São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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Bibliotéca básica

"A Cidade e os Livros"

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que distingue o verdadeiro poeta dessa multidão de versejadores e dizedores de nada que infesta o mundo das letras com seus transbordamentos febris, formalismos estéreis e efervescências juvenis? O cristal é a dádiva improvável do carvão: o minério translúcido. Os lampejos do talento e da sensibilidade em estado bruto não bastam. Toda criação poética digna desse nome é obra de refinado e exigente senso crítico. Requer estudo calmo e refletido. Furor e paciência.
Antonio Cicero não é um autor prolífico. Compreende-se. A concisão, o apuro formal e a integridade de sua obra revelam um grau de exigência raramente alcançado em nossas letras. Paixão e assombro, dor e júbilo, entrega e análise convivem no encanto contínuo desses versos que animam as palavras a dizer o que não se deixa falar. Tudo aqui é exato; tudo é desabrochar de sentidos no solo da máxima economia expressiva. Nenhuma linha sem poesia. A miséria e o tédio assombram a cidade e os livros. Vem o poeta e desperta os sonhos e surpresas que nos habitam em segredo. Passeio pelos versos de Antonio Cicero e repito a mim mesmo em silêncio as palavras de Borges: "Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que tenho lido". O dom da poesia é elevar a leitura à dignidade de arte. O criador semeia, o leitor insemina.


Eduardo Giannetti da Fonseca é professor das Faculdades Ibmec de São Paulo e autor de, entre outros, "Auto-engano" (Cia. das Letras).

A obra
"A Cidade e os Livros", de Antonio Cicero. 80 págs., R$ 20,90, ed. Record (tel. 0/xx/21/2585-2000).


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