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Batalha no esperma
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Os testes genéticos de paternidade não estão criando embaraços
apenas para seres humanos. Ao
utilizar essas técnicas para estudar
o comportamento animal, os cientistas estão descobrindo que a infidelidade conjugal é bem mais disseminada que o pensado até agora
e que a monogamia é um comportamento extremamente raro.
Essas descobertas somam-se a
uma dúvida básica -os pesquisadores ainda debatem o motivo de
o sexo ser tão comum na natureza,
quando a reprodução assexuada
pareceria ser mais simples e vantajosa. Por que um ser tem de procurar outro e convencê-lo de alguma
forma a praticar um ato sexual,
quando seria mais fácil simplesmente se dividir em dois?
"A maior parte dos organismos
superiores se reproduz sexualmente, apesar da vantagem reprodutiva automática experimentada
pelas variantes assexuadas. Isso
implica a operação de forças seletivas que conferem uma vantagem
à sexualidade e à recombinação
genética, seja no nível de população, seja no de indivíduo", escreveram Nicholas Barton e B. Charlesworth, da Universidade de
Edimburgo, Escócia, na revista
"Science".
E, ainda mais, a cada dia se descobre uma forma nova de "fazer
amor" -comportamentos inéditos com o mesmo objetivo, de passar o material genético para as gerações futuras.
O caso da monogamia é um bom
exemplo. Estima-se que apenas
cerca de 3% a 10% das espécies de
mamíferos pratiquem a monogamia. Mas, mesmo entre esse grupo, nem sempre há fidelidade.
O biólogo Stephen Emlen, da
Universidade Cornell, de Nova
York, afirmou, na "Science", que
é preciso distinguir entre a monogamia social e a monogamia genética ou sexual.
Isto é, o casal pode continuar vivendo junto, monogamicamente,
mas, de vez em quando, algum deles pode dar uma escapadela e fazer sexo com outro.
Os resultados mais surpreendentes dessa nova safra de estudos
de paternidade no mundo animal
estão entre os pássaros, que se
achava serem modelos de fidelidade. Apenas perto de 10% de cerca
de 180 espécies de aves socialmente monógamas revelaram ser também geneticamente monógamas.
E a infidelidade vale tanto para
machos quanto para fêmeas. De
modo geral, a monogamia é associada à necessidade de cuidar dos
filhotes. Ela seria mais comum nas
espécies em que seria difícil a apenas um parceiro cuidar da prole.
Ironicamente, a infidelidade
animal pode ter origem no mesmo
motivo que fez surgir o sexo em
primeiro lugar. A grande vantagem seria a possibilidade de mesclar genes, variando o patrimônio
genético e com isso aumentando a
capacidade de uma espécie resistir
às mudanças do meio ambiente.
Isso poderia ocorrer seja criando
indivíduos melhor adaptados, seja
eliminando as mutações genéticas
nocivas.
Uma das surpresas foi descobrir
essa busca da variação até entre
animais onde o sexo é monopolizado por uma minoria, como entre os insetos sociais (formigas e
abelhas), entre os quais o sexo fica
basicamente por conta da rainha e
de alguns machos especializados.
Entre os mamíferos existe um
animal com comportamento parecido, o rato-toupeira pelado da
África (Heterocephalus glaber).
Pesquisadores da Universidade
da Cidade do Cabo, África do Sul,
descobriram que colônias de ratos-toupeiras às vezes produzem
alguns machos "ricardões", cuja
função é fugir da colônia original e
procurar se reproduzir com fêmeas de outras colônias, aumentando a variabilidade de genes.
No começo deste ano, também
na "Science", pesquisadores da
Universidade Emory, de Atlanta,
mostraram como dois hormônios
que agem no cérebro eram responsáveis pelo comportamento
monogâmico de uma espécie de
roedor das pradarias americanas,
o Microtus ochrogaster.
Outros roedores biologicamente
parecidos, da espécie Microtus
montanus, não praticam o acasalamento em pares. Os machos não
cuidam dos filhotes e as fêmeas os
abandonam duas ou três semanas
depois do parto.
Alguns resultados de pesquisa
indicam diferenças da ação dos
hormônios nos cérebros desses
dois roedores. Mas ainda falta
uma explicação mais detalhada,
em termos de adaptação ao ambiente, para essas diferenças de
comportamento existirem.
Se a infidelidade é comum -e o
motivo é diversificar os genes, de
preferência optando por um parceiro (ou parceira) melhor dotado-, uma das questões básicas é
descobrir como os animais associam as características do novo
parceiro a uma suposta melhor
qualidade genética.
Ou seja: por que um pavão com
cauda mais vistosa seria um parceiro sexualmente mais atraente?
E por que a fêmea o preferiria?
Segundo Michael J. Ryan, da
Universidade do Texas, os traços
ligados à "seleção sexual" podem
surgir de outros fatores não relacionados a uma maior aptidão genética (a capacidade do macho de
ter mais filhotes etc.).
Isto é, haveria nas fêmeas uma
tendência inata, preexistente, a
achar determinados traços do macho atraentes, por influência do
modo como os sentidos percebem
o parceiro. Isso porque os órgãos
do sentido -como visão, olfato
etc.- também foram selecionados para outros fins, como procurar comida e fugir de predadores.
Um exemplo seria a tendência
humana de preferir um rosto simétrico a um assimétrico. A explicação usual diz que a assimetria
indicaria um problema genético.
Mas pode ser, argumenta Ryan, na
"Science", que o ser humano
perceba padrões simétricos com
mais rapidez. Do mesmo modo,
lembra ele, há estudos que mostram que o homem prefere música
harmônica porque o ouvido interno estaria estruturado para isso.
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