São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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Carlos Reichenbach

1. Levar os futuros netos para assistirem alguma matinê do "Grilo Feliz".
2. Refazer o trajeto poético e de encetamento de Murilo Mendes em plagas portuguesas, tal como foi descrito nas sublimes páginas de "Janelas Verdes".
3. Voltar para Pesaro (Itália) e adquirir (para o meu exíguo acervo) uma reprodução deslumbrante em pedra-sabão de um ícone de Andrei Rublev, ao custo de US$ 450, que "namorei" por seis dias, em 1994, durante o festival de cinema, amargando uma dramática "dureza" temporária.
4. Ir aos Estados Unidos exclusivamente para testemunhar um culto do reverendo Al Green (Let's Stay Together), um show -sempre essencial- de Brian Wilson e a eleição da Annual Burlesque Miss Coney Island Pageant (um dos poucos eventos do mundo que estimam a nudez feminina como arte). No quesito consumo, comprar um amplificador valvulado assinado por Danny Gatton (para o meu filho Luís) e todos o CDs remasterizados do assobiador Fred Lowery, da mítica cantora hebraica Bas Shiva e do pai do "space age music", o genial maestro Russ Garcia.
5. Mandar as safenas e o colesterol às favas, fatiar três ou quatro belas peças de picanha maturada e "derrubar" duas caixas de vinho português, casta Tintas Miúdas, na companhia de alguns amigos hedonistas e glutões, como Ivan Lins e Bruno de André.
6. Ir ao D'Orsay -e a todos os demais museus- onde se encontram as obras de Odilon Redon, na companhia do amigo e diretor de fotografia Jacob Solitrenick, para que possamos tentar descobrir o segredo dos cianos "iniciáticos" do maior de todos os pintores simbolistas.
7. Realizar os cinco longas-metragens restantes da série "ABC Clube Democrático", que foi iniciada com "Garotas do ABC" e que prossegue em 2005 com "Lucineide Falsa Loura"; voltar a Dois Córregos para filmar os quatro projetos de longa que ainda pretendo realizar nessa cidade e concretizar um antigo sonho de "produção em pacote" de filmes de baixo orçamento, a serem dirigidos por pessoas que admiro.
8. Me isolar nas nascentes do rio Tietê, em Dois Córregos, por dois anos, e colocar no papel meu ambicionado tríptico literário anarco-existencial.
9. No âmbito do êxtase quase religioso, estar presente -se possível, como jurado- nos prestigiosos festivais anuais de fogos de artifício de Mônaco, Valência, Malta e Tarragona. Acho que as artes (ou manifestações estéticas) que nos colocam mais perto de Deus são a música e a pirotecnia.
10. Na seara dos desejos (e sonhos) derradeiros (já que só os excessos conduzem à sabedoria): juntar todas as minhas economias, viajar para Istambul, tomar uma overdose de Viagra, Cialis e U-Prima, contratar quatro vestais turcas hiperprofissionais ("experts" em pompoarismo) e morrer de orgasmos exacerbados e intermitentes às margens do Bósforo.

Carlos Reichenbach é cineasta, dirigiu, entre outros filmes, "Anjos do Arrabalde", "Alma Corsária" e "Dois Córregos".


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