São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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Seleção natural explica comportamento sexual

especial para a Folha

São raros os cientistas que podem ser acusados de fazer pornografia. Esse é o caso de Robin Baker, professor de zoologia da Universidade de Manchester, Reino Unido. Seu livro "Guerra de Esperma - Infidelidade, Conflito Sexual e Outras Batalhas de Alcova", publicado no Brasil no ano passado pela Editora Record, conteria "pornografia leve", segundo resenhas.
E de fato tem. "Muitas cenas e detalhes que aqui descrevo poderiam, num outro contexto, ser considerados pornográficos", escreveu o autor no prefácio.
A justificativa é razoável, contudo. Baker quer demonstrar como o comportamento sexual humano é regulado pela evolução biológica e pelo seu motor, a seleção natural darwiniana.
Esse livro é uma versão de divulgação popular do seu trabalho acadêmico. Portanto, ele primeiro descreve em detalhes algum tipo de comportamento sexual humano, a "pornografia", e depois faz uma análise baseada na seleção natural. Paradoxalmente, essa é a falha e o charme do livro. Alguns parênteses são necessários para entender a afirmação.
Charles Darwin criou sua teoria na metade do século passado, antes que se começasse a entender os mecanismos da transmissão dos caracteres hereditários -a disciplina chamada "genética".
Apesar disso, essa explicação teórica continua sendo a base da moderna biologia, apesar de contestações sérias e necessidade de adaptações. O adjetivo "sérias" é para lembrar que há contestações de fanáticos religiosos, dos militantes criacionistas, que acham que seu Deus criou o mundo e as espécies em sete dias.
"Adaptar" é uma palavra-chave. Os organismos precisam se adaptar ao meio ambiente para sobreviver e para conseguir deixar descendência fértil.
As espécies, segundo Darwin e seus sucessores, evoluem por meio da popularmente batizada "sobrevivência dos mais fortes"' -dos mais "aptos" seria uma versão mais adequada.
Viver e deixar prole é o objetivo de todo ser vivo. E isso serve, para Baker, para explicar comportamentos humanos tão variados como infidelidade ou masturbação. O autor é um legítimo herdeiro de uma tradição de explicar o comportamento humano pelo lado que a espécie tem em comum com os animais -a disciplina chamada etologia.
Outro zoólogo britânico com trabalhos clássicos e ao mesmo tempo populares é Desmond Morris, autor de "O Macaco Nu" (Record), de 1967. Assim como ele, Baker usa muitas hipóteses não-confirmadas por experimentação, e altamente discutíveis, para justificar suas teorias.
Morris, por exemplo, acha que a forma dos seios femininos, globulares e pouco práticos para bebês sugarem, replica o formato das nádegas. Isso porque a espécie teria deixado no passado de fazer preferencialmente a relação sexual "por trás", como é a praxe nos quadrúpedes, para se concentrar na posição frontal, a "papai-e-mamãe".
Mas o maior problema é a identificação de certas atitudes com o que ocorre entre outros animais. A idéia básica é que todo indivíduo compete para passar seus genes para as próximas gerações, e a medida de "sucesso" seria o número de descendentes.
Assim, um camponês que teve 12 filhos -dos quais alguns morreram no parto, na infância sem cuidados ou no árduo trabalho do campo- pode ter tido mais de seus genes passados para a frente do que um executivo que decidiu ter apenas um ou dois filhos, que foram estudar na Suíça.
Autores como Baker esquecem que a sociedade humana é mais complexa que uma colônia de formigas, um cardume de golfinhos ou um bando de chimpanzés. Mas o charme do livro vem dessa alternativa de explicação. Por que o sexo oral é tão comum? Por que os homens lambem as vaginas de suas consortes?
Segundo Baker: "Os homens não são, obviamente, os únicos animais que indulgenciam o sexo oral. A maioria dos mamíferos masculinos, de ratos e cachorros a elefantes e macacos, também mete o focinho, cheira e lambe a vulva da fêmea nas preliminares do sexo. Os macacos também tocam no aparelho genital da fêmea, às vezes inserindo os dedos na vagina, para depois cheirá-los e lambê-los. O que todos esses machos estão fazendo é recolhendo informações. Estão procurando a resposta para três questões: A fêmea é saudável? Está no período fértil? Andou tendo relações sexuais com outro homem? Um homem faz exatamente a mesma coisa -e a informação que ele junta pode ser de grande ajuda na busca do sucesso na reprodução". (RBN)



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