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Complô no escritório
Best-seller da era digital, "A Exceção", do dinamarquês Christian Jungersen, trata com ligeireza as desventuras do mercado de trabalho
RICARDO ANTUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA
As desventuras no
mundo do trabalho
da era informacional-digital encontram exemplos nos
mais distintos ramos de atividade existentes no planeta: das
trabalhadoras em telemarketing aprisionadas nas "baias"
dos "call centers" aos jovens assalariados esfolados nos fast
foods; dos imigrantes que perambulam pelo mundo atrás de
qualquer labor a trabalhadores
escravizados no agronegócio.
Ou ainda do novo proletariado terceirizado das empresas
industriais e de serviços aos
gestores que se suicidam com o
fracasso de seus projetos (como ocorreu recentemente na
Renault francesa) ou nos intermináveis exemplos de "karoshi" [morte por excesso de trabalho] no Japão; nos assalariados "part-time" que se expandem pelos serviços ao "ciberproletariado" que atua no espaço digital e vivencia o derretimento e a liqüidez da contratualidade do trabalho, agora
considerada coisa do passado
pelas corporações, na desenfreada competitividade destrutiva global em que se envolvem.
Outras direções
No plano fílmico, há vários
exemplos expressivos. Lembro
apenas dois: "O Corte" ("Le
Couperet"), de Costa-Gavras, e
"O Que Você Faria?" ("El Método"), de Marcelo Piñeyro. O
primeiro é ácido em sua propositura: para conseguir emprego
nos escalões médios e altos da
gestão empresarial, é preciso
eliminar (fisicamente) a concorrência.
O segundo mostra uma luta
acirrada por uma vaga em uma
empresa espanhola, versão fina
que encontra um símile nativo
no patético e injusto "O Aprendiz", de Roberto Justus, onde
tudo vale para eliminar o outro
da contenda.
No plano literário, para ficar
num exemplo mais recente, vale recordar "A Caverna" [Companhia das Letras], de José Saramago, que também é cáustico. A cada profissão provida de
destreza que desaparece corresponde um supérfluo a mais
jogado na selva do desemprego.
Numa primeira impressão,
"A Exceção", do dinamarquês
Christian Jungersen, parece
uma proposta ficcional fundada nas desventuras do trabalho
realizado no interior de um
centro de informações sobre
genocídio de Copenhague.
Uma trama envolvendo quatro
trabalhadoras qualificadas e
um coordenador.
Entretanto, mais do que uma
trama de infortúnios causados
pela corrosão dos postos de
trabalho, a ficção caminha por
outras direções.
Desde logo, afloram em alta
intensidade os descaminhos de
quatro subjetividades que se
desentendem em decorrência
das diferentes pessoalidades.
Thriller
Nesse plano, o livro é um
thriller típico da era informacional-digital, que começa
quando um conjunto de e-mails anônimos passa a ameaçar e a infernizar a vida das trabalhadoras em razão das atividades de denúncia contra os genocídios.
Trata-se muito mais de uma
história de crime da era informacional-digital que atinge e
acaba por desagregar as trabalhadoras do que uma reflexão
viva e densa sobre os estranhamentos do trabalho, temática
essa inexistente na ficção.
O texto só oferece algum
atrativo pela tensa trama entre
os possíveis responsáveis pela
ameaça, que ora são encontrados nos líderes dos grupos de
extermínio, ora entre as próprias trabalhadoras, num incansável processo em que a responsabilização de uma pelas demais torna a vida no trabalho
um inferno.
Mas atenção: o livro aqui, no
máximo, é de suspense, sem
nenhuma expressão minimamente indicativa dos complexos dilemas do mundo do trabalho. Assédios, incompatibilidades, desajustes, competições
quase sempre são apresentados
no plano estritamente psicologizante, desprovidos dos nexos
societais mais profundos.
Por outro lado, como a trama
ocorre num centro de estudos e
informações sobre o genocídio,
a ficção oferece um esboço desse fenômeno que tem relevância e vem se amplificando em
escala mundial. E, quando o
texto discorre acerca da problemática do genocídio, ganha um
pequeno salto qualitativo.
Pode-se compreender, então, por que o livro tem a pretensão de ser um best-seller:
ele é um passatempo de leitura
que não chega a ser literatura.
Trata-se, pois, de um thriller ligeiro no que concerne às desventuras do trabalho e carente
de autêntico valor literário.
Mas, numa época em que o
best-seller global provém da
garatuja de Paulo Coelho, não é
possível ter grandes ilusões.
RICARDO ANTUNES é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de
Campinas (SP) e organizador de "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil" (ed. Boitempo).
A EXCEÇÃO
Autor: Christian Jungersen
Tradução: Ryta Magalhães Vinagre
Editora: Intrínseca (tel. 0/xx/21/
3874-0914)
Quanto: R$ 39,90 (560 págs.)
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