São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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+ 3 questões Sobre literatura infantil

1. Qual a importância da literatura na formação da personalidade da criança?
2. A literatura infantil pode competir com a TV, os videogames e a Internet?
3. Qual o panorama atual da literatura infantil no país?

Marisa Lajolo responde

1.
Megaimportância. Sutil e cheia de nove horas. Todos os livros fazem a cabeça de seus leitores. Menos os livros que lemos obrigados, claro, mas, assim mesmo, às vezes acontece de rolar um caso de amor, e aí... cabeça feita, meu!

2.
Pode, compete e é capaz de levar. Só precisa ser boa e estar à mão. Já ameaçaram tanto a literatura, já decretaram tanto a sua morte, que já deviam ter aprendido! Mania essa de ficar procurando culpados, não é mesmo? O futebol, o banho de mar, as corridas de cavalo e os quadrinhos já foram os vilões... Literatura é linguagem viva, galera! Ela vira do avesso, aprende outra língua, mata no peito e arremata na rede. É gol!

3.
Como toda paisagem que se preza. Muita várzea e alguma serra, muito riozinho e mar aberto ao longe. Fatia mais gorda do mercado, pudera! No ano passado mais de 46 milhões dos livros produzidos no Brasil piscavam o olho para pimpolhos e para pivetes. E menos de dez magros milhõezinhos olhavam para papais e mamães. Fácil, cara: papis e mamis têm de financiar a própria leitura, enquanto a de molecos e molecas vem com verba pública (o que está corretíssimo!). Os pequerruchos perdem só para si mesmos quando vestem uniforme escolar: passou dos 170 milhões a produção de livros didáticos, geralmente comprados com verbas gêmeas das que compram os infantis (o que continua corretíssimo, diga-se de passagem). Com essa festa, como não ser uma área de "gente grande", profissionalizada em todas as etapas, com reconhecimento internacional e dando de dez nos outros tipos de literatura? Dá de bico que o jogo é a taça, bicho!

Ziraldo responde

1.
Depois de viver muito e prestar muita atenção na vida e nos vivos é fácil perceber que as pessoas mais criativas, mais felizes, mais produtivas, mais bem ajustadas ao mundo tiveram uma infância povoada pelos livros.
Estou seguro de que uma infância em que a imaginação tenha sido mais atendida -seja por um avô contador de histórias, seja por um ambiente povoado de livros- ajuda muito o ser humano no seu trajeto pela vida futura. Se o lar é bem constituído e seus componentes se comunicam intensamente; se a família se reúne para conversar, para comentar fatos e coisas, para falar de livros, de filmes e de histórias, para comentar a notícia do dia, a presença da literatura é fundamental para criar pessoas mais felizes. Num núcleo familiar em que isso não acontece, fica difícil para a literatura ter importância.
Vem, agora, um outro dado, muito importante: há pessoas que nascem vocacionadas para o livro. O verdadeiro leitor já nasce leitor.
Os outros, porém, podem aprender.
A escola pode ajudar muito. Mas ela terá que conseguir levar -com eficiência- a crença no poder do livro para o interior dos lares de seus alunos. O que é muito difícil, mas não deve deixar de ser tentado.

2.
O que se deve estimular na criança é a sua curiosidade. Curiosidade é inteligência.
Num lar onde todos se entendem, a influência da TV ou do videogame não vai, acredito, prejudicar a formação da criança.
Se tudo for feito para que ela seja feliz e bem atendida nos seus desejos, a criança será um adulto legal.
Ler não é uma coisa que se antepõe a ver televisão ou brincar.

3.
No Brasil, por enquanto, os autores ainda não são escravos dos editores. Aqui, os autores de mais sucesso ainda publicam os livros com que sonham. Em conjunto, temos tentado -a maioria dos autores- fazer e criar uma literatura original, de boa qualidade, séria, que respeite a criança e não a trate como uma coisinha retardada. Com algum êxito.
O bom é que todos nós sabemos que o ser humano ainda vai demorar muito para se livrar do livro. O livro é básico! Como o tubinho preto para a moça que anda na moda.
Ao contrário dos outros meios de estimular a imaginação e atender os seus desígnios, o livro necessita de cumplicidade. Cumplicidade!!!
Esse é o segredo.

QUEM SÃO

Marisa Lajolo
É professora de teoria literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Lançou recentemente o livro "Monteiro Lobato - Um Brasileiro sob Medida" (Ed. Moderna).

Ziraldo
É escritor, jornalista e cartunista, autor de "O Menino Maluquinho", lançado há 20 anos, e de "O Bichinho da Maçã" (ambos da Ed. Melhoramentos), entre outros. Hoje é editor da revista "Bundas".



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