1977.
Agora, na exposição parisiense,
atingiram um fenomenal sucesso de público e de crítica. O catálogo esgotou-se em pouco tempo. Mas é difícil dizer porque seduzem tanto. Talvez pelo contraste com as imagens dramáticas, espetaculares, gritantes,
que, cada vez mais, nos invadem. Mostram, como fantasmas
que já perderam sua realidade,
um mundo silencioso, uma modernidade residual e antiga.
Respingos
Turner, Whistler e Monet são
pintores sempre vizinhos nos
manuais de história da arte. Essa
aproximação se dá por razões
concretas. Whistler (1834-1903)
e Monet (1840-1926) se conheceram bem, e ambos eram fascinados por Turner (1775-1851), artista de geração anterior. Os três,
paisagistas, captaram os reflexos
do Tâmisa e de Veneza. Praticavam também uma pintura da
pincelada desenvolta, das matérias e das cores, em oposição às
regras do desenho.
Todas essas afinidades, mais o
fato de estarem (ao menos Turner e Monet) entre os favoritos
do público, conduziram a uma
exposição que reúne a trinca,
apresentada primeiro em Toronto, depois em Paris e agora
na Tate Britain, em Londres.
A mostra é sobretudo interessante porque, de modo involuntário, derruba o lugar-comum.
A aproximação revela-se de superfície: arte da pincelada, sem
dúvida, mas com técnicas e resultados tão distintos. Turner
cria um mundo impulsionado
pelo gesto dinâmico, onde a
energia corpórea se faz energia
da obra, das tempestades, dos
naufrágios, em que águas e nuvens turbilhonam. Whistler, o
mais profundo, o mais sutil, o
mais poético, é o pintor das passagens, das nuanças intermediárias, dos acordes, das harmonias
silenciosas.
Ambos criam paisagens interiores, movimentadas ou calmas. Monet, ao contrário, precisa do motivo e da observação
imediata. Instala o cavalete ao ar
livre e transpõe para a tela a dança suave e efêmera da luz.
Ver
O impressionismo não se define apenas pela recusa do desenho, pelo emprego da pincelada
solta. É, de uma certa forma, um
realismo. Depende da observação, funda-se numa intuição
analítica imediata dos efeitos atmosféricos e luminosos. Sacha
Guitry [1885-1957] filmou Monet pintando, em Giverny. O
olho mal pousava sobre a tela,
para voltar, concentrado, ao
motivo.
Volta
Em 1995, uma grande retrospectiva Whistler foi mostrada
em Londres, Paris e Washington. Ela revelava que esse pintor,
norte-americano de nascimento
e inglês de adoção, estava entre
os mais altos do século 19. Mas
não despertou, naquele momento, grande entusiasmo e
passou um pouco despercebida.
Agora, na mostra comparativa, há um consenso: diante de
Turner e Monet, Whistler sai
vencedor. Não vale a pena, porém, ficar medindo alturas entre
altíssimos.
Jorge Coli é historiador da arte.
e-mail - jorgecoli@uol.com.br
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