São Paulo, domingo, 13 de abril de 1997.

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ENTENDA A SUA ÉPOCA
Genética

SÉRGIO DANILO PENA
especial para a Folha

Genoma
É todo o material genético contido nos cromossomos de um determinado organismo. O seu tamanho é medido em pares de base (referindo-se às bases nitrogenadas adenina, guanina, citosina e timina, que formam o DNA). O genoma humano é muito grande e contém 3 bilhões de pares de base, mas apenas aproximadamente 3% dele é constituído por genes expressos, aqueles que efetivamente geram um produto: uma proteína.
ħHá genomas muito maiores do que o humano, como por exemplo, o do gafanhoto e do lírio, mas o número de genes expressos é menor que o nosso.
ħOs esforços para o mapeamento e sequenciamento de todo o genoma humano constituem a iniciativa Genômica Humana, desenvolvida em vários países (EUA, onde tem o nome Projeto Genoma Humano, Reino Unido, França, Japão etc).
ħO Brasil não tem nenhum programa genômico oficial. A coordenação internacional da Iniciativa Genômica Humana é realizada por uma organização de cientistas chamada Hugo (Human Genome Organization), cujo escritório latino-americano funciona em Belo Horizonte, no Gene -Núcleo de Genética Médica.
ħEm 1996 foi completado por um consórcio internacional de mais de cem laboratórios o sequenciamento do primeiro genoma de um organismo nucleado, a levedura Saccharomyces cerevisae, que tem aproximadamente 12 milhões de pares de base (o que corresponde a 0,25% do genoma humano) e 5.885 genes (entre 6 e 10% do genoma humano).
ħAssim, o genoma da levedura é muito mais denso em genes do que o humano. Entretanto, os genes que já foram comparados com os humanos são muito parecidos, o que nos dá uma prova concreta e irrefutável da teoria da evolução.

Clonagem
Do grego ``klón'', que significa "broto". É o processo de produção assexuada, a partir de uma célula-mãe, de um grupo de células (clones) geneticamente idênticas entre si e à célula progenitora. O verbo relacionado é clonar e o adjetivo é clonal.
ħHá múltiplos usos da palavra clonagem. Em engenharia genética, o termo é associado com a produção de cópias múltiplas de uma molécula de DNA recombinante, contendo um gene ou outra sequência de DNA que se quer estudar.
ħMas o grande interesse público em clonagem é derivado de dois procedimentos em mamíferos: a clonagem de embriões imita no laboratório o processo que na natureza produz gêmeos idênticos.
ħEm 1993 os cientistas norte-americanos Jerry Hall e Robert Stillman, da Universidade George Washington, chocaram o mundo ao fazer uma clonagem deste tipo a partir de um embrião humano. O experimento foi terminado enquanto os clones ainda tinham poucas células.
ħA primeira clonagem de embriões de mamífero a produzir um animal (no caso, uma ovelha) foi feita na Escócia pela equipe de Ian Wilmut. Foi esse mesmo grupo que há poucas semanas publicou a primeira clonagem de um mamífero a partir de células de um outro animal adulto.
ħUma célula da mama de uma ovelha foi fundida com o óvulo de uma outra ovelha adulta, do qual o núcleo havia sido retirado. Houve produção de um embrião que, após implantado em um útero, evoluiu até o nascimento de uma ovelha-clone, que foi chamada Dolly.
ħAinda não sabemos se esse procedimento é possível com células humanas. De qualquer maneira, no Brasil a realização desse experimento seria considerada crime, de acordo com a Lei Nacional de Biossegurança.

Polimorfismos genéticos
São diferenças entre as sequências de DNA de indivíduos normais. Aproximadamente 0,1% dos 3 bilhões de pares de base do genoma humano é polimórfico, ou seja, há 3 milhões de polimorfismos de sequência.
ħExistem também milhares de polimorfismos de comprimento, principalmente em regiões em que o DNA apresenta motivos repetitivos, como se estivesse gaguejando. Essas regiões são chamadas microssatélites (motivo de repetição de um a seis pares de base) ou minissatélites (motivos com mais de seis pares de base).
ħEsses polimorfismos podem ser todos demonstrados por testes em DNA e revelam uma absoluta individualidade genética humana. Com exceção de gêmeos idênticos, cada ser humano representa um experimento evolucionário singular -jamais houve e jamais haverá um outro indivíduo igual.
ħEssa individualidade, que certamente dá uma dimensão de dignidade a cada vida humana, pode também ser explorada de maneira prática para fazer, por exemplo, a determinação de paternidade, identificação de criminosos e vítimas, tipagem para transplantes de órgãos e aconselhamento genético e diagnóstico pré-natal de doenças genéticas.
ħAlém disso, acreditamos que o estudo dos polimorfismos genéticos humanos vai também permitir reconstituir a história evolucionária do homem, determinando as datas e os caminhos pelos quais o homem povoou toda a Terra, a partir da emigração de seu berço original, a África.

Transgênico
É o animal (ou a planta) produzido a partir de uma célula-tronco embrionária, em cujo genoma havia sido incorporada uma sequência de DNA exógeno clonado.
ħA célula-tronco embrionária é uma célula obtida por cultura "in vitro" de embriões animais e que mantém o potencial para, em condições apropriadas, se incorporar em um embrião em formação ou mesmo gerar um animal.
ħDesde o desenvolvimento da tecnologia para manipular as células germinativas de animais, um grande número de animais transgênicos de várias espécies (camundongos, ratos, ovelhas etc.) foi produzido em todo o mundo para uso em pesquisa básica ou em biotecnologia.
ħUm exemplo são as ovelhas da empresa PPL, na Escócia (onde Dolly foi clonada), que expressam transgenes humanos nas suas glândulas mamárias e, assim, produzem proteínas humanas em seu leite.
ħTambém potencialmente muito úteis são porcos transgênicos "humanizados", que estão sendo produzidos para fins de doação de órgãos para humanos. Um tipo especial de animal geneticamente modificado é o "nocaute", no qual foi feita a ablação (``knock-out'') de um gene.
ħNesses animais, um gene específico é removido ou lesado por um procedimento chamado "recombinação homóloga". Os animais "nocaute" são preciosos para compreender a função dos genes e também constituem valiosos modelos experimentais de certas doenças genéticas humanas. Até hoje não foi conseguida a recombinação homóloga com células humanas. No Brasil, a modificação genética de células germinativas humanas é proibida pela Lei Nacional de Biossegurança.

Biochips
São biomicroprocessadores para determinar a sequência de bases em segmentos de DNA. Usando reações químicas baseadas em ativação por luz, é possível sintetizar, na superfície de microchips de silício, milhares de pequenas cadeias de DNA chamadas "oligonucleotídeos" com sequência de bases diferentes.
ħEm um chip de apenas 1,28cm x 1,28cm é possível sintetizar até 409.600 oligonucleotídeos diversos, cada um dos quais pode se ligar por complementaridade química (hibridização) a uma sequência específica de DNA.
ħO DNA do paciente é marcado com moléculas fluorescentes e incubado com os biochips, ligando-se então a constelações específicas de oligonucleotídeos. A ligação é quantificada em uma estação robótica por microfluorescência e os resultados são analisados por computador.
ħCom um biochip específico contendo 66.276 oligonucleotídeos pode-se determinar toda a sequência de bases do DNA mitocondrial de um indivíduo (16.569 pares de base) em menos de 15 minutos. Com metodologia convencional seriam necessários dias, mesmo nos melhores laboratórios do mundo.
ħJá existe no mercado um biochip para diagnosticar a resistência do HIV às drogas da terapia tríplice da Aids. Em breve teremos biochips para testar mutações em uma variedade de genes humanos, inclusive aqueles associados com o câncer. Em um futuro não muito longínquo poderemos, com uns poucos biochips, rastrear todo o genoma humano de um indivíduo à procura de genes defeituosos.


Sérgio Danilo Pena é médico geneticista, professor-titular da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador latino-americano do Hugo (Human Genome Organization).

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